Opinião

Felipe Miranda: Sobre os ombros de gigantes

22 maio 2019, 10:36 - atualizado em 22 maio 2019, 10:37

Sabe como comecei a investir em ações? Copiando meu pai. Eu ia até aquele notebook colocado na escrivaninha que transformava o quarto do casal em escritório e esmiuçava cuidadosamente a tela aberta naquele terminal Enfoque.

Observava cada linha da primeira coluna, composta por células de Excel preenchidas com quatro letras e um número. Anotava no meu próprio caderno os tickers das ações para poder replicar os trades do dia. Imitava igualzinho, com exceção da alavancagem que não me era permitida e dos tragos no cigarro Galaxy — nunca pude identificar o que era maior: se os termos do papai ou se o volume de fumaça que entrava em seus pulmões.

Cara, eu tinha 13 anos. O que eu poderia fazer diferente? Eu nem sabia se ele era realmente bom naquilo. Só tentava copiar o herói. Ou quem sabe era uma forma de atrair sua atenção e conquistar a aprovação que jamais viria a ter, ao menos assumidamente.

Ele era absolutamente intuitivo. Hoje, não tomo a intuição com a conotação negativa que muitos a atribuem. Pra mim, ela é só a manifestação não estruturada e não formalizada de um conhecimento que fica acumulado lá dentro da gente, num nível quase inconsciente. É por meio da intuição que muitas vezes conseguimos reconhecer padrões e antever certo tipo de comportamento, ainda que não necessariamente possamos encontrar as palavras precisas para descrever as razões daquela decisão. Mais interessante ainda é que, por não ser formalizada e estruturada, compõe o conhecimento tácito, justamente o mais difícil de se transmitir à frente. Isso faz da intuição e do conhecimento tácito possivelmente o mais rico, porque mais particular e individual, intransferível.

Naquela época, porém, carregava a arrogância típica dos pré-adolescentes. Ah, era tão bom saber de tudo! Passei a atribuir os prejuízos de meu pai à falta de embasamento analítico formal e teórico para seus trades. Era só um bear market, sabe? Mas eu jamais poderia perceber isso naquele momento. A sequência Malásia, Rússia, LTCM, bolha ponto com foi impiedosa. Eu confundi a aleatoriedade, a incerteza e a incapacidade de se antever cisnes negros com incompetência.

Eu já tinha aprendido bastante com o papai, mas não podia reconhecer. Mesmo com um resultado no geral positivo dos trades, não conseguia perdoar os erros recentes daquela transição dura da década de 1990 para os anos 2000. Seja pela crueldade da marcação a mercado daquela inesquecível posição em Globo Nabo (PLIM4) ou pela natural necessidade de o filho babaca superar o pai, na manifestação rebelde e insurgente impelida pela profusão de hormônios pelo corpo.

Se a intuição não era suficiente para ganhar dinheiro em Bolsa, precisaria agregar um conhecimento formal. Quem poderá nos defender? De posse dos meus próprios fracassos recentes, nada mais óbvio do que recorrer ao sucesso alheio. Então, apelemos logo ao maior de todos. Comecei a pesquisar sobre Warren Buffett e me deparei com o clássico “Berkshire Hathaway Letters to Shareholders”, o livro que compilava as cartas da empresa do sábio de Omaha aos acionistas de sua empresa.

Uau! Ali eu tinha um instrumental analítico estruturado para replicar. Sei lá por qual razão, mas sempre tive uma preocupação metodológica. Sempre tive (e tenho até hoje) um interesse intelectual por coisas mais ontológicas e epistemológicas. Ali, eu parecia ter encontrado. Ações eram empresas e seus preços na tela de computador seriam atraídos magneticamente por um valor intrínseco daquela companhia, definido por tudo o que ela poderia gerar de hoje até o infinito.

Virou meu segundo emprego de operador de máquina fotocopiadora. Comecei a ler sobre as empresas brasileiras numa tentativa de replicar o método de Buffett aos casos locais. Confesso que ajudou. Mas essa transposição de uma abordagem mais geral e americanizada para os casos locais não era tão simples.

