Empiricus Research

Felipe Miranda: Quem tem medo de Virginia Woolf?

07 jun 2019, 11:51 - atualizado em 07 jun 2019, 11:51

Um excelente econometrista é…Um excelente econometrista.

Luiz Alves Paes de Barros, Lírio Parisotto, Luiz Barsi, Silvio Tini de Araújo, Victor Adler, ao menos pelo que consta, não são grandes econometristas. Eles são bilionários, os caras que ganharam dinheiro de verdade em Bolsa.

Uma pergunta aqui. Se o assunto fosse “ganhar dinheiro com ações”, quem você seguiria: um estupendo econometrista ou a rapaziada (sim, porque, diante da vitalidade dessa turma, são mesmo uns rapazes — aliás, viu o Victor Adler comprando 5 por cento da Oi? Acho que tem coisa ali, hein?) do segundo parágrafo?

Confesso aqui minha preferência, pois não tenho pretensão de ensinar os pássaros a voar ou tampouco, como o dito popular, de ensinar o pai-nosso ao vigário. Sextus Empiricus era contra os professores, contra pessoas desapegadas da prática que, munidos de equações e teorias difíceis, queriam ditar aos praticantes como as coisas deveriam ser. O conhecimento emana da prática para a teoria. Esse é necessariamente o sentido da seta, não pode ser outro.

Deixa eu te contar um segredo — que deixou de ser segredo desde que isto aqui foi escrito: no mercado financeiro, estamos no Quarto Quadrante de Taleb. Nele, a econometria não funciona. A realidade é não ergódica (eu repito esse palavrão para ver se ele é absorvido por osmose).

Os quatro leitores do Day One talvez percebam que as linhas de hoje caminham com linguagem mais técnica do que o habitual. Peço desculpas por isso. Na segunda, voltamos à programação normal. Nesta sexta, gostaria de oferecer um contraponto ao artigo “Tendências de mercado e talento dos gestores de fundos”, publicado no jornal Valor Econômico na última quinta-feira.

Antes de prosseguir, esclarecimento importante. Tenho profundo respeito e — arriscaria dizer — admiração pessoal pelos autores daquela coluna. Certamente, contribuem sobremaneira com o debate em torno do que se convenciona chamar de Financial Economics, por vezes traduzido como Teoria das Decisões Financeiras.

Um dos autores está entre os maiores econometristas brasileiros — e isso é uma grande conquista. Outro é pesquisador de relevo no tema, além de um excelente comunicador sobre Economia e Finanças, oferecendo um trabalho importante de educação financeira em escala, algo raro no Brasil.

É com esse respeito e essa admiração (que permanecem incólumes) que rabisco a crítica a seguir, circunscrita ao escopo técnico, sem, em nenhum momento permitir que a contra-argumentação ganhe contornos ad hominem.

Então, vamos lá.

O objetivo central do artigo é testar se os gestores de ações brasileiros dispõem de uma habilidade especial de antecipar altas e baixas do mercado, de modo a obter resultados acima da média. Ipsis litteris, está escrito: “Este artigo testa a habilidade de ‘market timing’ das casas gestoras de fundos de ações, já que muitos profissionais cobram 2 por cento de taxa de administração ao ano ou mais e apregoam que conseguem antecipar os ciclos da bolsa, gerando ganhos maiores do que estratégias passivas”.

Para realizar o teste, a modelagem é feita a partir de uma extensão do CAPM, com a introdução de uma variável explicativa representando a tendência de mercado. Nas palavras dos próprios autores, “seria desejável que o gestor aproveitasse esses momentos (de tendência positiva) para extrair retornos adicionais para a carteira. O coeficiente desse fator chamamos de gama. A interpretação é a seguinte: um gama positivo sugere que a casa gestora possui talento de se antecipar a movimentos de mercado para cima ou para baixo e assim adicionar valor à carteira”.

Basicamente, portanto, alarga-se o modelo unifatorial (CAPM, que representa a equação da reta na geometria analítica — os economistas e sua tendência a pensar linearmente) para um modelo bifatorial (trata-se de um APT, o caso geral do CAPM, tendo como novo fator de risco a tendência).

E qual o resultado encontrado?

Basicamente, o tal coeficiente gama não é estatisticamente significante. Em alguns momentos, aparece até como negativo. Ou seja, segundo os autores, isso seria uma evidência de que a maior parte dos gestores de ações não consegue bater o mercado.

Qual meu problema com a abordagem?

A modelagem proposta mostra um completo desconhecimento do que os gestores de ações brasileiros, filosófica e pragmaticamente, fazem e pretendem fazer. O artigo, na essência, pressupõe que os fundos de ações, para gerar retornos acima da média, fazem market timing, quando, na verdade, isso é exatamente o que eles não fazem, nem sequer pretendem fazer. Aliás, muito pelo contrário.

Se você pesquisar um pouco sobre os fundos de ações brasileiros (entre você mesmo em alguns sites por aí), perceberá que quase sua totalidade — com raras exceções que apenas confirmam a regra — segue a filosofia da chamada escola fundamentalista ou escola de valor, proposta originalmente por Benjamin Graham e posteriormente difundida por Warren Buffett.

