Felipe Miranda: Pronto para agosto? Uma hipótese para o mês
Antes de tratar de agosto, gostaria de convidá-lo a conhecer nosso mais novo projeto. Bia Nantes, eu e Ricardo Mioto estamos com um podcast chamado Empiricus Puro Malte — você pode ouvi-lo neste link. Falamos um pouco de investimentos, claro, mas mais ainda sobre a vida, nossos valores e princípios — será que há diferença entre as coisas.
Começamos agora e soube que estamos na lista dos “10 podcasts em alta do Spotify”. Fico feliz com isso. Aproveito para sugeri-lo a você e pedir humildemente seu feedback, com o intuito de sempre melhorarmos. Se puder, por favor, envie um email para felipe.miranda@empiricus.com.br contando o que você achou do bate-papo. Vai ser muito rico ouvir de você.
Agora, vamos para os investimentos stricto sensu.
Terminamos bem o mês de julho. Aqui, quando falo na primeira pessoa do plural me refiro principalmente à Carteira Empiricus, que é uma metonímia de nós mesmos, embora a maior parte dos portfólios da Casa também tenha apresentado boa performance no mês passado. Com isso, completamos um bimestre bem interessante, estendendo a recuperação depois da queda de março.
A tabela abaixo, em prol da transparência, esmiúça o comportamento da Carteira Empiricus desde sua criação:
Evidentemente, um ou dois meses não dizem nada. Sempre preferimos a análise de pelo menos 18 meses, quando a aleatoriedade acaba dando um pouco mais de espaço para a competência e a convergência dos preços a seus fundamentos de longo prazo. Em um punhado de semanas, a verdade é que qualquer coisa pode acontecer, e a sorte desempenha um papel determinante nisso.
Isso posto, os comentários mensais devem ser lidos com parcimônia e até mesmo com certa desconfiança. Aqui, valem mais como exercícios mentais, elucubrações, exposição de cenários e pensamento probabilístico — nunca como certeza do que está por vir para os próximos 30 dias; aliás, a verdade é que não temos certeza nem mesmo sobre os últimos 30 dias. O passado é muito mais incerto do que se supõe. As relações supostamente causais são mais turvas do que nosso desejo de controle gostaria de supor. O passar do tempo pode fazer surgir um novo passado, reinterpretado a partir do desenvolvimento pessoal e/ou da chegada de fatos novos.
Bom, mas essa é outra história.
Detalhando um pouco mais o mês de julho, a atribuição de performance decorre fundamentalmente da alta vigorosa do book de ações, superior inclusive àquela do Ibovespa (que, por sua vez, já fora importante), e do bom comportamento do book de metais preciosos, representado pelo ouro majoritariamente.
E agora, o que esperar de agosto?
Os três leitores talvez já nutram baixa expectativa de uma resposta fechada e certeira sobre minha previsão para o mês. Eu não tenho previsão. O mercado financeiro se divide entre aqueles que não sabem o que vai acontecer e aqueles que não sabem que não sabem. Não há terceiro grupo, e eu felizmente pertenço ao primeiro.
Temos hipóteses e probabilidades sobre o que pode vir a ser, o que é bem diferente.
Iniciamos o mês divididos.
Há ótimos argumentos para sermos pessimistas. Por métricas tradicionais, os valuations não são, do ponto de vista sistêmico (isso não necessariamente vale para casos particulares; cada vez mais passa a ser fundamental o picking adequado), propriamente uma barganha.
Teme-se que uma escalada de casos de coronavírus em alguns lugares como Tóquio, Austrália, norte da Inglaterra e Califórnia possa dificultar o ritmo de recuperação da economia mundial. Existe preocupação com a continuidade da retomada conforme os estímulos fiscais e monetários arrefeçam e passemos da fase da demanda reprimida. Questiona-se bastante o potencial para mais artilharia dos bancos centrais e das políticas fiscais. A eleição norte-americana entra na pauta com vigor a partir de agora, com chances de engendrar mais volatilidade, dada a boa vantagem de Biden sobre Trump.
Em contrapartida, há argumentos igualmente fortes para sermos otimistas. Embora não sejam uma grande barganha, os valuations de algumas empresas norte-americanas também não são um ultraje de caro — Apple, por exemplo, é 28 vezes lucros, o que parece bastante razoável num mundo de enorme liquidez e juros reais negativos. Em reforço, a verdade é que os resultados das big techs americanas recém-anunciados foram simplesmente avassaladores e reduzem a probabilidade de uma bolha clássica na Nasdaq.
Além disso, o dólar tem se enfraquecido no mundo e isso significa historicamente valorização dos ativos de risco, com destaque para mercados emergentes. As vacinas e os remédios se aproximam e, ainda que os bancos centrais possam não dispor de um ferramental novo, eles podem continuar fazendo mais do mesmo, o que tem sido suficiente para empurrar as Bolsas para cima.