Uma coisa é a ideia teórica, outra é a prática. Legal essa história de valor intrínseco. Agora, como calcular esse cara no dia a dia? E mais: esse magnetismo entre cotação de tela e valor típico das leis físicas poderia mesmo ser replicado a uma ciência social? Ou ainda: sendo a Bolsa um ambiente darwinista (como outro qualquer sob o Sol), não seria Warren Buffett um animal mais adaptado a Wall Street, com suas leis e regras próprias, em que o financiamento barato através de suas seguradoras faz uma diferença tremenda? Os dragões fazem sucesso em Galápagos e em Game of Thrones, mas estariam devidamente adaptados ao clima do centro de São Paulo?

Se fosse pra copiar mesmo, eu precisaria de algo mais direto. Caso contrário, estaria dando a minha própria interpretação sobre a proposta alheia, me arriscando a incorrer no “problema da não tradução”, comum em ciência e na vida cotidiana. Lembro da piada: “Toda vez em que você ouvir dois economistas debatendo sobre keynesianismo, tome cuidado, pois vão aparecer três opiniões. A do primeiro economista, a do segundo e a do próprio Keynes”.

Bom, se Warren Buffett tinha cartas publicadas sobre seus métodos de investimento comentando ações americanas, os gestores brasileiros que se diziam buffettianos também deveriam ter. Um mínimo de coerência. Então, lá fui eu para meu terceiro emprego como tirador de xérox.

Passei a acompanhar as cartas dos grandes gestores brasileiros de ações à época. Lia todas que podia. Os próprios caras eram mais dedicados a isso. Dynamo, Fama, GAS, IP, Skopos… a Verde tinha algumas inspiradíssimas; bons tempos aqueles dos documentos de “performance atribution”, uma fonte inesgotável de informação e ideias de investimento.

A verdade é que daí comecei a ganhar dinheiro — e muito conhecimento. Eu via as teses dos caras, selecionava aquelas com as quais mais me identificava e com perfil mais de longo prazo, porque tinha medo de o camarada vender e eu não ficar sabendo, e comprava pra mim também. Podem falar o que quiserem, mas funcionou. Era simples e eficiente.

Tive a sorte de entender cedo que você precisa separar o seu ego do seu bolso. Em Bolsa, você não precisa estar certo. Você precisa ganhar dinheiro. Essa é a língua que se fala aqui dentro.

Não se trata de um desafio de originalidade, daqueles capazes de pensar primeiro nesta ou naquela tese. Pra mim, talvez seja até o contrário: possivelmente por vaidade (os gestores adoram se sentir inteligentes; bom, eles são seres humanos, egocêntricos e narcísicos assim como todos nós), a originalidade é um dos conceitos mais erradamente valorizados no mercado.

Uma ideia de investimento vai pagar pra você igualzinho se surgiu originalmente dentro do seu cérebro ou se foi copiada de um terceiro. Portanto, se você não tem interesse em sair por aí autoproclamando-se um gênio gerador de ideias lucrativas, algo que até pode alimentar a inveja alheia, mas não vai torná-lo mais rico, não parece haver uma vantagem objetiva em ser original.

Ainda mais surpreendente é o fato de que a originalidade pode não apenas ser neutra, mas também negativa.

Assumindo que você não é um profissional do mercado financeiro (se for, tudo bem também, não há perda de generalização no argumento) e pensou numa determinada ideia de ação para comprar, por conta de uma tese qualquer. Ninguém mais no mercado pensou naquilo. Primeiramente, a chance de você ser um único supergênio parece baixa. Até concordo que você é um supergênio. Mas o único supergênio daí já é meio muito pra mim. Há vários supergênios por aí, alguns com equipes supergeniais de algumas dezenas de pessoas, vasculhando oportunidades de investimento. A probabilidade de alguém, do sofazão de casa, pensar sozinho em algo que o mercado inteiro ainda não pensou não deve ser lá muito grande.

