Economia

Felipe Miranda: Você também tem boletos pra pagar?

19 out 2018, 18:08 - atualizado em 19 out 2018, 18:08

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

Sabe qual foi o dia em que virei homem? Claro, biologicamente, sempre fui homem – nada contra aqueles que nasceram mulher e viraram homem também. Se você nasceu homem e decidiu virar mulher, travesti, árvore… continuo feliz com isso. Para mim, tudo certo. Se você se encontrou, está limpo. Da minha parte, estou aqui da forma que cheguei e, pelo menos por enquanto, não vejo motivos para mudar.

Pergunto no seguinte sentido: sabe qual foi o dia em que deixei de ser menino e me vi como homem?

Não foi quando meu pai morreu. Também não foi quando meu filho chegou, nem quando minha mãe, dona de casa e viúva, entrou em depressão. Muito menos quando eu olhei meu saldo bancário e percebi que não teria dinheiro para pagar o Colégio São Luís para o João Pedro naquele mês. Foi bem antes disso.

A gente estava saindo daquele Corinthians e River Plate pela Libertadores, no 14 de maio de 2003. Tínhamos acabado de ser eliminados naquele jogo em que o Roger, lateral-esquerdo, deu um pontapé no D’Alessandro e foi expulso. Eu parei com o Gustavo numa daquelas barracas sem nenhuma higiene para comer um sanduíche. Pernil com vinagrete pra ele, calabresa pra mim. “Puts, não deixa cair cebola, pelo amor de Deus. Estragou.”

Estávamos comendo aquela alta gastronomia quando fomos interrompidos por dois caras da Camisa 12 fingindo ter uma arma por dentro da camiseta: “Passa celular e carteira. Vai logo, playboy. Cala boca e passa celular e carteira.” Sei lá se era mesmo uma arma ou não, mas não parecia uma assimetria convidativa pagar pra ver. Um celular e uma carteira a perder, uma vida a ganhar.

Aquela sensação de perplexidade do assalto, sem saber direito o que fazer… Já estávamos entregando, com a boca devidamente calada, celular e carteira…

De repente, chega uma trupe da Gaviões por trás gritando: “Corintiano não toma Corintiano!”. Começou uma pancadaria ali. Nunca vi nada parecido. Teve nego caindo pra dentro da barraca, garrafa de vidro voando, soco de treta comendo solto, chute na cara. O saldo final foi uma tragédia. Mano, a gente apanhou muito.

Foi um choque de realidade. Eu não tinha nem como voltar pra casa. Sem dinheiro, sem celular, sem pele, sem condições de andar praticamente.

Ali perdi o idealismo. Eu achava que o “corinthianismo” poderia me salvar. Percebi, naquele momento, que um celular e uma carteira valiam mais do que o amor alvinegro.

Absorvendo a lição particular como um caso geral, foi também naquele dia que vi como era mais importante arrumar o meu quarto do que salvar as crianças da África. Nada contra as crianças da África. Mas, sendo bem sincero, se você não arruma seu quarto, não paga suas contas e não faz nada concreto para melhorar seu próprio entorno, me desculpe, não me venha com o papo de salvar as crianças da África.

Há tantas preocupações e causas no mundo hoje, mas me parece que se esqueceram da principal: as pessoas precisam pagar seus boletos. Elas querem ter uma vida digna, com segurança pra andar na rua, saúde em ordem, educação ok, um bom tempo de lazer e finanças em dia. Cara, no final, é isso, sabe? “Dois problemas se misturam: a verdade do Universo e a prestação que vai vencer.”

Empiricus tem uma única pauta: ajudar as pessoas a pagarem seus boletos com mais  folga e tranquilidade. Se sobrar algum no final do mês, melhor ainda. Podemos realizar os sonhos, crescer o bolo, nos aposentar antes, curtir a vida, viajar, deixar um patrimônio legal para os filhos. Quem sabe até, depois de tudo isso, cuidar das crianças da África.

Por aí, querem cuidar tanto das minorias estridentes (e acho mesmo que elas merecem seu espaço, igualzinho a todo mundo) que nos esquecemos da maioria silenciosa.

Se eu fosse você, que tem contas pra pagar e quer investir um dinheiro pra ver se ele rende mais, o que eu faria agora?

Tenho sido perguntado se a eleição de Bolsonaro está no preço. Ou se os mercados externos podem mesmo atrapalhar o rali dos ativos domésticos. Se vai haver rali de final de ano. Se a reforma da Previdência vai passar.

Respeito todas elas, mas não me parece ser esse o foco exato da coisa. Você não precisa das causas para ganhar dinheiro. As narrativas são construídas ao sabor do momento. A questão de fato é: o que você compra hoje?

Para mim, ainda estamos num “beta play”, ou seja, numa melhora sistêmica associada a Brasil. Somente em um segundo momento iremos para um “alpha play”, aqui no sentido de escolher seletivamente esse ou aquele ativo por razões idiossincráticas, essa ou aquela ação.

