Opinião

Felipe Miranda: Respire

13 set 2018, 10:34 - atualizado em 13 set 2018, 10:34

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

“Breathe, breathe in the air
Don’t be afraid to care
Leave, but don’t leave me
Look around, choose your own ground”

Há quem diga que estamos à beira da “argentinização do Brasil”. É gente séria, acertadora e, para conquistar de vez o coraçãozinho do mercado financeiro, muito rica. Pra mim, nem precisaria do argumento de autoridade. Pode ser? Tudo pode. Contemplo qualquer possibilidade, mas, sinceramente, não é minha expectativa.

Fico pensando no que seria um primeiro dia do governo Bolsonaro ou do governo Haddad. Minha conclusão é de que não tem como dar muito errado, sabe? Também não acho que daria muito certo — no final, estaremos condenados à complacência, à mediocridade e àquele modernismo antropofágico clássico. Ai, que preguiça.

Como hoje o apreçamento dos ativos me parece mais associado a um cenário mais negativo, inclino-me, resistindo à tentação, ao exagero, a algum otimismo.

De forma supostamente contraintuitiva, acho até que sua chance de ficar rico de verdade seria mesmo com Haddad. Calma, eu não gosto do PT também. Aliás, apostaria que gosto menos do que você. Ou, mais precisamente: que odeio mais do que você. Senti e, em alguma medida, ainda sinto na pele as tentativas da prática consagrada do assassinato de reputações — não que a minha também seja lá grande coisa. “They call me: bad company, I can’t deny; Bad company, ’til the day I die”, diria a banda Bad Company, na música… Bad Company. Nada mais apropriado.

Mas não estou aqui para dar banho no seu avô, servir de babá para seu filho (embora arriscaria projetar um bom futuro nessa última função), assistir à cerimônia de troca de faixa no Karatê do seu sobrinho, nem aplacar um discurso politicamente correto.

Enquanto estou dentro do 10º andar da Faria Lima 3.477, quero fazer você ganhar dinheiro. E ponto final. Se é bonito ou feio, não sei, mas é o trato. Fora daqui, podemos discutir educação moral e cívica — e eu devo lembrá-lo de que ética, honra e valores nada têm a ver com reputação; essa última só serve aos escravos, que, em vez de focarem-se no que é essencialmente certo, preocupam-se com a visão dos outros sobre si.

A janela de oportunidade a ser potencialmente criada num governo Haddad — deixo claro que não estou torcendo por isso, nem de perto, sendo capaz de matar duas galinhas pretas para evitar esse cenário (é obviamente uma brincadeira; aliás, eu tenho fobia de galinha) — viria do seguinte raciocínio: você passa o período da volatilidade até as eleições com uma liquidez razoável e alguma exposição ao dólar.

No dia subsequente à eleição do Haddad, a taxa de câmbio vai estar num outro patamar, bem mais alto do que o atual. Quanto? Não sei. Minhas práticas de macumba e esoterismo restringem-se ao campo das metáforas platônicas. Somente os capazes de prever o futuro podem dar essa resposta. Mas quando digo “bem mais alto” quero dizer BEM mais alto. E a Bolsa, por sua vez, cairia um bom percentual. Então, você poderia vender seus dólares muito caros, com belo lucro, e comprar Bolsa muito barata.

Pelas minhas conversas por aí, alguns dos melhores gestores, mesmo os mais conservadores, estão comprando Bolsa (o Verde mesmo admitiu isso em sua última carta aos cotistas

Por mais que Haddad assuste — tudo que vem do PT é apavorante —, o fato objetivo, livre da retórica eleitoral, é de que ele é um moderado. Gostaria de compartilhar duas histórias sobre o candidato petista. São anedotas, mas transmitem uma mensagem interessante.

Uma vez almocei com um dos maiores banqueiros brasileiros. O sujeito era brilhante, divertido, mas falava à beça, impedindo que avançássemos sobre a saladinha, o arroz com amêndoas e o filé ao molho do próprio assado. Eu estava morrendo de fome e, se não fosse pela presença da Luciana, que não me deixa mentir sozinho, temeria se tratar de uma alucinação. Resistindo ao desmaio, ouvi assim: “o Haddad é um petista leve, se é que isso existe. Você pode chamar ele aqui no banco, ele vem, participa, conversa com cliente. No final, a turma vem agradecer, fica surpresa que ele não mordeu ninguém, não deu canelada embaixo da mesa. É um cara bacana”.