Ah, tudo pode acontecer. É verdade. Vamos então supor que você é o único supergênio do mercado. Então, para que aquela sua ideia de investimento passe a dar lucro, todo o resto do mercado vai precisar ser convencido de que sua tese estava certa. Aquela assimetria de informação que você identificou antes de todo o resto vai levar mais tempo para ser incorporada aos preços. E, claro, quanto mais tempo investido num ativo, maior seu custo de oportunidade. Uma coisa é ganhar 30 por cento em um ano. Outra coisa é ganhar 30 por cento em cinco anos.

Perceba também que os custos e os desafios impostos ao pioneiro por vezes são muito maiores do que aqueles enfrentados pelo seguidor. Um exemplo histórico simples: lá atrás, foi a turma da Skopos, que se juntou com a Verde, montou uma posição grande em DASA, fez um trabalho formidável de governança corporativa e observou uma multiplicação absurda do preço das ações compradas — muito se deveu a seus próprios esforços endógenos de ativismo, o que obviamente foi custoso e desafiador. Se você simplesmente observou de fora e comprou ações da DASA seguindo o que vinha sendo feito pelos pioneiros ativistas, ganhou dinheiro igual, sem tanto custo e sem tanta dor de cabeça. Até aceito as críticas de certo oportunismo, mas a questão aqui é amoral, como qualquer outra no mercado financeiro (não confundir com imoral).

Aqui um testemunho pessoal pode ajudar no entendimento. Se você, assim como eu, empreende num negócio disruptivo, sabe exatamente das dificuldades do pioneiro. Aquele que promove a disrupção enfrenta todo um lobby de grupos de interesse estabelecidos, passa por sucessivos desafios regulatórios, encontra uma série de questionamentos na imprensa, apanha de tudo quanto é lado. Depois que toda a via já foi devidamente pavimentada, entram várias outras empresas seguidoras, que, claro, vão criticar a nova incumbente. Embora possa parecer contraintuitivo, aqueles que copiam o pioneiro chegam já sabendo todo o caminho das pedras e incorrem em muito menos custos e despesas associados a todo esse ato de desbravar o mercado.

Fundamental, porém, uma ressalva: que isso não se confunda com não pensar com a própria cabeça. Converse com todos, leia tudo que puder, aprenda com gente melhor (e mais rica) que você, mas filtre tudo conforme a maior ressonância com seu jeito de ser e estar no mundo, com sua própria visão da realidade. Entenda quando digo: “você não precisa estar certo; você precisa ganhar”. A segunda parte é fundamental. Não importa se você é original ou um plagiador de ideias de investimento alheio (é muito mais fácil ser o segundo), você tem que lucrar. Essa ideia não pode ser travestida da ancoragem no consenso, carregada de mediocridade, que obviamente só levará a retornos medíocres. Muitos se perdem no conceito e preferem errar com todo mundo do que acertar sozinhos. Definitivamente, não é isso. A ideia é absorver o que há de melhor por aí e usar isso a seu favor em vez de ficar pensando sozinho em reinventar a roda. É muito mais fácil andar de carro (agora, de patinete, que triste isso!) do que reinventar a roda.

Eu, até hoje, copio tudo que posso, orgulhosamente. Replico as ideias do Taleb aqui todos os dias. Converso com os gestores de ações, muito melhores e mais ricos do que eu (tenho muito respeito por construções patrimoniais verdadeiramente substantivas, pois essa é a regra deste nosso jogo aqui), e procuro adotar, após nossa própria diligência, suas ideias mais certeiras. Importamos rigorosamente o mesmo modelo de negócios de nossos sócios americanos, que adotam essa mesma estratégia em outros 20 países. Copio tanta gente que às vezes me pego copiando a mim mesmo. Aí penso que talvez tenha surgido algo original. Então, acordo. Quando você acha que pensou algo original é simplesmente porque não leu o suficiente.

Tudo isso para te dizer: você pode aprender com os outros, você pode lucrar com os outros, você pode se tornar um investidor melhor a partir da experiência dos outros.

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Preciso parabenizar publicamente a Luciana por essa conquista. É algo realmente especial que está sendo levado à pessoa física, num daqueles momentos em que a Empiricus encontra com ela mesma, com sua própria vocação, e traz ao investidor de varejo algo tão rico e profícuo quanto o oferecido tipicamente para o profissional ou o cliente de grandes gestores de fortunas.

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