Felipe Miranda: Os astros estão alinhados para você ganhar dinheiro
Acho que você não vai lembrar de mim. Tentei falar na semana passada. Deixei recado e tal. Ah, uma pena ninguém ter lhe passado. Tudo bem, tudo bem. Não importa. Vou tentar de novo. Opto pelo princípio da contraindução: insisto em alguma coisa que já deu errado até que ela venha a dar certo, do Mário Henrique Simonsen, outro liberal como nós dois e seu avô. “Disculpa as brincadeira”.
Também espero (torço?) que você não leve a mal essa linguagem direta. Prefiro assim. Não me dou a garoto de recados. Sabe, nos últimos dias, até evitei certas frases e expressões, temendo que você pudesse, banhado nas forças do equívoco, interpretar referirem-se a você. Sabe aquela coisa meio Carly Simon: “I bet you think this song is about you”? Gosto mais da versão do Marilyn Manson, e você? Ah, você não tem cara de que gosta do Marilyn Manson, não. Jura? Nossa, estou surpreso.
Sim, sim. Foi algo um tanto paranoico, você tem toda razão. Tenho essa mania de me enfiar em certos labirintos mentais. É difícil pra caramba sair. Preciso logo desenvolver meu próprio fio de Ariadne. Mas é que às vezes as pessoas procuram coisas onde não há. Aqui copio descaradamente João Ubaldo Ribeiro: não existe essa coisa de entrelinhas. Nos textos honestos, como este, não há nada nas entrelinhas. Dou minha palavra. Tudo deve ser procurado nas linhas, pois aqui não são oferecidas entrelinhas.
Beto, talvez você esteja me considerando ridículo ao achar que isso chegará até você, no que eu concordaria integralmente. Sobre ser ridículo, não tenho a menor dúvida. A vantagem é que sei disso. Ah, desculpa a ambiguidade. Mas é que “disso” pode mesmo se referir tanto ao meu saber sobre meu próprio caráter ridículo quanto ao saber de que isso não chegará até você. Não tem problema, porque, na verdade, eu escrevo é pra mim mesmo, pra alinhar-me àquela pessoa que via aos 18 anos no espelho.
A palavra é uma espada e eu a uso não na esperança de que o golpe venha a atingi-lo. Não há aqui qualquer ingênua expectativa de reciprocidade ou mesmo acolhimento. Continuarei a nutrir a mesma admiração de sempre, do gostar espontâneo desprovido de motivos, certo do desprezo alheio. “Amo ou venero poucas pessoas. Por todo o resto, tenho vergonha da minha indiferença. Mas aqueles que amo, nada jamais conseguirá fazer com que eu deixe de amá-los, nem eu próprio e principalmente nem eles mesmos. São coisas que levei muito tempo para aprender; agora já sei.” Não vá me dizer que, além do Marilyn Manson, você curte o Albert Camus também? Ora, ora, acho que já somos quase íntimos.
Quem diria… um banqueiro central existencialista? Já imaginou? A existência da autoridade monetária precede sua essência. Ele vive a experiência de sentar na cadeira e vai se acostumando com o cargo. Sob a influência de Husserl e Heidegger, permite que os próprios fenômenos monetários falem por si, voltando-se às coisas mesmas, e, então, adota uma essência mais flexível?
Sabe, Beto, eu não gosto de ser o cara do “não falei?”. Não gosto mesmo. E não gosto porque odeio que façam comigo também. O sujeito fala 27 coisas, uma delas dá certo e ele vem me dizer: “não disse?” Dá vontade de matar. Calma, metaforicamente, claro. Só 99 por cento das coisas que falam sobre mim são verdadeiras.
Mas é que se você tivesse lido minha humilde carta da semana passada teria visto lá o prenúncio de que logo viríamos a debater a possibilidade de a Selic vir abaixo de 5 por cento ao ano, para a casa dos 4,75. Ao olhar mais superficial, talvez pudesse ter parecido mais um daqueles exageros da Empiricus.