Se houver algum arrefecimento da retomada, novos estímulos estariam a caminho e poderíamos seguir assim por mais uns poucos meses, até que estejamos cara a cara com a vacina. A eleição americana é um risco, claro, mas Biden não se apresenta como um grande radical. Não custa lembrar que o mercado viveu um bull market bastante razoável na administração Obama e que era pessimista com Trump às vésperas da eleição. Existe ainda a corrente defensora de que Biden seria em alguma medida o resgate dos valores mais clássicos da democracia liberal, evitando um retrocesso na direção do populismo.
Acabamos de ver na prática uma representação do ceticismo pirrônico, que é a essência de Sextus Empiricus, uma espécie de alma mater da Empiricus. Ao se apresentarem alguns argumentos, surgem contra-argumentos igualmente fortes. Difícil saber ex-ante qual síntese emergirá deste embate dialético entre tese e antítese. Contudo, temos aqui uma hipótese. Ou, ao menos, um guia para transitar por mares revoltos e incertos. Não saber não significa não agir.
Uma coisa ficou clara nesta crise: a liquidez global é um driver maior do que se supunha previamente para ativos de risco. Precisamos dar a devida atenção a isso.
Corre uma pequena falácia no mercado, algo como: “Quem está guiando as Bolsas não é o fundamento, é a liquidez”. Ora, mas não seria a liquidez um grande fundamento? Essa é talvez a aula essencial de economia monetária: se você dobra a oferta de moeda para ativos financeiros cuja oferta é constante, o valor dos ativos financeiros sobe, porque, num exercício de abstração, trocam-se ativos financeiros por moeda e nada mais. Antes, havia R$ 1 para uma ação. Agora, há R$ 2 para uma ação. Então, o novo equilíbrio (estável e de longo prazo) desta economia é de R$ 2 para uma ação. A Bolsa sobe, ou o dinheiro cai, como você preferir.
Talvez essa seja uma forma de ver as coisas: o bear market do dinheiro. É isso que explica, fundamentalmente, além de alguma recuperação mais forte do que se esperava dos indicadores macroeconômicos e da expectativa pela vacina, a alta das ações, de terrenos, de ouro, de prata, de bitcoin.
Eu concordo com a interpretação de que, com juros zerados e tendo feito a expansão de balanço que fez, o Fed teria poucas ferramentas adicionais agora. Mas nada impede que ele faça mais do mesmo — e isso pode ser muito.
Em carta a investidores, o CEO da Pantera Capital, Dan Morehead, escreveu que os EUA imprimiram mais dinheiro em junho do que o fizeram entre 1776 e 1979. Esse é o tamanho da bazuca. E por que ele pararia em julho ou agosto, se não temos inflação no horizonte, sinais de superaquecimento ou qualquer outro impedimento (ao menos até o momento, fique claro) que sinalize que estamos indo no caminho errado?
Quando perguntado o que faria diferente na gestão da crise de 2008, Ben Bernanke respondeu que teria feito mais e mais rápido. Fica uma sensação de que se pecou ali por demora e por alguma omissão. Agora, podemos até errar no outro lado, de exagerarmos na dose — contudo, isso só seria sentido com as consequências da ação, que muito possivelmente não vem a curtíssimo prazo. Não há uma restrição objetiva ao Fed ou a outro banco central de país desenvolvido neste momento.
Note ainda que os movimentos têm sido muito rápidos — um único mês em que o Fed decide continuar expandido com vigor seu balanço pode representar alta de 10% a 15% para ativos de risco. Muitas das Bolsas internacionais já voltaram para suas máximas históricas. Aqui, estamos razoavelmente distantes dos 118 mil pontos em reais.
Se considerarmos a conta em dólar, estamos simplesmente na lanterna do campeonato, o que talvez não faça tanto sentido se ponderarmos que superamos o ápice da crise política, retomamos a conversa em torno da plataforma de reformas, controlamos (ao menos momentaneamente) a disparada do dólar e continuamos cortando a Selic (nesta semana, devemos ter mais uma redução de 25 pontos e não seria surpreendente se em poucos meses passássemos a debater uma nova diminuição).
Condicionado às informações disponíveis até agora, parece haver boa probabilidade de que o bear market do dinheiro continue. Entramos em agosto com a seguinte exposição: 36,55% do portfólio em renda fixa, com a maior parte alocada em pós-fixado e uma posição razoável em juro real longo; um hedge de cerca de 2,5% em moedas fortes que não o dólar (franco suíço, iene, libra e euro); 12,40% comprados em metais preciosos (sobretudo ouro, mas também uma pequena posição em prata; ambos sem hedge, ou seja, estamos em dólar aqui); uma exposição bem pequena em criptomoedas; 33,75% comprados em Bolsa brasileira; e 8% comprados em Bolsa internacional. A carteira está com risco, mas com um nível bem alto de diversificação (acho que nunca tivemos tantos ativos) e com hedges importantes, dados o nível de preço dos ativos e a elevada incerteza do ambiente.
Valem os alertas de sempre: estejamos preparados para a volatilidade e com horizonte de longo prazo. No fim, o método, a disciplina, a consistência, o trabalho duro e técnico acabam sendo premiados.
Estou particularmente animado com cases específicos, mas isso é assunto para outro dia.