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Felipe Miranda: TINWO: Carta a um jovem investidor

28 set 2020, 11:36 - atualizado em 28 set 2020, 11:36
“A sabedoria popular diz que para nevoeiro e adolescência não há remédio”, diz o colunista

Caro jovem investidor,

Entendo a sua ansiedade em ganhar dinheiro rápido. Aliás, entendo a sua ansiedade como um todo. Afinal, você é jovem. Consigo, inclusive, ver um lado bonito nessa história.

A ânsia de viver, a capacidade de projetar um futuro perfeito — enquanto os velhos já estão mais calejados com os próprios fracassos, erros e desvios aleatórios frente à perfeição anteriormente esperada; portanto, sabem mais sobre as chances de novos percalços e admitem maior prudência —, e a falta de nitidez sobre a finitude da vida, já que sobram-lhe ainda muitos anos pela frente, transbordam pelo seu olhar e sua pele. Quase posso tocá-los no ar.

Ao tentar responder à sua pergunta, decidi recorrer a Rainer Maria Rilke, que me parece já ter percorrido o exercício nas “Cartas a um jovem poeta”. Mais do que isso, eu jamais conseguiria chegar a este nível de precisão nas palavras:

“Deixe a seus julgamentos sua própria e silenciosa evolução sem a perturbar; como qualquer progresso, ela deve vir do âmago do seu ser e não pode ser reprimida ou acelerada por coisa alguma.

Tudo está em levar a termo e, depois, dar à luz. Deixar amadurecer inteiramente, no âmago de si, nas trevas do indizível e do inconsciente, do inacessível a seu próprio intelecto, cada impressão e cada germe de sentimento, e aguardar com profunda humildade e paciência a hora do parto de uma nova claridade: só isso é viver artisticamente na compreensão e na criação.

Aí o tempo não serve de medida: um ano nada vale, dez anos não são nada. Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranquila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha um verão.

O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo.”

O investimento nunca será tão bonito quanto uma poesia — embora eu considere ser uma atividade em que a arte prepondera sobre a ciência. Alan Blinder dizia isso até mesmo sobre a política monetária, tão pretensamente científica, mas, ainda assim, superada pelas habilidades artísticas (intuitivas e sensoriais) dos banqueiros centrais; curiosamente, Jerome Powell é também muito menos modelista do que outros que sentaram naquela cadeira. Bom, mas esse é outro assunto.

O ponto aqui é que, assim como uma obra de arte, um investimento tem seu próprio momento de maturação. Para amadurecê-lo, não há como apressar sua seiva. Uma determinada boa ação comprada não vai subir só porque você a comprou ou na hora que você quiser. Ela vai subir no seu próprio tempo. Aqui, a paciência também é tudo.

A sabedoria popular diz que para nevoeiro e adolescência não há remédio; tem que esperar passar. Investimento também é assim. Quando há uma determinada nuvem sobre nós, mas os fundamentos estruturais continuam bons, devemos apenas esperar passar, de forma paciente. O verão há de vir para os pacientes.

Desde o final de agosto, os mercados de risco têm sido assolados por um desses nevoeiros.

As big techs americanas, grande vencedores de 2020 junto ao ouro, foram subitamente castigadas, sob desconfiança de bolhas e de que os valuations haviam ido longe demais. O mercado de moedas passou a enfrentar grande volatilidade.

Primeiro, o longo ciclo do dólar teria acabado, porque a Europa já estaria em fase mais avançada no combate ao coronavírus, o Fed imprimia dinheiro em ritmo superior a qualquer outro banco central, as eleições norte-americanas eram um risco e a nova onda em favor da preocupação com o ESG colocava a Europa em vantagem, dado seu nível mais avançado no debate. Depois, a Covid-19 voltou a assolar a Europa e todo mundo correu para o dólar novamente.

