Opinião

Felipe Miranda: Oops, we did it again – o exagero da Empiricus

03 out 2018, 10:33 - atualizado em 03 out 2018, 10:33

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus

“You see my problem is this
I’m dreaming away
Wishing that heroes, they truly exist”

Oops!… I Did It Again – Britney Spears

“Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa
Que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo”

Metade – Oswaldo Montenegro

Entre as várias críticas recebidas pela Empiricus — e a lista é longa —, está o fato de oferecermos publicações sobre opções para investidores pessoas físicas. Não estou aqui para ditar regra, mesmo. Não quero estar certo, nem sou mais tão criança.

Recebo cada comentário com mente aberta, procurando enxergar algo construtivo, no intuito de melhorar, sempre. Quanto às ofensas ad hominem, criei casca. Eu me incomodava no começo, confesso. Hoje, acostumei. Já fui insider e frontrunner (ah, aquela fatídica reunião Apimec de Marfrig — ainda bem que a verdade é filha do tempo!), charlatão, terrorista, receptor de propina do Aécio (em parceria com o Google, claro), sócio de um sujeito preso, agressivo, louco, exagerado, bicha, maconheiro. Se meus detratores me conhecessem melhor, me odiariam ainda mais.

Atualmente, só me entristeço quando, sem qualquer reciprocidade, querem impor-me o “jeito certo de fazer”. Narciso acha feio o que não é espelho. Não é só que o sujeito tem um jeito de ganhar dinheiro em Bolsa, o que já seria muito. Só o jeito dele serve e tudo que não pertencer exclusivamente à sua ditadura do adequado não presta, deve ser abolido de imediato, queimado na fogueira da Santa Inquisição.

Sentado ao meu lado, o Rodolfo percebe a inquietação e, sem falar nada (ele nunca fala), manda uma mensagem com os olhos, como se quisesse dizer: “Não liga”. Afe, a serenidade dos suíços-alemães!

Por que a Empiricus fala de opções para pessoas físicas, indiscriminadamente?

São várias razões. A primeira é bem óbvia e me espanta que os ditos inteligentes do mercado de capitais brasileiro — todos eles liberais, claro — não consigam entender. Idiot savants. A Empiricus publica editoriais. É isso que ela faz. A Empiricus não lida com ativos mobiliários. A gente dá opinião sobre as coisas. Boas ou ruins, é o que a gente faz.

Alguém que publica ideias — seja nos jornais, nos filmes, nos livros, nos quadros, nas esculturas, nas tatuagens — não pode fazer suitability (a prática de identificar se determinado conteúdo serve ou não para determinada pessoa, de acordo com seu perfil). Imagina se o Estadão publicasse algo “só para homens 35+”. Ou “adequado apenas para gays com mestrado e renda mensal superior a 15 mil reais”.

Claro, há determinados conteúdos que são apropriados somente para adultos. Então, está lá escrito: “Censura: 18 anos”.

Entende o ponto? No momento em que você crava: “esse conteúdo vale apenas para indivíduos com determinada característica”, está se criando a figura do censurador, alguém que arbitra o que pode e o que não pode ser visto por um determinado público.

Isso, evidentemente, não cabe às publicadoras de conteúdo. No caso do mercado financeiro, está devidamente estabelecido quem é o responsável pelo suitability, que são as instituições financeiras. Você não entra na InfoMoney e lê: “Matéria de Opções: este conteúdo é impróprio para crianças, contém cenas de nudez e violência”. Quem vai fazer o suitability do cliente é a XP; não existe, nem pode existir suitability de leitor, meu Deus!

A segunda razão para falarmos de opções ou de qualquer outro ativo financeiro considerado arriscado é que não gostamos de paradoxos. Não tratamos nossos leitores como analfabetos, até porque isso seria uma impossibilidade lógica.

Se escrevemos que: “Este produto é arriscado e você deve saber da possibilidade real de perder 100 por cento do capital; portanto, aloque pouquíssimo dinheiro, somente aquele que poderá perder sem qualquer ferimento, a grana da pinga, não do leite. Esteja ciente de que a maior chance é justamente de que você perca dinheiro, com uma pequena probabilidade de que ganhe muito”.

Acreditamos, surpreendentemente, que o leitor entende que: “Este produto é arriscado e eu devo saber da possibilidade real de perder 100 por cento do capital; portanto, devo alocar pouquíssimo dinheiro, somente aquele que poderei perder sem qualquer ferimento, a grana da pinga, não do leite. Estou ciente de que a maior chance é justamente de que perca dinheiro, com uma pequena probabilidade de que ganhe muito”.

E o terceiro ponto é talvez o mais instigante, também o menos compreendido. Todo o consenso do mercado financeiro está errado sobre o conceito de risco: as corretoras, os fundos, a Anbima, a CVM, os bancos, o suitability. Minha recomendação é: separe cinco mil dólares e uma semana em Nova York para fazer o curso de “Real world risk”, com Nassim Taleb e o Robert Frey, do mitológico Renaissance (ah, sim, eu também preferiria o Jim Simons em pessoa, mas só os sonhos não envelhecem).

Eu queria fazer uma pergunta de coração, para que você respondesse mesmo. Eu nunca te pedi nada. Pensa comigo: qual dos dois portfólios abaixo tem menos risco?

Uma carteira composta por 95 por cento em LFT (Tesouro Selic) e por 5 por cento espalhadas de maneira muito diversificada em várias opções fora do dinheiro longas, com algumas relacionadas a ações de empresas estatais; e
Um compêndio formado por: uma boa exposição em renda fixa (com um naco para crédito privado e outro para títulos prefixados e indexados nas partes intermediária e longa da curva), um segmento razoável para fundos multimercados, um pedaço para fundos imobiliários e outro para ações.

