Colunista Empiricus

Felipe Miranda: Uma hipótese, dois ralis

31 jan 2022, 15:50 - atualizado em 01 fev 2022, 15:50

Aventamos hipóteses, dissecamos em partes, traçamos cenários e matrizes de probabilidade, duvidamos de nós mesmos (e dos outros), ponderamos o que temos a perder e a ganhar a partir de cada cenário e assim recomendamos alocações de capital.”

“Previsões são sempre complicadas, especialmente sobre o futuro.” A frase é de autoria desconhecida, embora uma possível réplica — ou seria complemento? — seja conhecida por essas bandas. “No Brasil, até o passado é incerto”, atribuída a Pedro Malan, costuma ser lembrada em frequência diária — não precisa ir muito longe: cá estamos, hoje mesmo, discutindo a futura e antiga venda da operação móvel da Oi…

Outro clichê típico é a afirmação de que “o Brasil não é para amadores”. A julgar pelo fluxo de cérebros e de capitais nos últimos anos, na verdade, vinha arriscando dizer que o Brasil era só para amadores. Os profissionais já haviam desistido daqui há muito tempo. As coisas, porém, talvez estejam mudando. E é isso que nos traz a este texto: o fluxo de capital está de volta e podemos estar diante de uma inflexão importante, marcando uma nova era. 

Acho injusta a frase de que “No Brasil, até o passado é incerto.” Não porque ela é incorreta, mas porque o passado é incerto também em outros lugares, não sendo uma exclusividade brasileira.

Na teoria psicanalítica, não podemos alterar concretamente os fatos históricos, mas podemos, sim, reinterpretá-los, dando-lhes uma visão mais arejada. E como sempre me pareceu mais relevante a forma como nos relacionamos com os fatos do que os fatos em si (lembrando Shakespeare: “Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito”), isso já é muito. 

Numa perspectiva histórica, sob o viés da retrospectiva, olhamos para trás e vemos o passado como um resultado concreto e determinístico, fruto de um materialismo marxista inexorável, como se não houvesse outra possibilidade além daquela que efetivamente se materializou, desconsiderando que, na verdade, aquele cenário materializado foi apenas uma ocorrência dentro de uma ampla matriz de possibilidades — se Hitler ou Stalin tivesse nascido mulher, como teria sido o século 20? A probabilidade era de 50%, não? O passado é muito mais sutil, frívolo e resultado de uma sucessão aleatória do que o materialismo histórico gostaria de supor. 

As Finanças Comportamentais se debruçam bastante sobre os vieses cognitivos, que viraram também citação costumeira como demonstração de suposta erudição e inteligência. Existem os vieses, e existe o ruído. Enquanto muito se fala sobre os primeiros, pouca atenção é dedicada ao segundo, embora o livro mais recente de Daniel Kahneman se dedique justamente ao ruído.

O viés é uma inclinação sistemática numa direção, ligada ao erro médio. O ruído é uma variabilidade indesejada, tipicamente aleatória, no julgamento. Se você me perguntar sobre cenário político e econômico depois de uma vitória do Corinthians, possivelmente lhe darei um prognóstico mais otimista do que se o procedimento fosse repetido depois de uma derrota — obviamente, sou só um exemplo. Vale para todo mundo, nas mais variadas circunstâncias. Onde houver julgamento haverá ruído. Juízes dão sentenças diferentes para um mesmo caso. Juízes variam entre eles e, muitas vezes, discordam de si mesmos — a depender do humor da hora, acabam, obviamente sem perceber, mudando suas sentenças. Se você for réu em algum processo, torça para que o seu juiz esteja de barriga cheia.

Resumo da história: julgamentos, avaliações e previsões são muito mais complicados do que concebemos a priori. Seja por conta dos vieses do observador, do ruído do sistema ou da incapacidade propriamente dita de se penetrar no futuro.

Não é isso que fazemos aqui. Aventamos hipóteses, dissecamos em partes, traçamos cenários e matrizes de probabilidade, duvidamos de nós mesmos (e dos outros), ponderamos o que temos a perder e a ganhar a partir de cada cenário e assim recomendamos alocações de capital. O analista ou gestor, como qualquer outra pessoa cuja atividade envolve tomar uma decisão hoje tentando antecipar o futuro, pode muito menos do que a maioria das pessoas acha.

Feito o disclaimer, tem uma hipótese crescendo dentro desta matriz de probabilidade. 

Algumas pessoas seguem céticas com ativos de risco brasileiros, temendo a recessão, o juro alto por aqui, o aperto monetário nos EUA, as eleições e tantas outras mazelas.

Outros são mais otimistas e vislumbram algum rali diante do retorno do dinheiro para mercados emergentes. 

E se tivermos dois ralis neste ano? 

Se o estouro da bolha tech e de cripto nos EUA devolver fluxo de capital para mercados emergentes, inaugurando uma nova era que duraria por anos? Se, na última década, só subiu tecnologia nos EUA, enquanto mercados emergentes, no geral, sofreram muito, não estaríamos diante de uma importante inflexão? E o que comprar em mercados emergentes? A China é complexa e, diante da opção pela prosperidade comum de Xi Jinping, oferece riscos marcantes de menos crescimento e mais regulação, além de ser uma coisa bem difícil de ler pelos ocidentais. Rússia… bom… não precisa falar muito; é só ler as manchetes, enquanto os jornalistas ainda estão por lá pelo menos. A Índia está cara. Então, ressurge o “B” dos BRICs como o grande candidato a absorver esse fluxo. Se é para vender o que subiu nos últimos anos, um possível corolário seria comprar o que caiu. Nessa lógica, ações brasileiras poderiam ser a grande porrada do ano (com efeito, ao menos em janeiro, elas estão sendo!).

E o segundo rali viria da percepção de que as eleições, hoje, podem representar muito mais um upside risk do que propriamente uma ruptura negativa, dado o nível de valuation dos ativos brasileiros. Claro que haverá muita retórica eleitoral e momentos de choro e ranger de dentes. Também é claro que existe o risco de novas guinadas populistas do governo atual, em movimentação típica às vésperas da eleição. E é ainda claro que o atual líder nas pesquisas eleitorais pode começar o governo de um jeito e mudar para uma cartilha intervencionista mais clássica. Porém, o grande medo de uma candidatura petista está sendo reduzido no mercado, semana após semana. Quando você vê Guilherme Aché no Brazil Journal e Marcelo Kayath no Valor, que poderiam servir de metonímia para essa entidade invisível e etérea chamada “mercado”, percebe que a aceitação e, surpreendentemente para alguns, até o otimismo começam a ser tangíveis.

São duas placas tectônicas se movendo. Se a hipótese vier a se concretizar, podemos ter um verdadeiro terremoto nos investimentos, mudando por completo a dinâmica dos últimos anos. Eu estou comprando ações de valor (e apenas elas) no Brasil.