Felipe Miranda: Qual o segredo do investidor de sucesso?
Por Felipe Miranda. CIO da Empiricus Research
No momento em que você lê está lendo isso, me preparo para subir ao palco do nosso evento de 10 anos para uma pequena apresentação. Considerando o atraso típico de eventos como esse, é possível que você esteja um pouco adiantado em relação a mim. Se for o caso, é questão de uns minutinhos.
É um papo meio cafona, clichê e tal. Eu concordo. Mas enquanto preparava a fala de hoje, não consegui escapar de assistir mentalmente ao filme desses últimos 10 anos. E não há por que dizer “últimos 10 anos de minha carreira profissional”, porque, para mim, não há muita separação entre as coisas. O “Felipe” tem como sobrenome “da Empiricus”. Miranda virou meu nome do meio. E todos compõem uma coisa só.
No assunto férias, por exemplo, rivalizo à altura com Elon Musk — talvez seja essa a única categoria em que possamos estar no mesmo parágrafo. Acordo e vou dormir pensando na Empiricus, mesmo que seja apenas com uma das partes do meu cérebro. Não acho legal. Apenas é o que é. Só podemos caminhar sobre as próprias pernas e sentar sobre o próprio traseiro.
Sabe, quanto mais subo no palco ou quanto mais alto pareço subir na vida, mais me lembro da necessidade de descer ao solo, às raízes. Voltar-me a mim mesmo. Manter-me com os pés no chão, com laços físicos presos à mãe Gaia e emotivos à mãe Lúcia, sob o risco de deparar-me com o mesmo destino de Anteu.
Penso, lembrando da trajetória: qual será o segredo do sucesso? Quais as regras para um bom investidor? Qual a lista de prescrições a seguir agora? Onde está a fórmula mágica?
Perguntas pretensiosas, todas sem resposta. O que eu gostaria mesmo de saber é: por que é tão difícil explicar o sucesso e a alta performance? Por que esse monte de listas e receitas simplesmente não funciona? Por que tudo que se diz sobre a proeminência e o destaque é desprovido de ciência encarregado de storytelling construído ex-post? Por que gurus, consultores, professores, jornalistas estão errados tão frequentemente?
Aqui, sempre quis fazer algo semelhante ao proposto por Phil Rosenzweig, no livro “The Halo Effect… and the Eight Other Business Delusions That Deceive Managers”, na linha do: “Este livro pretende estimular a discussão e aumentar o nível de pensamento sobre negócios. O ponto não é fazer o executivo mais esperto. O mundo dos negócios é cheio de pessoas espertas — inteligentes, rápidas de pensamento e capazes de dialogar com aquela linguagem típica dos executivos.
Em menor oferta, estão executivos que são verdadeiramente sábios — conseguem discernir, têm uma abordagem apropriadamente cética e são capazes de identificar o certo e o errado. Eu gostaria de tentar tornar as pessoas mais sábias.” O que é válido para o ambiente empresarial aplica-se também aos investimentos.
Passada uma década, no que a Empiricus se transformou? Como diz Andre Agassi em sua maravilhosa biografia, “(…) a pergunta erra o alvo. Transformar é fazer uma coisa se tornar outra, mas eu comecei do nada. Eu não me transformei, eu me formei.
Quando comecei no tênis, era como a maioria das crianças: não sabia quem era e me revoltava que as pessoas mais velhas me dissessem o que ser. Acho que as pessoas mais velhas cometem esse erro o tempo todo com os mais jovens, tratando-as como produtos acabados, quando, na realidade, eles são uma obra em andamento. É como avaliar um jogo antes que acabe”.
A primeira vez que meu pai quebrou foi em 1995. Houve outras três, mas a primeira a gente nunca esquece. No final, acho que posso me considerar um expert em falências familiares, podendo pedir música no Fantástico. Eu lembro que em 95 havia um otimismo inicial entre os traders de ações e opções no Brasil, derivado daquele sentimento pós-Plano Real, de “agora vai”; papai estava entre eles. Até que os mercados começaram a ir mal. Lembro dele reclamando: “esse Pactual não para de vender. É um bando de loucos”. O bando de loucos era, na verdade, uma reunião de visionários, sob o comando de André Jakurski, que antevia acertadamente a crise do México. Foi assim que os nomes “Pactual” e “Jakurski” viraram figuras mitológicas lá em casa.