Essa vertente de pensamento (se é que posso chamá-la assim) é totalmente contrária ao market timing. Esse é o ponto nevrálgico da minha crítica, e que parece ter escapado aos autores.

A proposta de Benjamin Graham, em seu âmago, é de tratar ações como pedaços de empresas. Então, definiríamos (ou tentaríamos definir a partir de estimativas) qual seria o valor intrínseco dessas empresas. Compararíamos o valor intrínseco calculado para as ações dessas firmas com o preço de tela (esse que você vê piscando na tela) e, se o preço estivesse muito abaixo do valor intrínseco (com devida margem de segurança), deveríamos comprar as ações, esperando uma convergência dos preços para o valor intrínseco.

Segundo a escola fundamentalista, é só e tudo isso que podemos fazer.

Em quanto tempo se dá essa tal convergência? Não sabemos. Mais curioso ainda: por que se dá essa convergência? Também não sabemos. O próprio Graham brinca com isso e diz não saber as razões por trás desse magnetismo do valor intrínseco, mas que ele simplesmente acontece. E nós não estamos aqui para saber as causas. Estamos aqui para ganhar dinheiro.

Querer provar que os gestores de ações brasileiros não geram valor porque não antecipam tendências de mercado não é adequado, porque em nenhum momento eles se propuseram a antecipar tendências. Ao contrário, eles afirmam sua própria incompetência nisso, seguindo a cartilha Graham/Buffett. A geração de valor viria da seleção de ações, não do market timing.

A conclusão do artigo ainda é válida, de que a maior parte dos fundos não bate o mercado? Sim. Mas isso não é novidade para ninguém, tampouco prova que não possa haver uma minoria capaz de bater o mercado (embora eu mesmo seja um defensor da gestão passiva, o que não tem nenhuma importância aqui). Só para você ter uma ideia, de um universo de 17.714, a Luciana Seabra indica apenas 52!

Ou seja, mesmo quem é apaixonado pela gestão ativa e estuda com brilhantismo esse nicho (com reconhecida e inquestionável reputação nisso) gosta apenas de uma minoria dos fundos. O fato de a média dos fundos não conseguir bater o mercado não significa que não se deva investir em fundos.

Além da crítica injusta de que os gestores “apregoam que conseguem antecipar os ciclos da Bolsa” (eles apregoam justamente o contrário, para desistirmos de antecipar os ciclos da Bolsa!), o que me pareceu faltar sobre o fato de a média dos gestores não bater o mercado?

Que investir sem os gestores também não costuma, na média, bater os mercados. O investidor pessoa física não bate os mercados. Terrance Odean tem estudos maravilhosos nessa área, mostrando o quanto há excesso de concentração, excesso de trading e apego exagerado a posições perdedoras, que resultam numa carteira de micos ao final do processo. O day trader também não bate os mercados — ao contrário, sua taxa de mortalidade é bem alta; estudo da FGV recente evidencia o fato com maestria.

E sabe por que é tão difícil bater os mercados? Na minha opinião, não é pela impossibilidade de se antecipar tendências — óbvio que ninguém consegue mesmo; isso é reconhecido e assumido mesmo por quem tem sistematicamente batido o mercado. Entendo que a dificuldade venha da convexidade, além claro de toda a complexidade e incerteza que jamais desaparecerão do ambiente. Explico.

Pense no caso das ações. Por conta da lei de responsabilidade limitada, uma ação nunca vai cair mais de 100 por cento. Mas a coisa não é simétrica. Ela pode subir mais de 100 por cento. Com efeito, as ações vencedoras sobem 200, 300, sei lá, 1.000 por cento — olhe o retorno em 24 meses de Magazine Luiza, Banco Pan, Banco Inter, PetroRio, e por aí vai.

Ou seja, em ambientes assim, uma supermultiplicação das ações acaba puxando muito a média dos retornos do mercado. Em outras palavras, boa parte da alta do Ibovespa costuma ser explicada por pouquíssimas ações que subiram muito — uma minoria de papéis, uma parcela bem pequena mesmo, que acaba representando quase a integralidade do movimento dos benchmarks.

Assim, para bater os mercados, você precisa ter em carteira essas ações das grandes altas. Obviamente, como elas são minoria, a chance de tê-las é baixa. Poucos vão subir ao pódio mesmo. Ou você tem a nata, o puro creme do milho das ações, ou fica abaixo da média. A chance de ter escolhido uma ação pertencente a essa minoria é evidentemente baixa.

Mais uma vez, as críticas à dificuldade de se bater o mercado cedem à resistência humana em se pensar exponencialmente. Fomos feitos para pensar linearmente. O problema é que o mundo é convexo. E, desculpe te decepcionar, mas a realidade vai continuar sendo do jeito que ela é. Somos nós que precisamos nos adaptar, apesar dos platonistas continuarem tentando fazê-la caber num arquivo do EViews, deitados eternamente no berço esplêndido de Procusto.

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