Ex-ante os movimentos sempre parecem improváveis — a própria existência não lhe parece um absurdo? Ah, eu acho, sim. Somos um verdadeiro absurdo cósmico, de novo voltando ao nosso querido Camus. Ou de forma menos ontológica, ex-ante, qual era a probabilidade de termos saído vencedores na disputadíssima corrida contra nossos amiguinhos espermatozoides? Depois, tudo vai parar no Geraldo Samor como: 9 entre 10 economistas achavam que a Selic viria abaixo de 5 por cento. Espero que ele tenha ficado rico na época comprando dólares. Bom, deixa pra lá.
“Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” Ah, nem vem. Se você gosta do Schopenhauer também, daí já podemos pedir música no Fantástico.
Desviei, desculpa. Os labirintos mentais, sempre eles. Volto.
Beto, você obviamente viu o IPCA-15 de ontem. Subiu 0,09 por cento em julho, abaixo da mediana das projeções de 0,14 por cento. Em 12 meses, o índice acumula alta de 3,27 por cento. Foi uma surpresa geral, imagino que pra você também. Os núcleos também vieram muito bem comportados, sei que você viu.
E aí você pega outras duas coisas: i) a Petrobras vai reduzir em 9,8 por cento o preço médio do gás de cozinha; ii) os bancos centrais seguem sinalizando quedas das taxas de juro pelo mundo para conter a desaceleração global; muita gente já agiu de fato, inclusive.
Aí vai se formando um quadro em que você terá de agir com mais intensidade. Não vai ter jeito. A maré das circunstâncias vai empurrá-lo nessa direção. Não se trata de ousadia sua, não. O campo escala, não é o treinador, resumiu precisamente o mestre Tite. As coisas acontecem quase na voz passiva. Se o Banco Central fica muito “behind the curve” (atrás da curva, atrás dos movimentos de mercado), ele se vê quase forçado a agir.
Ah, de novo este papo da credibilidade, Beto? Eu entendo, juro que entendo. Aliás, eu entendo todo mundo. Só queria uma pessoa, umazinha, que me entendesse também. Respeito seu ponto, mas pondero que descumprir o que está escrito no sistema de metas de inflação também não faz bem à sua reputação. Concorda comigo ou não? Há uma probabilidade material de que a inflação oficial de 2019 venha a ficar abaixo da meta.
E aí, como fica? Não sei o que você pensa, mas, pra mim, isso tem que pesar um pouco, não é possível. Minha alma é velha, eu sei, dos tempos em que acordos firmavam-se no fio do bigode e no aperto de mãos, cujas palmas haviam sido molhadas por saliva. Valia mais do que qualquer contrato — fui saber do Esteves que funcionou assim no Pactual por muitos e muitos anos. Eu não sei o que você pensa, Beto, mas, tecnicamente, admiro essa turma do Pactual, viu… Do resto, não sei. Só leio o caderno de Economia e Finanças.
Em termos práticos, Beto, a verdade é que o pessoal já começou a falar mais claramente da chance de a Selic encerrar o ano a 4,75 por cento. Quando escrevi sobre isso, não valeu, claro. Mas agora a Merrill Lynch se juntou ao time. Ah, o relatório (o bom relatório, diga-se de passagem) rodou o mercado inteiro, você deve ter visto. Admiro muito o Eduardo Alcalay também.
Aliás, tem uma coisa curiosa sobre as finanças. Os modelos são sempre feitos com as informações disponíveis no momento. Mantidas as condições correntes, estimam-se variáveis futuras, como se o mundo fosse ceteris paribus. O problema é que as condições correntes vão mudando também.
E tudo, absolutamente tudo, indica que a inflação vai continuar surpreendendo pra baixo, de maneira dinâmica. Hoje não parece claro que as condições conjunturais do fim do ano permitirão um juro tão baixo. O problema é que as condições conjunturais do fim do ano serão conhecidas só no fim do ano.