Diante dos temores com as Bolsas e a fraqueza das moedas com tanta impressão de dinheiro, então vamos nos refugiar nos metais preciosos, certo? Errado. Vemos uma grande correção no ouro e na prata, que, paradoxalmente, têm apresentado correlações positivas com os índices de ações nos EUA, contrariando a visão clássica de grandes portos seguros.

E o bitcoin, alguma chance? Forte queda desde o pico também.

“Melhor mesmo ficar em caixa, LFT, Tesouro Pós-Fixado, fundo DI de taxa zero…” Até aí você perdeu dinheiro, mesmo em termos nominais, com o mercado exigindo mais prêmio para comprar esses títulos e oferecendo perdas via marcação a mercado a seus detentores.

Circunstancialmente, fomos do TINA (There is no alternative, ou seja, não há alternativa além de se comprar ações) ao TINWO (There is no way out; não há muita saída).

No momento da desalavancagem do sistema, do acionamento das ordens de stop loss, das chamadas de margem e das vendas compulsórias, tudo cai. Não há diferenciação no pânico. Só no pós-pânico.

O que fazer?

Se você acredita não ter havido nenhuma mudança estrutural, como é o meu caso, nada. Apenas precisamos ter paciência — isso pode ser difícil para um jovem, mas é o único remédio agora. A renda variável varia. O pior: a renda fixa também! Precisamos atravessar a turbulência e chegar do outro lado, não desistir conforme encontramos obstáculos no meio do caminho, sobretudo quando acreditamos se tratar de um ajuste natural e de volatilidade típica depois de um processo vigoroso de alta, sem que os fundamentos mais essenciais e de longo prazo tenham sido afetados.

Em comunicado na última sexta-feira, a gestora Gauss apresentou avaliação semelhante:

“Nesse momento avaliamos que não houve alteração de cenários e mantemos nosso posicionamento cautelosamente otimista – basicamente composto por quatro fatias de classes de ativos: ações, títulos públicos, ouro e crédito de empresas americanas. Vale a pena mencionar também que temos também posições de moedas visando o tema de enfraquecimento do dólar.

Vemos este movimento de realização nos ativos justificado por aspectos técnicos e momentâneos. A manutenção do ambiente estimulativo promovido pelo Fed, com juros reais negativos, ampla liquidez e intervenções no mercado de crédito, os indicadores de atividade surpreendendo para o lado positivo, baixos preços de energia e dólar fraco embasam nossa visão de que não estamos na iminência de um movimento de ruptura de preços de ativos, mas apenas de realização das posições que acumularam uma performance significativa nos últimos 6 meses.

Ademais, a história recente mostra que o nervosismo típico dos mercados associado às eleições americanas, quando muito, vai até o Dia de Inauguração. Além disso, na nossa avaliação dos preços atuais, as probabilidades embutidas de um novo pacote fiscal ou de novos desenvolvimentos positivos de uma vacina estão muito baixas.

A queda dos preços de ativos não correlacionados em sincronia é uma situação de anormalidade, que ao longo do tempo tende a se ajustar. Por exemplo, quedas acentuadas do ouro não condizem com momentos de aumento de incerteza e juros reais negativos. Temos adiante uma expectativa de ganhos bem mais atrativa em face dos preços já descontados e à medida que a correlação dessas classes de ativos se normalizar. Assim, vemos essa turbulência recente como passageira, mas conscientes da maior volatilidade, ter cautela e adequada diversificação de fatores de risco são essenciais para navegar nesse ambiente.”

Mark Dowding, CIO da BlueBay Asset Management, falou algo parecido à Bloomberg: “É difícil ficar muito pessimista. Quando olhamos para 2021, o crescimento deve ser mais forte, a política econômica será estimulativa com mais gastos fiscais. A vacina está a caminho e a vida deve voltar ao normal no meio do ano que vem”. Sebastien Galy, estrategista da Nordea Investment Funds, completou: “Existe uma quantidade tremenda de liquidez no mundo e isso vai continuar a ajudar a economia global, liderada pela China e seguida pelo resto. Acreditamos estar num momento de ‘comprar na fraqueza’”.

