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Felipe Miranda: Uma ideia para o Ibovespa, sobre a responsável memória do futuro

07 ago 2019, 10:55 - atualizado em 07 ago 2019, 10:55
Colunista discorre sobre papel da volatilidade e descolamento entre expectativa e realidade

“Com Bolsa pra cima, o Brasil é feliz.” Papai costumava repetir isso aí em dias de otimismo com as ações brasileiras. Alternava com: “Quem não tem Bolsa é louco”, acompanhado de uma longa risada, por sua vez facilitada pelas doses de Black & White, seu whisky favorito, aquele com dois gatinhos, um preto e outro branco, no rótulo. Não quero ser injusto. O caráter etílico não vinha sempre, só de segunda a domingo.

Ele adorava os bordões ligados ao mercado financeiro. “Nunca pegue uma faca caindo.” “Fundo do poço tem porão.” “Sobe no boato, cai no fato.” “Sobe de escada, cai de elevador.” “Nunca enfrente o Fed.” “Contra fluxo não há fundamento.” E por aí vai. Achava inteligente esse monte de clichê — é uma das características dos fatos estilizados serem percebidos como inteligentes.

Ontem, o Ibovespa subiu 2 por cento. Em tese, eu deveria estar feliz — temos indicado uma posição bem agressiva em ações, muito superior ao recomendado por private bankings e/ou family offices por aí, e é gratificante ver as coisas caminhando conforme o esperado. “Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego. Sou o dito cidadão respeitável. E ganho quatro mil cruzeiros por mês. Eu devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista. Eu devia estar feliz. Porque consegui comprar um Corcel 73.”

A verdade, porém, é que tive uma das maiores decepções da minha vida ontem. Vieram me dizer que a frase “With great power comes a great responsability” (Com um grande poder vem uma grande responsabilidade) nunca foi dita pelo Uncle Ben, o tio do Homem-Aranha.

Aquilo foi uma licença poética do filme, jamais encontrada nos quadrinhos. Na boa, já colocaram muita coisa na boca do Einstein, do Da Vinci, do Steve Jobs. Mas, poxa, do Uncle Ben? Daí é mancada. Vai morrendo um mito por dia. Nunca vi…

Do que estamos falando exatamente?

Eu sei da minha responsabilidade. Cada palavra escrita aqui passa por um processo mental de um “triple-double-check” e depois vai para revisão e edição. Pilotamos isso aqui na ponta dos dedos, da primeira à última volta.

Sei do tamanho que a Empiricus assumiu, de quantas pessoas são impactadas pelas nossas opiniões (e impactadas aqui no sentido mais profundo possível, de real mudança de comportamento; esse é o verdadeiro influenzer) e de nosso efeito no mercado como um todo.

Por favor, não me tome por pretensioso. Passa longe de ser isso. Sei muito bem meu lugar no mundo. Continuo apenas um rapaz latino-americano, sem amigos importantes e com laços éticos e morais vindos do interior, o que, na minha visão, compõe um pouco do meu caráter, daquilo que me caracteriza essencialmente.

Não quero aqui dar contornos para a Empiricus de relevância superior àquela que ela efetivamente tem. Tampouco logro um sentimento de ter chegado lá. Acho que sequer subimos o primeiro degrau.

Há muito, mas muito, mas muito a se fazer, tanto qualitativa quanto quantitativamente, e hoje confesso certo desprezo pelos elogios feitos à Empiricus; não por não gostar deles, mas por ver muito maior utilidade nas críticas — essas, sim, boas professoras.

Mas, de forma bastante pragmática, superamos a marca de 350 mil assinantes, o que nos dá quase 1/3 dos CPFs cadastrados em toda a B3. A palavra pode ser mais penetrante do que qualquer espada, nos ensina o livro de Hebreus, capítulo 4, versículo 12.

Isso exige responsabilidade. E é com essa mentalidade que gostaria de tratar do tipo de otimismo que hoje mantenho sobre a Bolsa.

Não é segredo para os meus três leitores minha defesa por uma grande posição em ações, com um naco para as small caps. Para todo mundo? Sim, para todo mundo. Mesmo para o investidor conservador? Sim, para ele também. Questão aqui é só calibrar o sizing de suas posições (5 por cento para eles parece adequado) e ajustar o próprio mindset.

