Felipe Miranda: Onda Vermelha?
Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research
“Amo ou venero poucas pessoas. Por todo o resto, tenho vergonha de minha indiferença. Mas aqueles que amo, nada jamais conseguirá fazer com que eu deixe de amá-los, nem eu próprio e principalmente nem eles mesmos.”
Albert Camus
“O que você vê?”, pergunta Mark Rothko apontando para uma de suas telas.
“Vermelho”, responde seu novo assistente, que acabara de chegar ao ateliê.
“Olha direito. Tem muito mais do que isso. Você tem que ficar uns 15 minutos olhando para capturar tudo que vem de uma obra de arte.”
“Hmmmm…”
As palavras não são exatamente essas, mas o espírito está preservado.
Poucas obras me emocionaram tanto quanto a peça “Vermelho”, escrita por John Logan em 2009. Assisti ao espetáculo duas vezes. Repeti a dose por pedido da mamãe. Ela adora teatro. E venera o Fagundes. Se fosse só para poder ver de novo o sorriso da Dona Lúcia ao sair do Tomie Ohtake, eu iria feliz outras duas vezes. Mas a peça vale mais do que isso.
Como narrativa central, conta a história de Mark Rothko, um dos maiores expoentes do expressionismo abstrato. Como pano de fundo, há várias questões humanas, históricas e existenciais. Na minha visão, é uma peça sobre a convivência, permeada por uma troca por vezes conflituosa e por vezes harmoniosa, de aprendizado entre o novo e o velho, em vários sentidos. É uma narrativa sobre disrupção artística, histórica, empresarial ou mesmo interna a nós mesmos.
Ali está Mark Rothko convivendo com seu novo aprendiz – começa altamente arrogante, numa postura toda hierárquica, que vai se transformando numa relação dialética de aprendizado recíproco. Ali está Mark Rothko criticando a dificuldade dos surrealistas e cubistas de reconhecerem sua superação pelo mais novo movimento artístico – o expressionismo abstrato vinha para narrar as tristezas e mazelas da Segunda Grande Guerra. Curiosamente, na evolução temporal da peça, será o mesmo Rothko quem vai negar posteriormente a própria superação, rejeitando os trabalhos de Andy Warhol e da Pop Art em geral.
E para marcar mais uma disrupção do novo contra o velho, há em segundo plano a emergência de Nova York como polo cultural, rivalizando em alguma medida com Paris. Também estão ali questões da própria personalidade de Rothko: a inveja e o ciúme por Jackson Pollock; o discurso socialista desafiado pelos milhões a serem recebidos pelos quadros pintados para o Four Seasons; o desprezo por Andy Warhol, etc.
Quase como uma metalinguagem subliminar, estão no palco Antônio Fagundes e seu filho Bruno, também nas posições de professores e alunos de si mesmos e do outro, recíproca e ambivalentemente. Pra mim, era como se o próprio Antônio Fagundes quisesse nos dizer que seu filho estava pronto para, se não ainda superá-lo, ao menos poder trocar experiências, aprender e ensinar o pai ao dividir o palco – talvez seja só uma viagem minha, por carregar dentro de mim uma vastidão de dad issues. Ao martelo, tudo lhe parece prego.
Hoje é minha última comunicação antes das eleições. Acho que tenho de falar sobre isso. “Eu procurei fumar cigarro Hollywood, que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso.” Atendo aos pedidos externos, ainda que, deva confessar, esse assunto já esteja chato pra caramba. Cansei dele e me sinto entediado cada vez que tenho de entrar numa conversa a respeito. Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece: “Fala pra gente o que você está pensando das eleições? Devo ficar com medo?”. “Tédio com um T bem grande pra você”, responderia Renato Russo.
Lá vamos nós…
Querem me convencer de uma suposta “onda vermelha” depois das duas últimas pesquisas eleitorais. Há várias notícias por aí do tipo “ADRs brasileiros caem no exterior após nova pesquisa”.
Algumas coisas sobre a questão:
1. Cuidado com a falácia lógica post hoc, propter hoc. “Depois disso” não significa “por conta disso”. O que observamos são a notícia e as ações caindo. Não necessariamente as ações estão caindo por conta da notícia. Ontem à noite, o humor azedou geral em Wall Street, em razão dos resultados abaixo do esperado de Amazon e Google. O desempenho das techs tem sido um grande catalisador para a aversão a risco global. E isso me parece muito mais preocupante do que a diminuição da vantagem de Jair Bolsonaro sobre Fernando Haddad.
2. Se uma pessoa mente pra você de maneira sistemática, sei lá, mais de três vezes, e você continua acreditando nela, o problema me parece mais seu do que dela. Repetir um procedimento esperando um resultado diferente é uma das definições de loucura. Se você ainda acredita no Ibope e no Datafolha, o problema não é do Ibope e do Datafolha.
3. Ainda que Pinocchio seja um novo homem, a diferença ainda é monstruosa. Ganhar de 20 ou de 15 pontos percentuais é, em termos práticos, a mesma coisa. O exército das hienas do Tio Scar vai continuar com a histeria de sempre. Não muda o governo nem o cenário para as reformas – aliás, há boas notícias sobre isso hoje, que devem passar despercebidas por conta deste barulhão em torno das pesquisas e do mau humor no exterior (vale ler a Cláudia Safatle hoje com alguns planos de Paulo Guedes).
No meio desse banho de sangue vermelho, o que sobra? Curto e grosso, se cair hoje kit eleições por conta da preocupação com as pesquisas recentes, raspa. Pode comprar “lote” de BBAS, PETR, CMIG, ELET e afins para um trade de curto prazo. Minha preocupação mesmo vem de fora, com todo esse late cycle por lá podendo atrapalhar, ainda que circunstancialmente, nossa recuperação cíclica. As techs foram as grandes responsáveis pela alta das Bolsas nos últimos anos e uma inversão disso pode, sim, causar um mal-estar. Passa, mas o processo é doloroso.