Na metáfora de Contardo Calligaris, outro brilhante palestrante no nosso evento hoje, de quem sou grande fã, o ambiente psíquico é como uma caatinga. Conforme chove uma primeira vez na caatinga, formam-se sulcos pelos quais a água escorre. Na próxima tempestade, a água necessariamente voltará a escorrer pelos mesmos canais previamente delineados. No nosso psiquismo, é a mesma coisa. Seguimos, de maneira repetitiva e recorrente, voltando sempre aos mesmos temas essenciais, às questões edípicas mais profundas, aos mesmos sulcos e às mesmas cicatrizes.
Por isso, e também por outras coisas, é um motivo de orgulho estar, neste exato momento, convidando o André Esteves para subir ao palco dialogar comigo — não que eu pense haver paralelismo entre a gente; o pedido de uma conversa, em vez de uma palestra, veio dele.
Há algo particularmente interessante sobre o Esteves, que é sua capacidade de falar sobre vários assuntos. Ah, sim, falar todo mundo fala; o que mais tem é gente disposta a ditar regra por aí. No caso, quero dizer falar com profundidade e propriedade. Tenho certeza de que vai ser muito rico ouvir a opinião dele sobre desaceleração da economia global, rivalidade comercial entre EUA e China, protestos na América Latina, prisão em segunda instância, impactos da soltura do Lula, financial deepening, crescimento local e mercados brasileiros, além, claro, de sua visão para o próprio banco, o que muito me interessa, dada nossa indicação de compra para as ações de Pan e de BTG.
Eu tenho cá minhas percepções. Ao que me parece, caminhamos para um abrandamento das tensões comerciais lá fora, o que afasta ainda mais o risco de uma recessão global iminente, pavimentando a via para o fluxo de recursos para mercados emergentes. E nesse escopo o Brasil é o país em que se realiza a mais profunda e abrangente plataforma de reformas estruturais e fiscais, caminhando na contramão do mundo, inclusive no sentido de uma maior abertura comercial.
Sobre a cunhada “primavera latina”, não acho que o Brasil esteja, para o investidor estrangeiro, no mesmo bolo de Chile, Argentina, Bolívia e Venezuela — estamos mais perto da Turquia, da África do Sul, do México e, talvez, até da Rússia do que de nossos vizinhos geográficos.
Minha preocupação poderia ser um pouco maior por conta dos protestos no Chile, em especial se não contássemos com uma importante aceleração do crescimento doméstico. Começa a ficar um pouco mais claro que, em países com grande nível de desigualdade, há um aumento importante do nível de risco de movimentos e manifestações populares contrários ao liberalismo quando não ocorre crescimento econômico importante. Ficamos meio no fio da navalha, dependendo de uma percepção de melhora da economia para frearmos o risco de convulsão social.
Existe aqui também um eventual obstáculo para a narrativa. O governo, em especial o ministro Paulo Guedes, vinha colocando o Chile como um exemplo a ser perseguido — e, com efeito, o Chile é mesmo um exemplo a ser perseguido. Mas circunstancialmente observamos movimentos por lá semelhantes ao que tivemos por aqui em 2013. Não à toa, já circula no Congresso a ideia de termos uma agenda mais formal e estruturada em prol do combate à desigualdade. Em outras palavras, caminhamos sob um chão escorregadio na direção do ajuste fiscal.
De todo modo, entendo que todas essas coisas representam ruídos passageiros em meio ao grande bull market estrutural pelo qual estamos passando. O grande problema da renda variável é que ela varia. Precisamos estar preparados para esses momentos, financeira e psicologicamente. Mesmo os maiores ciclos de alta passam por correções importantes — o investidor precisa ter isso na cabeça a todo momento, para não entrar em pânico em situações de elevação pontual do nível de estresse.
Depois de assistir a esse filme de uma década, vendo como a gente realmente mudou o patamar financeiro dos três leitores que nos acompanharam nessa trajetória por um período mais longo, acho que a coisa mais útil que eu poderia lhe sugerir é: monte um portfólio diversificado, inclusive lá fora, com uma boa posição em ações e em juros longos. Saia para um pequeno sabático. Daqui a 10 anos, a gente volta a se falar. O grande segredo dessa história é que não há segredo algum.