Felipe Miranda: Tupi or not tupi: desafios e oportunidades aos 200 anos da nação
Por Felipe Miranda
Nassim Taleb oferece uma prescrição aparentemente contraintuitiva e desalinhada à cartilha mais ortodoxa de gestão de recursos: entre dois fundos de igual retorno em que um tem volatilidade superior ao outro, escolha aquele de maior volatilidade.
Evidentemente, a discordância entre Taleb e a cartilha das Finanças Modernas reside na percepção do que é risco, tratado nos manuais mais tradicionais como uma medida capaz de ser mensurada justamente pela volatilidade.
Na falácia lógica de Bertrand Russell, repetida à exaustão por Taleb, um peru é alimentado por 360 dias sem nenhuma volatilidade e, no momento em que sua confiança estatística na própria dieta está no auge, ele próprio é servido no jantar.
Como nos lembra a Artemis Capital, a volatilidade é um instrumento de revelação da verdade, enquanto a ausência dela representa a supressão de riscos, escondidos debaixo do tapete. E, claro, os riscos mais problemáticos são justamente aqueles não mapeados, desconhecidos e que, portanto, podem nos surpreender.
No fim do dia, o gestor que atravessou volatilidade está mais preparado para tempestades, já passou por crises e soube reagir, tem um time mais cascudo e “aguenta porrada”. O outro é um bebê criado em apartamento, à base de leitinho com pêra. Como será seu comportamento na hora ruim? Eis a questão…
O mundo enfrenta ao menos dois grandes testes, para os quais a geração está despreparada.
O primeiro deles de cunho geopolítico. Se Francis Fukuyama detectou o Fim da História com a queda do muro de Berlim, quando caiu a antítese remanescente à tese da democracia liberal, agora vivemos o fim do Fim da História (ou seria o pós-História?). As autocracias se rebelam literalmente contra os valores ocidentais clássicos, voltando a haver o processo dialético hegeliano clássico para o transcorrer da História.
Entende mais sobre o pensamento de Felipe Miranda
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia é mais do que uma questão local ou isolada. Representa uma insurgência contra a Ordem Mundial em vigor desde 1945 ou, no mínimo, desde 1989. Testa um modelo de diretrizes e tratados supranacionais, desafia as cadeias de suprimento globais, coloca em xeque a Pax Americana, promove uma remilitarização do mundo, evidencia a dependência de matérias-primas e energia de países não necessariamente muito confiáveis.
Como Thomas Friedman lembrou ao Estadão neste domingo, é uma guerra mundial, porque seus efeitos são sentidos nos quatro cantos.
A superação positiva das democracias liberais está sendo testada e, claro, todos esperamos que ela passe na prova. Contudo, teríamos instrumentos geopolíticos para lidar com uma situação inédita para toda uma geração? Os gestores de política econômica estariam preparados para algo assim? E os locadores de capital, que em sua maioria também nunca viram dinâmica semelhante?
O segundo grande teste se refere à inflação, que roda em seu patamar mais alto em 40 anos. Ou seja, os formuladores de política econômica de hoje podem ter lido em livros sobre um processo inflacionário dessa natureza, mas estavam na faculdade ou no início de suas carreiras quando, de fato, vivíamos uma escalada generalizada dos preços.
Não sabemos o resultado dos dois processos. Ninguém sabe.
Não saber, porém, não significa não agir. Voltando a Taleb, X não é F(x). Podemos não saber muito bem os desdobramentos da realidade. O mundo é meio ininteligível mesmo, e o futuro permanecerá opaco, impenetrável, parte do incognoscível. Mas também podemos entender como a realidade impacta nosso portfólio, o que é muitas vezes mais fácil.
Talvez tenhamos nos esquecido de que até a pior democracia é melhor do que uma autocracia. E conflitos bélicos são destruidores para as respectivas economias, de tal modo que viver longe de áreas com questões militares graves pode demandar menor prêmio de risco.
O Brasil é uma democracia consolidada e grande, dentro de uma América Latina que havia sido alijada dos grandes fluxos internacionais. Vamos mesmo comprar Rússia? China? Índia? Será que não temos vantagens mais evidentes agora frente a outros emergentes?
Ao mesmo tempo, se vamos acelerar a transição energética e reduzir a dependência do gás e do petróleo russos, num mundo em que fissuras na globalização ficam mais claras e evidenciam-se temores de segurança alimentar, não faria sentido valorizar nosso amplo parque hídrico, nossa capacidade eólica e solar, nosso etanol de segunda geração, até nosso biodiesel, nosso potencial de mercado de carbono, nosso minério de ferro, nossa soja e nossa celulose?
Quanto à inflação, também temos certas vantagens comparativas. A geração que domou a inflação no Brasil ainda está por aí. Nosso histórico hiperinflacionário ainda está em nossa memória — tirando, claro, a geração que chegou à B3 durante a pandemia seguindo seu influenciador digital favorito, alimentada pela ração do giro louco, tão lucrativo no bull market, tão destruidor de valor no resto do tempo. A verdade é filha do tempo.
Ademais, enquanto o mundo agora começa um aperto monetário para controlar a alta dos preços, nós estamos muito mais avançados no processo. O Brasil já tem um dos maiores juros reais do mundo, terminando o ajuste na Selic, agora em mero afinamento estético.
Você pode comprar tudo isso por menos de 7 vezes lucros, enquanto as Bolsas de países desenvolvidos ainda negociam acima de sua média histórica.
Gostamos de uma posição comprada em Bolsa brasileira, protegida com um short (menor) na Bolsa norte-americana.
Os desafios que a nova ordem mundial nos coloca são enormes. A notícia boa é que representam também uma grande oportunidade para o Brasil. Só depende da gente. A notícia ruim é que Macunaíma é um herói duplamente preguiçoso. Até a preguiça tem seu preço.