Opinião

Felipe Miranda: Tungstênio

29 ago 2018, 12:20 - atualizado em 29 ago 2018, 12:20

Por Felipe Miranda, da Empiricus Research

“Agora que chegou no 4,14, o dólar para no 4,28.”

Esse foi o “boa noite” que recebi ontem ao entrar no elevador do prédio.

Sim, você tem toda razão. Estou contigo nessa. Também percebi a ambiguidade da frase. Ele quis dizer que o câmbio só sobe até 4,28 reais por dólar? Ou que a taxa vai com certeza, e muito rapidamente, para esse nível, podendo continuar subindo depois?

Não dei muita bola. Preferi conviver com a dúvida. As certezas, pra mim, é que são sinal de loucura.

Papai dizia que só tinha um grafista rico, o autor do livro. Cresci com isso na cabeça. Depois fui adotar postura mais agnóstica. Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. Foi quando o Andrew Lo identificou poder preditivo na análise técnica, no já clássico “Foundations of Technical Analysis: Computational Algorithms, Statistical Inference, and Empirical Implementation”. Na sequência, da época de FGV, descobri os trabalhos de Pedro Valls para o caso brasileiro. E agora me lembro do lendário Jim Simons fazendo coisas nesse escopo, embora a Renaissance continue como uma grande caixa preta.

Se o gráfico aponta 4,28 reais por dólar como novo alvo de curtíssimo prazo, eu sinceramente não sei. Mas já vi esse filme várias e várias vezes: o câmbio, assim como a maior parte das variáveis financeiras, varia muito mais do que a gente acha a princípio. Eu não me surpreenderia com o dólar a seis, até mesmo sete reais, a depender do resultado da eleição. Ao mesmo tempo, mercado está só numa ponta, com todo mundo atrás de hedge apostando na alta do câmbio. Se vier um reformista e passar o calor sobre mercados emergentes lá fora, esse negócio pode, como num passe de mágica, ir para 3,30 da noite para o dia. Daí vem a ideia de ter uma bela posição comprada em dólar, combinada a uma pequena compra de puts (opção de venda) fora do dinheiro desse negócio – cheque na sua corretora.

Filme surpreendente mesmo é “Tungstênio”. Que película! Já era fã do Heitor Dhalia desde “Nina”, embora goste também de “O Cheiro do Ralo”, de “Serra Pelada” e, ainda mais, de “À Deriva” (com a Laura Neiva, meu amigo, não tem como não gostar). A admiração ganhou reforço agora. Menção honrosa também ao José Dumont, que ator!

O filme se baseia na HQ homônima de Marcello Quintanilha, que ganhou prêmio de melhor quadrinho policial no renomado Festival d’Angoulême.

Há algo ali sobre a sagacidade e a inteligência apreendidas da rua. O amadurecimento vem exatamente de questões cotidianas, de situações particulares, muitas delas, inclusive, destruidoras de sonhos, choques de realidade frustrantes que nos fazem curvar à maré das circunstâncias materiais.

Tenho uma crença particular de que o investidor comum está em vantagens sobre o profissional ao fazer suas aplicações. Não é algo só meu. Peter Lynch, um dos maiores gestores de ações de todos os tempos, pensava a mesma coisa. Entre os fatores para esse “edge” do cidadão comum sobre o megainvestidor estaria no fato de que o último se distancia das ruas.

Nas palavras de Lynch, “simplesmente há muitos obstáculos entre os profissionais e as tenbaggers (as ações que se multiplicam por 10x)”. Nas palavras do gestor de ações Falcão, do fundo O Rappa, “as grades do condomínio são pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que tá nessa prisão”.

Para libertar-se da própria prisão intelectual, você precisa ir para a rua, conversar com gente, sentir o movimento nas gôndolas dos supermercados, perguntar aos alunos da Kroton como está o clima na faculdade, entrar na Riachuelo e depois na Zara. Da rua, emanam as melhores ideias. E é a ideia que manda num bom investimento. O resto é chantilly.

“Os grandes pensamentos resultam da caminhada”, concluiu Nietzsche. Numa pegada mais francesa, “andar nos ensina a desobedecer”. O investimento realmente lucrativo, aquele que pode fazer você multiplicar por 10x, o retrato dos tenbaggers de Peter Lynch, é uma grande desobediência ao status quo.

Poderia apontar outras vantagens do leigo sobre o profissional de investimentos, como a capacidade de aplicar em coisas menos líquidas sem causar distorções de preço, e a típica maior agilidade de uma lancha contra um transatlântico – como resumiu Malcolm Gladwell: “Desafiando a intuição inicial, a verdade é que Golias nunca teve a menor chance contra Davi”.

Meu encantamento com “Tungstênio” vem, entre várias coisas, por conta também de outros paralelos com o mundo das finanças. Cuidado: a próxima frase conterá spoilers. Paciência. Eu poderia estar matando, poderia estar roubando. Eu só estou atrás de ideias para um texto por dia. Se isso me custa um spoiler, vamos em frente.

Em seu processo de amadurecimento, Caju, a personagem de Wesley Guimarães, sonha em vingar-se de violências contra si e das mazelas das injustiças sociais brasileiras. Sairia de herói, livre dos molestadores. Acaba aprisionado entre um sargento aposentado e a mãe evangélica, que finge ir ao culto todos os dias para, na verdade, encontrar-se, com disciplina religiosa, com seu amante violento no baile da luz vermelha.

Será que estaríamos nós também condenados à escolha entre o militar e o vermelho travestido de uma pessoa que não é?

Após ver o atropelamento de Jair Bolsonaro sobre os jornalistas da Globo ontem no JN, meu medo mesmo é outro…

Tungstênio é um metal de cor branca acinzentada, usado na forma em pó denso em explosivos. No filme, forma bombas que são jogadas ao mar por pescadores para capturar peixes, de maneira ilegal, quase em cardumes, sem muito esforço.

A verdadeira bomba a me preocupar é a seguinte:

Sendo Bolsonaro realmente o candidato antiestablishment imparável – basta ver como enfrenta ao vivo William Bonner e Renata Vasconcellos –, o sistema conseguiria tolerá-lo à frente do Planalto?

A Globo quer isso? Os deputados e senadores, em sua maioria enrolados na Lava Jato e apegados ao fisiologismo, querem isso? O poder Judiciário quer isso? (Veja a matéria destruidora feita pela Crusoé sobre Dias Toffoli, empurrada para baixo do tapete como poeira, como se aquilo tudo fosse normal.)

Quem pode parar Bolsonaro?

Lula. Talvez só ele.

Se o candidato militar aparecer nas pesquisas realmente ali nos 37 por cento como sugerem alguns trackings particulares, será que Lula continua mesmo preso? Não nos enganemos – por mais que esperneie, Lula é o grande sujeito do sistema. Foi ele quem montou essa coisa toda. E essa coisa toda quer continuar aí. Ele é o verdadeiro conservador.

Não sei de nada, mas desconfio de muita coisa.

Com o potencial explosivo desse cenário de cauda, o dólar pararia mesmo nos 4,28?

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