Exagero com o rali Bolsonaro?

Bicho, o movimento nem começou. Claro que vai haver volatilidade no meio do caminho, mas foque o estrutural.

Primeiro, por uma razão muito simples: o juro vai continuar baixo por muito tempo. Mais do que isso, o juro longo agora vai vir mais pra baixo e esse cara define boa parte do apreçamento dos ativos e estimula toda uma migração em direção a mais risco e à Bolsa especificamente.

Vamos finalmente deixar de ser o paraíso do CDI — por anos e anos, ouvi sotaque carioca em mesa de operação tirando sarro da minha cara por gostar de Bolsa: “Nada bate o dólarrr, nada bate o CDI”. Ameaçamos recentemente com o juro baixo, mas com o estresse dos últimos meses, os títulos com vencimento mais longo voltaram a pagar uma enormidade. A renda fixa voltou a ser o lugar onde a pessoa vai buscar ganho de capital, enquanto a Bolsa virou o objetivo de quem quer ter renda (dividendo).

Agora, pensa o seguinte: o Brasil teve anos de completa destruição de PIB per capita. A ociosidade dos fatores de produção é brutal. Quanto precisamos crescer para simplesmente voltarmos ao nível de renda per capita de 2014, num período em que a economia global apresentou um belo desempenho?

Considere que não temos problemas de balanço de pagamentos, nunca estivemos num patamar tão baixo de juros, há um desemprego brutal (o Brasil sempre cresceu bem em momentos de folga de oferta; a porca torce o rabo mesmo quando precisamos atacar o supply side), a inflação está controlada e, na ausência de uma desvalorização cambial significativa (aproveita e já nomeia o Marcos Troyjo logo para o MRE; o dólar cai para 3), não dá nenhum indício de descontrolar-se, as empresas estão megaenxutas, porque fizeram a lição de casa para sobreviver na crise, e os preços de commodities mostram níveis bem interessantes para nós.

Suponha que o próximo governo faça a reforma da Previdência, mantenha o teto de gastos, consiga algum avanço na frente tributária e privatize algumas coisas.

Dado o tamanho da crise recente, quanto poderíamos crescer pelos próximos três anos? Sei lá, 4, 5 por cento ao ano? Cara, os EUA estão crescendo 4,5 por cento, sabe? Pra gente, seria apenas para recuperar a completa destruição de PIB e renda per capita desde 2014. Pode parecer muito, mas se você olhar com afastamento e em perspectiva, não é nada. Ficamos muito pra trás.

Então, você cresce 5 por cento ao ano por três anos, com inflação de 4,5 por cento. Sem afrescalhar a conta, PIB nominal em alta de 9,5 por cento ao ano. Você cresce 31 por cento nominal em três anos. Acabou o problema fiscal. Já era, morreu. Investment grade, gringo entrando, festa, capa da Economist com o Cristo decolando, Trump chamando Bolsonaro de “o cara”.

Aí descobriremos que nada mudou tanto assim. Voltaremos à mediocridade e à complacência macunaímica de sempre. Você soca todas as ações e títulos longos que tiver. Mas, nesse momento, o Ibovespa vai estar 200 mil, 300 mil pontos, sei lá. É uma daquelas raras chances de multiplicar capital.

Devida ressalva: em algum momento dessa trajetória, passaremos por um brutal ajuste das Bolsas internacionais. Não acredito em tese de decoupling/descolamento. Vamos sofrer juntos. Esteja preparado porque vamos cair uns 50 por cento. Em dólar, 75/80 por cento – sim, é isso mesmo. Faz parte do jogo. Caia sete vezes, levante oito.

Respondendo à pergunta de forma objetiva, portanto, não precisa inventar muita moda agora. Ainda estamos no jogo de comprar ações boas e líquidas, alguma coisa de estatal e um teco de juro longo. No meio do caminho, estômago de avestruz. Fazendo isso, a proporção boletos sobre patrimônio pessoal pode ser reduzida a um terço até a próxima eleição. Parece exagero agora. Olhando ex-ante, sempre parece exagero. Depois fica tão óbvio.

Como hoje é minha última comunicação até o lançamento do que tenho chamado de “solução definitiva para sua Previdência”, antes de partir para as frivolidades do dia, agradeço de coração e publicamente a toda equipe que contribuiu para materializarmos isso. Sonhos não se concretizam sozinhos. Em especial, preciso mencionar Alexandre Aoude, Everson Ramos, Gabriela Andrade, George Wachsmann, Ilana Bobrow, Luciana Seabra, Paulo Lemann e Patrick O’Grady. O nome de vocês está registrado de maneira indelével na minha alma. Gratidão se leva no espírito. “Demorou oito anos, mas está aí, pai.”