Felipe Miranda: Quem poderá nos defender?
“Eu escolho meus amigos não pela pele, ou por outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador, e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito, nem os maus de hábitos. Eu fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles eu não quero resposta, eu quero o meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias, e aguentem o que há de pior em mim. Para isso só sendo louco.
Eu quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Eu escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Eu não quero só o ombro e o colo, eu quero também a sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim, metade bobeira, metade seriedade.
Eu não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. Eu quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Eu não quero amigos adultos, nem chatos, quero metade infância e a outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa.
Eu tenho amigos para saber quem eu sou, pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.”
– Oscar Wilde
Relendo as palavras de Oscar Wilde, confesso: a primeira coisa que me vem à cabeça é que a defesa de um Barbell Strategy — muito dinheiro em pouquíssimo risco; pouco dinheiro em muitíssimo risco e nada mais — vai além dos investimentos.
Mas, hoje, a citação aparece por outra razão. Como escolhemos as pessoas aqui na Empiricus? Na verdade, eu acho que as pessoas que escolhem a Empiricus, meio sem perceber, como uma movimentação tácita e intuitiva, unindo-se a outros semelhantes, que, no fundo, é encontrar-se consigo mesmo. Dizem que a arte mexe com as emoções porque nós nos vemos nela; talvez possa ser assim também com a vocação.
Sinto que aqui dentro somos todos um pouco loucos, no sentido de inquietos, inconformados, desafiantes do status quo, desprovidos da sensação do “é assim mesmo” e, portanto, “será assim também no futuro”. As coisas apenas estão assim e podem ser completamente diferentes amanhã. A postura vale para os investimentos, para a experiência do nosso assinante ou mesmo para o nosso modelo de negócios — contanto que preservemos intacta a missão.
Certa vez, me perguntaram quais eram, na minha opinião, as principais diferenças entre a XP e a Empiricus. Eu não sabia muito bem por onde começar. A escala e a proporção seria a resposta mais óbvia — afinal, eu sei o meu lugar no mundo; o mito de Anteu, com seus pés alçados do chão para ser posteriormente derrubado por Hércules, segue estampando nossa sala Taleb, minha favorita no escritório. Mas a verdade é que a diferença de tamanho foi a segunda coisa que pensei, entre um milhão de alternativas possíveis, pois a lista é grande.
A primeira foi: acho que podemos começar pelo nome mesmo. “Pelo que sei, XP chama assim porque, na falta de algo melhor, vai XPTO mesmo. Empiricus é uma homenagem ao filósofo Sextus Empiricus. E isso diz muita coisa.”
O batismo abençoa a alma, protege dos espíritos maus e preserva a essência. Ao dar à nossa empresa o nome de um dos maiores expoentes do ceticismo pirrônico, queríamos manter sempre a postura crítica, da dúvida, do questionamento.
Sextus Empiricus se caracteriza, resumidamente, por, ao formular um argumento de força X, propor um contra-argumento oposto a X, com a rigorosa mesma força. É um processo dialético eterno e profundo entre tese e antítese.
Fundamos a Empresa assim e a ela foram sendo agregadas pessoas com a mesma natureza. Até hoje a Companhia respira esses ares. Talvez seja isso que chamam de cultura, aquilo que se faz e replica quando ninguém está vendo. Mas desconfio que vá além disso.
Por exemplo, o Beto e a Bia, os outros C-levels além dos fundadores, já eram nossos conhecidos e tinham esse espírito antes. Vieram assim de fábrica. O tempo ainda vai mostrar que o Beto e a Bia são dois grandes gênios e logo eles estarão celebrados entre as grandes referências de liderança do mercado de capitais brasileiro, mas como isso vai demorar uns dois ou três anos, essa é outra história, para outro momento.
Em última instância, uma empresa e sua cultura são pessoas; não frases pregadas na parede, hashtags pregadas forçadamente nas redes sociais, camisetas com estampas pregadas alimentando uma egotrip ou “assesments” do departamento de RH recheados de corporate talking pseudointeligente, que só repete clichês e palavras de ordens copiados de algum lugar igualmente raso e sem qualquer profundidade.
A Empiricus é assim. Não sei se é certo ou errado. É só o nosso jeito — e sei muito também que temos muitos defeitos, felizmente. “Felizmente” duas vezes: por termos defeitos e por saber disso.
Essa nossa postura se reflete, claro, nas ideias de investimento. Estamos sempre preocupados não somente com o que é ou com o que provavelmente pode ser à frente. Vivemos debruçados também sobre o que ainda não é, mas pode ser, sobre o que vai contra nossas convicções, sobre o fato de que podemos estar errados.
Aproveito o ensejo para mais uma vez citar André Jakurski: o investidor está sempre errado. Se ele comprou e caiu, errou porque não deveria ter comprado. Se comprou e subiu, errou porque comprou pouco.
