Opinião

Felipe Miranda: Uma certa ideia de investidor

02 jan 2019, 10:57 - atualizado em 02 jan 2019, 10:57

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Os economistas previram dez das últimas quatro recessões.

A fina ironia não é minha. Nada aqui é original, nem o título deste texto, conforme ficará claro em alguns instantes.

Abro o ano assim, na esperança (provavelmente a ser frustrada no futuro) de que a virada no calendário gregoriano possa nos oferecer uma mudança concreta, além das descompromissadas deliberações (provavelmente a serem frustradas no futuro) de fim de ano.

Copiando Groucho Marx, eu jamais aceitaria fazer parte de um clube que me aceita como membro — por isso meu bode dos economistas. Acho oportuna a citação por duas razões.

A primeira: começamos o ano acometidos por uma dúvida sobre a possibilidade das tensões no cenário externo interromperem aquilo que tenho chamado de grande bull market estrutural para os ativos brasileiros, iniciado em 2016.

Precisa estar claro: sempre haverá fatores de risco importantes e, a qualquer hora do dia e da noite, você poderá encontrar alguém no Google anunciando o fim dos tempos — vale o contrário também. A administração Dilma, o preço das commodities, o Brexit, as eleições, o baixo crescimento, a elevação dos juros lá fora… sempre haverá alguma coisa para se preocupar; o mercado é como a vida normal. Só há uma pessoa sem problemas: aquela que não está mais entre nós.

Se você espera a completa clareza de cenário para investir, só lhe restarão duas alternativas: i) viver uma espécie de teatro do absurdo, na interpretação pessoal de Esperando Godot, em que ficará esperando eternamente por algo que não vem; ou ii) pagará um preço muito mais alto pela ausência de riscos, em que os potenciais de valorização basicamente terão se esgotado.

A segunda: esta é uma daquelas semanas ridículas em que recorremos aos economistas que erraram todas as previsões de 2018 (e dos anos anteriores também) para coletar predições para 2019. Repetimos o mesmo procedimento esperando um resultado diferente, como no princípio da contraindução de Mário Henrique Simonsen. Os economistas existem apenas para tentar fazer os meteorologistas parecerem científicos.

Prefiro abster-me do charlatanismo das previsões para propor apenas uma certa ideia de investidor. E se uso a expressão dessa forma é pela influência direta da leitura do livro “Uma certa ideia de Brasil”, do brilhante Pedro Malan, que terminei ontem. Veja que o próprio Malan não foi propriamente original. A expressão “uma certa ideia” já havia sido empregada por Charles De Gaulle para descrever, no seu caso, a visão de uma França grandiosa. Então, espero a compreensão alheia pela cópia. A imitação é a maior das homenagens.

Malan tem outras pretensões, mais modestas, segundo o próprio. Não quer necessariamente projetar um olhar de Brasil excepcional ou extraordinário. O objetivo está em desenvolver, mesmo que como esboço, uma certa ideia de como nos vemos como país; de nosso passado, nosso presente e nosso futuro. “Ideia precária que seja, sempre aberta a diálogo com ideias outras que possa haver entre nós sobre problemas fundamentais; mas ainda assim uma certa ideia, mais ou menos compartilhada. Não um consenso, essa palavra sempre elusiva, e sim um grau de convergência sobre questões fundamentais maior que aquele que conseguimos alcançar até o momento.”

Perdoe-me se me estendo no que seria apenas uma digressão dentro do objetivo maior desta newsletter, mas no momento em que o Brasil inicia um novo ciclo — e falo isso em várias frentes, das quais destacaria a moral, a política e a econômica —, podemos nos deleitar um pouco mais com a sabedoria de Pedro Malan.

“Minha utopia é uma sociedade que tente compatibilizar, da melhor forma possível, quatro grandes características:

1 – Liberdades individuais: de opinião, de expressão, de associação, de imprensa, de empreender, liberdade de desenvolver potencialidades como ser humano. Direitos civis assegurados a todos.

2 – Maior justiça social: isto é, igualdade perante a lei e menor desigualdade na distribuição de renda e de oportunidades (…).

3 – Atenção à eficiência e à eficácia nas atividades do setor público: uma sistemática avaliação dos custos e benefícios de sua miríade de programas, nos três níveis de governo. (…)

4 – Maior reconhecimento de um paradoxo fundamental: o que Schumpeter denominava “a máquina capitalista” e “seu elemento essencial” — a “destruição criativa” via avanços tecnológicos e inovações disruptivas — mostrou-se imbatível na produção de riqueza e na disseminação de acesso a produtos de consumo de massa. Mas ela não é, por si só, capaz de distribuir riqueza, renda e oportunidades de forma a atender aos desejos de menor injustiça social.”

O livro é uma coletânea dos artigos do autor entre 2003 e 2018. Impressiona pela atualidade das palavras, mesmo as escritas há mais tempo. Ainda mais interessante, porém, é como os textos, em tese reunidos em coletânea para oferecer uma abordagem histórica, servem ao propósito mais nobre de nos permitir um olhar prospectivo: como experiências passadas e seus desdobramentos podem servir de guia para situações semelhantes agora.