Não concordo com essa ideia de que, se o sujeito não gosta de volatilidade, ele não deve ir para a Bolsa. Acredito no mindset flexível, de crescimento, em que as habilidades podem ser lapidadas e desenvolvidas. A Bolsa jamais deixará de ser volátil. A renda variável varia. Mas o investidor pode desenvolver a capacidade de tolerar a volatilidade.

Como diz Taleb: “You’ve got to love volatility”. É precisa a definição da Artemis Capital Management: “a volatilidade é um instrumento de revelação da verdade. Volatilidade é um conceito amplamente mal interpretado. Volatilidade não é medo. Volatilidade não é o índice VIX. Volatilidade não é uma estatística ou um desvio-padrão, tampouco qualquer outro número derivado de uma fórmula abstrata.

A volatilidade não é diferente nos mercados do que é na vida. Independentemente de como se mede, a volatilidade reflete a diferença entre o mundo como imaginamos e o mundo como ele realmente é. Nós vamos prosperar apenas se procurarmos, obstinadamente, nada além da verdade. De outro modo, a verdade nos encontrará por meio da volatilidade.”

Se você não está de acordo com a realidade, esse não me parece ser um problema da realidade. Suspeito ser mais fácil me adaptar ao mundo do que o mundo se adaptar a mim. A Selic vai a 5,0 por cento, talvez menos — e você vai precisar se adaptar a isso. Ações são “the only game in town” (o único jogo da cidade).

Mas aqui entra o ponto central de hoje: isso não pode ser um otimismo desmedido ou irresponsável.

Tomo emprestadas as palavras de Pedro Malan no brilhante livro “Uma certa ideia de Brasil: entre passado e futuro”. Parece bastante apropriado para o momento:

“Na tentativa de converter sonhos e esperanças em realidades, é preciso olhar não apenas o país em questão, mas o mundo em geral e, fundamentalmente, as formas e os mecanismos de inserção desse país no mundo, o que impõe restrições, mas também oferece oportunidades. Isso exige aprender com as experiências de outros países — erros e acertos — nas suas respectivas buscas de converter esperanças em realidade.

Tudo que foi escrito aqui não deve ser interpretado como uma crítica à importância do sonho e da esperança. Ao contrário, estou convencido de que é possível e desejável expressar confiança no futuro (sem messianismos salvacionistas).”

Como lições e corolários para nossa estratégia de investimento, destacaria que:

1. Precisamos lembrar que o Brasil se insere no mundo, e o mundo é bem complexo, numa fase de late cycle e riscos crescentes de uma guerra comercial capaz de jogar-nos num mini-2008 no próximo ano.

2. Necessitamos aprender com a experiência externa e com a nossa própria experiência. Os bull markets, mesmo os maiores aqui e lá fora, foram permeados por grandes correções no meio do caminho — e muitos terminaram de forma súbita; muito difícil antever o final de um ciclo com precisão, de modo que você sempre vai ponderar bem suas posições.

3. É possível ter sonhos e esperanças de aumentarmos significativamente nosso patrimônio. E, como mais uma vez diria Malan, “não esperanças baseadas em meros enunciados de desejos e fantasias sobre um mundo ideal, mas fundadas em avaliações (que sempre podem se mostrar equivocadas) sobre processos de mudança em andamento no mundo real. Essas esperanças, quer se realizem, quer não, podem ser vistas como memórias de um futuro ao menos pensado.”

A “memória do futuro” remetia a um termo de Jorge Luis Borges  para ele, o futuro, antes de se converter em presente e passado, realizaria ensaios, expressos na forma de sonhos, desejos, esperanças, projetos e expectativas de mudança, que poderiam ou não se realizar, mas se constituíriam na memória do futuro. Eis a minha memória do futuro: 150 mil pontos.

4. Não devemos sucumbir às esperanças ingênuas de messianismos salvacionistas. Não há Messias nem na Presidência, nem muito menos na escrita de newsletter. Acima de tudo,  lembre-se: eu posso estar errado.

Mercados iniciam a quarta-feira em clima predominantemente negativo, realizando lucros após a disparada da véspera e ainda preocupados com desdobramentos da disputa comercial entre EUA e China, que voltou a fixar câmbio em patamar mais desvalorizado do que o consenso esperava. Ouro superou a marca de 1,5 mil dólares por onça.

Aprovação da reforma da Previdência em segundo turno é destaque local, mas já fora incorporada pelos preços. Faltam os destaques serem apreciados hoje, sem expectativa de mudanças relevantes. Vendas ao varejo completam agenda.

Ibovespa Futuro abre em baixa de 0,39 por cento, dólar e juros futuros buscam definir tendência.