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Felipe Miranda: Voltando aos anos 1970?

27 abr 2021, 11:57 - atualizado em 27 abr 2021, 11:57
“Previsões são sempre difíceis. Principalmente sobre o futuro. Para tentar olhar adiante, só podemos nos apoiar na observação histórica” diz o colunista.

“Maverick… esse era meu sonho de infância. O brilho nos olhos de uma criança…” Quase posso ouvir o rock, com pegada blues, da grande Banda Boomer. Aquele Mavericão bebia mais que o dono, mas valia a pena. “Life is too short to drive boring cars.” 

Há homens à frente do seu tempo. Nietzsche, por exemplo, se autodeclarava um filósofo póstumo. Sabia que as pessoas não estavam preparadas para ouvir coisas como “além do bem e do mal”, “o anticristo”, “Deus está morto” em meados do século 19. Seria julgado pelo tempo. Hoje, é o grande filósofo da burguesia.

E há homens atrás do seu tempo. Certamente, estou no segundo grupo. Um corpo de 1985, numa alma de, pelo menos, quinze anos a mais. 

Previsões são sempre difíceis. Principalmente sobre o futuro. Para tentar olhar adiante, só podemos nos apoiar na observação histórica. Ainda que imprecisa, somente ela pode servir-nos de guia. Tenho essa tendência a olhar para trás. Como diz Mark Twain, a história não se repete, mas rima. Ou como diria Cazuza, o caminho é escuro e frio, mas também bonito, porque é iluminado pela beleza do que aconteceu minutos atrás.

Talvez nem todos tenham percebido, mas encerramos uma era (longa) em 2021. O extenso bull market do mercado de bons, iniciado em 1981, foi interrompido neste ano, quando tecnicamente se iniciou um bear market nesse segmento, a partir da apuração de uma queda superior a 20% em índices típicos do mercado de títulos de dívida. 

O que vem agora?

Difícil saber. Possivelmente, seja apenas um ajuste técnico, para depois voltarmos à trajetória secular de alta dos últimos 40 anos para os bonds. Mas pode ser também que as coisas tenham mudado estruturalmente. O novo poderia ser, portanto, um resgate do período anterior a 1980.

Mais especificamente, falo daquilo que o economista Allan Meltzer chamou de período da “Grande Inflação”, iniciado em 1965 e marcado por uma interação de políticas monetária e fiscal mais expansionistas, mais contundente a partir do governo Lyndon Johnson.

Se olharmos as diretrizes macro do governo Biden, os paralelos são notáveis. A política monetária claramente testa limites sem precedentes. Além do esforço gigantesco feito nos últimos anos, o Fed tem indicado que só começará um aperto monetário quando a inflação propriamente dita (e não apenas suas expectativas) estiverem acima da meta. Além disso, ele introduziu o conceito de uma meta média de inflação, não se preocupando com um período curto de inflação acima de 2%, mas com algo mais sistemático. 

Claramente, a preferência entre inflação e desemprego do Fed mudou, com sua função de resposta pesando maior preocupação com os níveis de emprego. A meta de emprego foi expandida para diferentes segmentos sociais do mercado de trabalho.

Em paralelo, já foi aprovado um pacote fiscal de US$ 1,9 trilhão, e outro plano de infraestrutura está sendo negociado. 

Alguns economistas, sendo Larry Summers possivelmente o maior expoente do grupo, têm alertado de maneira frequente para o fato de estarmos fazendo além do razoável. Ou seja, de que estímulos monetários e fiscais além da conta impliquem um overheating da economia americana, com o PIB crescendo acima do potencial e a inflação ressurgindo.

Conforme escreveu recentemente Tony Volpon, da WHG, “temos hoje razoável confiança que o governo Biden de fato representa um rompimento com um consenso de política econômica neoliberal vigente nos EUA”. Talvez não seja tanto resultado de uma escola de pensamento econômico, como explica Volpon, mas um movimento político majoritário de democratas, decorrente da experiência econômica desde a crise de 2008 e uma contrarreação ao governo Trump.

A Gavekal resumiu a posição de transição que estamos vivendo entre as combinações possíveis entre crescimento e inflação. Sairíamos de um período de razoável crescimento com baixa inflação, batizado “Goldilocks”, para outro de boom econômico, com crescimento e mais inflação. 

Em termos de alocação patrimonial, o primeiro binômio sugeriria um peso maior atribuído aos títulos do Tesouro norte-americano e às ações de crescimento. O segundo enseja mais peso a ações de valor, com destaque para commodities e bancos, a matérias-primas diretamente, sejam agrícolas ou metálicas, e ativos reais como imóveis e infraestrutura.

Ontem, tivemos mais um anúncio de reajuste do aço. Hoje, a Suzano confirmou novo aumento de preços da celulose na Europa e na América do Norte. O minério de ferro se aproxima da marca de US$ 200 por tonelada. Índices de commodities batem sua máxima em três anos. Estaríamos de volta aos anos 1970? Difícil vai ser abastecer o Maverick com a gasolina nesse preço…

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