Nós não sabemos até quando o ajuste e a volatilidade vão durar. Honestamente, ninguém sabe. Os mais perigosos são aqueles que acham que sabem, claro. O que temos a fazer é nos apegar aos fundamentos e esperar passar, com paciência, dando aos racionais de investimento o tempo que eles precisam para se materializar.

Certa vez, David Hume aconselhou seu sobrinho sobre como se preparar para a carreira nas letras e humanidades por meio de uma parábola. Era algo mais ou menos assim:

“Um homem cavalgava com sofreguidão e levava o cavalo ao limite da exaustão. A certa altura da viagem, ele parou por um instante para perguntar a alguém que passava quanto tempo faltava até o lugar de destino. A resposta foi ‘são duas horas se você for mais devagar, mas serão quatro horas se você continuar com tamanha pressa.’”

Querer acelerar o tempo pode não apenas ser inócuo, como, ainda pior, gerar resultados muito negativos.

A paciência deve dar numa via de mão dupla, meu caro jovem investidor. Da mesma forma com que você precisa dar aos seus investimentos o tempo de maturação deles mesmo, o que é exógeno a você, há de ser paciente consigo mesmo, em sua própria formação.

Como David Hume resumiu ao sobrinho depois da parábola, “para um jovem que se aplica às artes e às ciências, a lentidão com que ele se forma para o mundo é um bom sinal”. Como afirma Eduardo Giannetti, “os lampejos efervescentes do talento e da inspiração lhe prometem atalhos e feitos meteóricos, mas o estudo profícuo e refletido pede calma, não pressa. Devagar pode ser mais veloz”.

Aristóteles, na Política, constatou que os meninos que venciam as provas olímpicas nas competições infantis quase nunca se tornavam grandes campeões quando adultos. Sobre a dinâmica, escreveu assim: “Até a época da puberdade, os exercícios devem ser leves, e devem ser evitadas as dietas rigorosas ou os esforços violentos que possam vir a prejudicar o crescimento adequado do corpo. Os efeitos nocivos de um treinamento prematuro e excessivo são marcadamente evidentes. Nas listas dos campeões olímpicos, existem apenas dois ou três casos em que a mesma pessoa, tendo sido vitoriosa na competição adulta, tinha vencido também na infantil; e a razão é que o treinamento feito demasiado cedo e os exercícios compulsórios que isso acarreta resultaram em perda de energia”.

Meu caro jovem investidor, assista ao documentário “The Social Dilemma”, na Netflix, e veja como estamos cada vez mais impacientes, intolerantes, apressados e viciados em elementos que apenas reforçam e intensificam nossos comportamentos e convicções prévias. Para investimentos, as redes sociais podem ser terreno fértil para investidores cada vez mais mal formados. Impacientes, convictos, confiantes, com crenças reforçadas nas suas próprias posições e intolerantes quanto aos argumentos contrários. Veja o app da Robinhood, o fenômeno de trading com pessoa física nos EUA. Compare aquilo com a dinâmica de um cassino e com quanto o investidor é estimulado a tradar freneticamente, com vários impulsos sensoriais em favor de um grande número de transações.

O mundo real — não o virtual — pede paciência. As ações, que continuam sendo ativos bem reais e pedaços de empresas, têm o seu próprio timing. Já estamos na primavera. O verão há de vir.

P.S.: Entre outras coisas, comentamos a influência das redes sociais no último episódio do Empiricus Puro Malte, com o influenciador Lucas Fernandes como convidado. O Puro Malte é um projeto super recente nosso e já está entre os podcasts de negócios mais ouvidos do Brasil. Agradeço enormemente pela audiência. Peço àqueles que puderem para enviar feedbacks para o e-mail puromalte@empiricus.com.br. Queremos fazê-lo cada vez melhor e vai ser muito rico poder ouvir de vocês.

 

 

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