Outro ponto aqui, Beto: eu suspeito, falando aqui de fora, claro, sentado no meu sofá, na postura intelectualmente desonesta típica dos comentaristas (me desculpe por isso, falo aqui apenas como uma elucubração respeitosa), que os modelos do Copom estejam um tanto desatualizados.
Nada contra vocês especificamente, esclareço. Talvez seja algo no mundo todo. E é difícil à beça identificar a nova relação. Sei lá, sabe? Você joga dinheiro no sistema feito louco, o crescimento não é de todo mau e a inflação não vem. A sensação que dá é de que a Curva de Phillips mudou muito de inclinação, sabe? Vocês consideraram isso por aí?
Eu não estou dizendo que necessariamente o juro básico vem abaixo de 5 por cento ao ano. Estou tentando descobrir o que vou almoçar hoje e já está difícil pra caramba. Não sei pra você, Beto, mas, no meu caso e da minha família toda, dos meus conhecidos também, o futuro insiste em ficar no futuro. Como uma mula empacada, eu tento fazê-lo sair do lugar, trazê-lo ao presente, mas ele fica lá emperrado.
Seja lá qual for o destino final exato, me parece que conviveremos com taxas de juros mais baixas do que o que todo mundo está esperando. Veja também que já há uma galerinha aí te cobrando um choque imediato na Selic. Está no Valor de hoje: “A curva precifica atualmente corte de 0,44 ponto e alguns players começam a acreditar que o BC poderia inclusive ser mais agressivo e cortar 0,75 ponto.”
Beto, por favor, não tome minha insistência no tema como sisudez ou cobrança. Confesso que escrevo tudo isso com grande entusiasmo. Se as linhas acima estiverem corretas (topa apostar que estão? Eu adoro um carteado, um jogo, uma apostinha, com responsabilidade claro; bora casar 10 pilas ou um almoço?
Uma caixa de Bis, vai? Favor não confundir apostinhas na brincadeira com investimento), a gente vai ficar rico. Não você, Beto. Você já está rico, eu sei. Estou falando aqui de nós quatro, do lado de cá da mesa, bem longe do Olimpo. Eu, com meu dinheiro aplicado na Carteira Universa, e os três leitores desta newsletter (assumindo nossa sugestão de carregar um grande percentual da carteira em ações — aqui estão algumas Microcaps sugeridas pro momento).
Os juros mais baixos vão exigir uma migração de recursos para a Bolsa. É inexorável. Com a renda fixa pagando menos, bem menos do que ficamos acostumados e com acesso facilitado pelas plataformas de investimento, muito vai migrar pra renda variável. Hoje, a alocação da indústria de fundos está em cerca de 11 por cento em ações, bem abaixo do recorde histórico de 22 por cento. Cada um ponto percentual a mais na alocação representa uma entrada de 40 bilhões na Bolsa. É dinheiro em qualquer lugar do mundo.
Em paralelo, uma redução de 100 pontos-base nas taxas de desconto implica um potencial de valorização médio adicional de cerca de 12 por cento nas ações.
Dito de forma resumida, as ações ficaram mais baratas e ninguém está comprando ainda na proporção que deveria.
Cristiano Romero, outro que admiro, escreveu hoje no Valor que há uma oportunidade histórica para a taxa de juros, “algo como o alinhamento dos cinco planetas mais brilhantes do sistema solar, um fenômeno raro”.
Beto, seria tão bacana se você entendesse a dimensão disso. Ele pode ser um momento histórico pra você e para todos nós envolvidos nesse mundo dos investimentos. Alinhamento dos astros não é coisa que se vê toda hora. Feliz em ver e viver este momento. De algum modo, somos todos protagonistas dessa história.
A verdade é que nunca mais veremos o mercado financeiro como ele é hoje. Existe um tsunami vindo em nossa direção. Há um elefante voando bem na nossa frente. Não vamos deixar isso passar, perdendo-nos em filigranas do timing da Previdência, ruídos de declarações sobre o Nordeste, nomeações desastradas para embaixadas.