Eu mesmo estive com Fernando Haddad por várias horas. Quem diz que ele não sabe do problema fiscal brasileiro desconhece o real pensamento do candidato. Se ele vai tratar adequadamente a coisa, daí realmente não sei. São outros quinhentos. Mas ao menos reconhece o rombo.

Num bate-papo descontraído, ele disse algo mais ou menos assim: “numa apresentação no estrangeiro, vieram me perguntar sobre a situação fiscal brasileira. Eu disse que o problema era que precisávamos de 20 por cento a mais de PIB para fazer caber ali dentro todas as despesas da União, estados e municípios, muitas delas obrigatórias. Como a economia brasileira crescia bem à época, os gringos logo responderam que estava fácil, porque rapidamente teríamos um PIB 20 por cento maior. Eu disse que não. Que não importava o PIB, o orçamento precisaria ser 20 por cento maior. kkkk”.

Apesar do tom de brincadeira, era uma clara narrativa de quem se dava conta do caráter problemático das despesas obrigatórias e engessadas ligadas ao Estado brasileiro e às definições da Constituição de 1988.

Quando penso nisso tudo, não consigo ver as coisas dando muito errado e, por isso, me mantenho construtivo com os ativos brasileiros. Ao final, vai dar certo.

Mas alerto: até lá, vai ser difícil pra caramba. Haverá momentos de desespero, choro e ranger de dentes. Situações em que teremos a certeza de que o país vai acabar. Mas o Brasil não “argentiniza-se” porque temos parasitas demais para mamar nas tetas do hospedeiro — e um parasita inteligente jamais mata o hospedeiro. Você tem dúvidas de que o PMDB e o Centrão são ótimos parasitas?

O que será fundamental até lá?

Separar ruído de sinal. A cada pesquisa, o mercado vai extrapolar para o futuro situações de curtíssimo prazo. Ruídos aleatórios serão tomados como mudança de tendência. Todos iludidos pelo acaso. Meras questões circunstanciais serão interpretadas como dinâmica estrutural, já antecipando o resultado final. Não vamos pular antes da hora para conclusões.

Por algumas semanas ainda, conviveremos com flutuações meramente aleatórias, flutuando ao sabor de cada novo factoide. Teremos de aprender a conviver e aceitar a presença do desconhecido, por mais complicado que seja para nosso cérebro, nascido e criado para perseguir certezas. “A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle.” Duvide de cada reação do mercado e de seu caráter ciclotímico, duvide de si mesmo.

Vai ser bem difícil ganhar dinheiro agora, no curtíssimo prazo. A tentação será grande, mas talvez o melhor caminho neste momento seja celebrar os benefícios da inação. Apenas esperar a tempestade passar. Em algumas poucas semanas, o céu estará muito mais claro. Não fazer nada é uma excelente decisão sobre o que fazer.

Isso é pura arte, que, de súbito, me catapulta mentalmente (de onde surgem os trens do pensamento que nos obrigam a neles entrar?) às conversas entre David Gilmour e Roger Waters, quando da definição final do álbum “Dark Side of The Moon”, pra mim, um dos três maiores da história.

Discutia-se como introduzir novos riffs de guitarra e outros elementos de sintetizadores no meio de alguns compassos. Queriam enriquecer o som, talvez estimulados pela inovação associada a certos instrumentos eletrônicos. Mas então veio a ideia mais brilhante do disco: “leave the gap”, algo como “deixe os espaços vazios”, ou, na minha visão da coisa: “preencha os espaços vazios com o nada”. Você pode perceber facilmente a ausência de sons em intervalos sutis de “Breathe”, “Time”, “Us and Them”, entre outras. E não existe algo mais representativo do que o nada.

No final do dia, você escolhe o que é um som de verdade, algo significativo, e o que é mero ruído. Podemos decidir pelo “Dark Side of the Moon” ou pelas lendas urbanas de que, ao cantar “marquei um X” por três vezes, Xuxa queria mesmo era transmitir uma mensagem subliminar e demoníaca ao inverter o som de “xis”, formando “six, six, six” em inglês, o número da besta.

Em meio a todo esse ruído eleitoral e às preocupações com seus investimentos, há um som tocando na minha cabeça. Tento decifrá-lo enquanto escrevo, desviando o ouvido dos barulhos do escritório e das perguntas administrativas que me fazem durante minha hora mais importante do dia. Acho que é “Eclipse”, a última faixa do disco em questão, uma boa forma de encerrar hoje: “There is no dark side of the moon, really; matter of fact, it’s all dark” (não há um lado escuro da Lua, na realidade; a verdade é que ela é inteira escura). Não vejo motivo para nos preocuparmos com isso.

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