“O que pode dar errado?” As coisas começam por aí. Tive de ir a Nova York para descobrir presencialmente que Taleb tem uma proposta pragmática parecida: “Start looking from the tail”. Algo como: “Comece pensando pela cauda”, ou seja, no que pode dar muito errado.
Pensando no que pode dar errado, sempre procuro entender qual seria o mecanismo adequado de proteção. Então, hoje me lembrei de um breve diálogo, que presenciei entre dois gestores geniais — um muito celebrado e bem-sucedido (gestor A), outro com quem o fluxo da História acabou não sendo tão gentil (gestor B); intelectualmente, porém, na minha opinião, o segundo é muito mais brilhante que o primeiro. A deusa Fortuna tem um gosto muito particular e excêntrico.
Gestor B: “Estive pensando: qual você acha que é o hedge barato hoje no Brasil?”.
Gestor A: “Se você descobrir, me avisa”.
Duas inferências aqui: i) muitas vezes, o segredo da gestão de recursos não é uma tese de investimento, mas, sim, o book de hedge; preocupar-se com o downside é recorrentemente mais importante do que uma estratégia vencedora, pois um erro grande e um único drawdown relevante pode expulsá-lo do jogo (lembra da Advis?); e ii) fazer hedge adequadamente é difícil à beça; comprar seguro de carro pode ser ótimo, mas ele não pode custar mais que o próprio carro, certo?
A pergunta: “qual o hedge barato agora?” permeia minha mente quase constantemente. Uma vez, Carla Bruni fez uma brincadeira sobre Sarkozy: “Quando converso com ele, tenho a certeza de que um dos seus oito cérebros está prestando atenção em mim”. Eu não tenho os oito cérebros do Sarkozy, evidentemente. Mas, se tivesse, uns quatro estariam pensando sobre qual seria a estratégia certa de hedge.
Essa é uma preocupação recorrente e estrutural. Contudo, ela tem sido mais intensa agora. Explico: entendemos que a maior probabilidade, diante da recuperação das economias, dos juros tão baixos e da explosão de liquidez em nível global, é de que os ativos de risco continuem se valorizando. Isso explica nosso peso grande em ações e uma posição importante em juro real longo no Brasil. Contudo, há inúmeros riscos no horizonte e o valuation passa longe de ser uma barganha. Isso exige uma atenção especial ao hedge.
Para piorar, as alternativas não são muito boas. O dólar, que seria uma opção natural, não está propriamente barato no mundo. Todo mundo foi atrás de reserva de valor na crise e ficamos sobrecomprados na moeda americana. Agora, a Europa finalmente conseguiu se acertar do ponto de vista fiscal (o que fortalece o euro), temos o risco da eleição norte-americana, os EUA não conseguiram controlar tão bem a Covid-19, o diferencial de juros entre os EUA e o restante dos países desenvolvidos é baixo, e o Fed imprime quantidades cavalares de dinheiro — a maior oferta de moeda pode enfraquecê-la.
Para o caso do real especificamente, ainda que eu defenda manter uma fatia do dinheiro sempre em moeda forte, vários modelos sugerem uma moeda brasileira excessivamente fraca. Você não precisa ser um grande macroeconomista ou um econometrista para perceber que cortar o cabelo em São Paulo está muito mais barato do que em Nova York.
Se o jogo entre moedas está complicado, vamos aos metais preciosos. Ok, concordo com isso. Temos 10% em ouro nas carteiras e hoje falei da prata no Palavra do Estrategista. Mas sejamos sinceros: perto de US$ 2 mil por onça também não é propriamente barato. Além disso, para nosso desespero, estando certo ou errado (pouco importa; não estamos aqui para ter razão, mas para ganhar dinheiro), a verdade é que o ouro está carregando correlação positiva com a média das ações norte-americanas. Ou seja, vai mal quando as Bolsas vão mal. Assim, fica difícil tê-lo como um hedge canônico.
“Ah, temos as opções de venda.” Nossa, mas com essa liquidez local e volatilidade, é simplesmente inviável. “Ah, então vamos fazer lá fora.” Experimente o quanto você vai pagar de taxas e será assaltado na taxa de câmbio. Nada de hedge barato também por aqui.
Diante dessa dificuldade, tenho me inclinado para os títulos do Tesouro norte-americano como potenciais bons hedges para o momento. Claro que não são perfeitos e não são acessíveis com um clique a partir de todas as corretoras locais — nunca vai ser perfeito, bem-vindo ao mundo real! Mas são uma alternativa interessante para o risco do chamado “fiscal cliff” nos EUA, a ideia de que rumamos para um possível precipício econômico quando do fim dos estímulos monetários e fiscais e da superação desta fase inicial de demanda reprimida no pós-pandemia. Numa deterioração da economia norte-americana, o preço dos Treasuries pode subir bem, enquanto o downside não me parece muito relevante neste momento.
Não é aquela maravilha, mas é o que tem pra hoje. Woody Allen, outro grande cético, costuma dizer: “A realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife…”.