Depois de um ano muito ruim para o mercado — e, obviamente, risco tem a ver com o cenário muito ruim, certo? —, qual dos dois portfólios terá o pior desempenho?

No caso A, esse perigosíssimo cenário que envolve a compra de opções, temos a garantia de que chegaremos ao final de 12 meses ao menos sem nenhuma perda nominal. Já no caso B, as perdas podem ser muito maiores do que isso. Parece incontestável que o portfólio B envolve mais riscos do que o portfólio A, mesmo sem ter nenhuma posição em opções.

A ideia é bastante intuitiva, até mesmo óbvia. Mas, infelizmente, na prática, a banda toca de outro jeito. Não raro, o tal do suitability considera a movimentação do investidor no nível do produto, desconsiderando a visão global do portfólio.

Aliás, breve digressão sobre o assunto: essa história de consolidação de carteira é um rolo muito maior do que pode parecer. A verdade é que ninguém faz isso direito, juntando todo o portfólio do cidadão, em várias instituições diferentes, num único compilado bem feito — há vários apps tentando, sendo avaliados a preço de ouro. Se esses caras valem o que acham que vale, não tem dinheiro no mundo para comprar todos os apps de consolidação de carteira.

Volto.

Qual o problema disso? Se eu indicar hoje, depois da abertura do mercado, uma put (uma opção de venda) para proteger o portfólio dos leitores depois dos bons ganhos recentes, o sistema de bancos e corretoras vai ler isso como: “Opa, red flag! Pessoa física querendo operar opção fora do dinheiro e longa, está se desenquadrando do perfil, tem muito risco e, portanto, não pode fazer.”

Isso já aconteceu, inclusive. E alguns assinantes ficaram bravos comigo! Isso porque os home brokers impediram o sujeito de instrumentalizar a operação, lendo a opção como algo de muito risco, enquanto, na verdade, a nova sugestão reduzia (não aumentava!) o risco do portfólio do investidor.

Todos, inclusive os investidores e meros leitores, devem sair da observação do risco individual do ativo para a contemplação do risco geral do portfólio. Eu prefiro comprar 0,5 por cento do meu dinheiro em opções de estatal do que destinar uma posição de 10 por cento do capital para ações de estatal, sabe?

O risco da posição tem muito mais a ver com seu tamanho e sua função no portfólio do que com o ativo em si. Sim, eu sei que é óbvio, mas o “sistema” não trabalha assim, parceiro.

A realidade é o que ela é.

Quarta-feira, 3 de outubro de 2018, são 7h27 da manhã. Abri o home broker para checar a cotação das opções de Petrobras indicadas no Palavra do Estrategista e no Bootcamp Empiricus Eleições (deixa eu falar o português claro: este Bootcamp está legal pacas, e eu preciso agradecer fortemente o brilhantismo da Luciana por isso).

Claro que recebi novos atributos delicados, da mesma linha daqueles do começo do texto, quando sugeri essas opções. “Está muito fora do dinheiro.” “Estão pagando uma vol muito cara.” “Distorceram o sorriso de volatilidade.” “Bateram recorde de negociação com opção e vão fazer 8 mil pessoas perderem dinheiro.”

Aqui estamos: as altas superam 100 por cento. Em tão pouco tempo, é um exagero de retorno, não tenho dúvida. E a julgar pelo comportamento do pré-mercado, devem subir mais um bocado hoje.

Agora, nossos leitores e assinantes, irresponsavelmente assistidos pela Empiricus , poderão, se quiserem, vender metade da posição e brincar apenas com o lucro das opções. Já se seguiram à risca a sugestão original de colocar pouquíssimo dinheiro e uma cifra que topam perder, podem continuar surfando a onda Bolsonaro na íntegra. A decisão é de foro íntimo. Mas, digam o que quiserem, deu certo. E ponto.

Demos sorte? Claro que sim. Não tenho dúvida. Entre ser rico e saudável e pobre e doente, ainda prefiro o primeiro caso. Entre sortudo e azarado, vale a mesma lógica. Não importa. A companhia da deusa Fortuna é sempre agradável. Comunhão universal de bens.

Aconteceu e ninguém tira o lucro do assinante. E não! Ele não correu muitos riscos, porque nós dissemos duzentas vezes que era uma aposta (sim, era esse o conceito: “aposta”) para colocar pouquíssima grana, só o dinheiro da pinga.

Sabe por que aconteceu, acontece e vai acontecer de novo?

Primeiro porque achamos que todo investidor pode fazer de maneira adequada seu próprio gerenciamento de risco, basta saber calibrar o tamanho das posições (0,1 por cento de um ativo muito arriscado não significa um portfólio arriscado, deveria ser óbvio).

Depois, porque os movimentos não são lineares, ainda que nossas cabeças resistam aos logaritmos, aos exponenciais e à complexidade. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle. Na Live do Antagonista sobre a última pesquisa Empiricus /Instituto Paraná, tentei chamar a atenção para a possibilidade de uma trajetória exponencial da candidatura de Jair Bolsonaro nos últimos dias da eleição, que poderia conduzi-lo a uma vitória no primeiro turno. “Os fenômenos sociais estão sempre permeados por complexidade e exponencialidade. Não são lineares e todos os comentaristas resistem a enxergar isso.” Olharam para mim como se eu fosse um extraterrestre. Agora, os jornais destacam que “Jair Bolsonaro cresceu exponencialmente” — sim, foi esse mesmo o termo, ipsis litteris.

Ah, se eu acho que houve exagero na onda Bolsonaro sobre os mercados? Acho que está só começando. Saída pela direita: 100 mil pontos, aí vamos nós! Sim, parece um exagero agora… “Metade de mim é o que grito, mas a outra metade é silêncio.”

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