Ao terminar de ler a obra ontem, fiquei pensando no que seria minha própria ideia de investidor. Seria ridículo qualquer paralelo com De Gaulle ou Malan, de modo que minhas pretensões são muito, mas muito mais modestas. Não proponho uma visão grandiosa, nem tampouco consensual. Também não espero qualquer convergência para essas minhas ideias. Estou muito mais para gauche na vida do que para Gaulle. É apenas minha utopia para o investidor, que tentaria compartilhar, da melhor forma possível, quatro grandes características:

A – Que ele entendesse o quão conflitadas são as sugestões de investimento que chegam até ele por parte da indústria financeira. Essa é a essência da fundação e do desenvolvimento da Empiricus; por isso começo por ela. Não se trata de críticas pessoais, mas, sim, à estrutura de incentivos, mais especificamente a um problema clássico da literatura chamado “problema do agente-principal”. Quem influencia (ou age sobre) a tomada de decisão sobre seu portfólio é um terceiro, com seus próprios interesses, e não você mesmo (o principal). O gerente do banco, que tem os próprios boletos a vencer, vai atuar em prol do interesse do banco ou do investidor? O agente autônomo da corretora, que também tem bocas a alimentar, vai oferecer os produtos mais rentáveis ao cliente ou aqueles que lhe remuneram com uma maior taxa subreptícia (rebate), invisível aos olhos do investidor? Bater o mercado já é algo bastante difícil; fazê-lo atendendo, ao mesmo tempo, a uma agenda oculta de conflitos de interesse é quase impossível.

B – Que o investidor saísse da obsessão por dicas individuais para aplicar seu dinheiro e passasse a olhar para seu portfólio como um todo – não é com uma ação específica que o sujeito quebra; é com a alocação de capital, que ao longo do tempo explica a maior parte do excesso de retorno. Breves parênteses: é mentira que o investidor brasileiro não topa risco e por isso está concentrado na poupança; veja quantas pessoas compraram bitcoins. A questão é que os olhares e as atenções precisam se voltar ao portfólio e não a apostas individuais. Bitcoin é arriscado? Olhado sozinho, sim. Se representa 0,5 por cento de sua alocação, não. Você pode perder tudo ali e não terá se machucado. Perceba ainda o seguinte: um portfólio composto por 1/3 Tesouro Pós-fixado, 1/3 Tesouro Indexado e 1/3 Tesouro Prefixado (somente títulos de renda fixa soberanos) tem mais risco em 12 meses, no sentido de que pode oferecer perda nominal efetiva, do que outro composto por 95 por cento Tesouro Pós-fixado e 5 por cento de opções fora do dinheiro (mesmo colocando opções na carteira, você tem um portfólio com menor chance de perda nominal do que outro apenas com papéis de renda fixa soberana). Duas palavras precisam preencher seu ecossistema psíquico na hora de investir: diversificação e convexidade. Pergunte-se sempre: o quanto eu posso perder e o quanto posso ganhar em cada aplicação. Aposte centavos para ganhar dólares; nunca faça o contrário. Apostas de alto risco podem fazer um grande sentido se forem devidamente dimensionadas.

C – Que definitivamente se compreendesse a dissociação entre risco e volatilidade. Títulos ou fundos de crédito costumam ter baixa volatilidade, mas são, em geral, alternativas ruins no Brasil — o prêmio não compensa o incremento de risco. A volatilidade das Torres Gêmeas era zero às vésperas do 11 de setembro de 2001. O peru que eu comi na casa do Rodolfo antes de ontem foi alimentado por 364 dias do ano sem qualquer volatilidade e, quando mais esteve confiante na fidelidade do granjeiro depois de uma relação construída por meses, virou o jantar. Erros típicos associados a isso: achar que seu imóvel não varia de preço somente porque você não está vendo (ausência de evidência não é evidência de ausência) e preferir coisas menos voláteis às mais voláteis (um gestor que enfrentou períodos de volatilidade carrega vantagens frente a outros, porque passou por crises e soube como lidar com elas, sendo um sobrevivente; para um mesmo retorno, prefira fundos de maior vol, ceteris paribus).

D – Que conseguíssemos escapar da tendência de pensarmos linearmente. Nosso cérebro não foi desenhado para a exponencialidade. Temos problemas com isso. Achamos sempre que os movimentos serão graduais, lineares e bem comportados. O mercado financeiro não é assim. Ele anda em saltos súbitos e exponenciais. As coisas acontecem de súbito, quando ninguém imagina. Uma grande alta no ano é concentrada em dois ou três meses. Nesse sentido, peço atenção especial para janeiro. Os mercados reagem a notícias na margem e eu não me surpreenderia com uma série de notícias positivas vindas do gabinete de Paulo Guedes. Se ainda não teremos Previdência por conta do recesso parlamentar, poderemos ter uma porção de outras coisas interessantes, de cunho mais micro, regulatório, de abertura da economia e/ou focadas na eficiência operacional e administrativa do setor público. Tem gente bastante séria trabalhando pesado para isso.

Se eu pudesse ainda acrescentar uma quinta coisa à minha utopia, seria para que o investidor desenvolvesse um pouco de coragem. E que ela não se confunda com irresponsabilidade.

Como diz o próprio Malan em outro momento do livro, é possível ousadia na austeridade. É disso que estou falando. Perceba o uso deliberado do verbo “desenvolver”. Não se nasce com coragem, ela se desenvolve. Para 2019, o que eu desejo mesmo é que o investidor realmente invista. Que ele teorize menos e viva mais o que tem de viver. Contam-se os dias, para não dizer as horas, para a utopia virar realidade.

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