Felipe Miranda: O que você está lendo agora?
Eu me lembro bem. Foi há uns 20 anos, logo antes da pandemia. A Fundação Estudar promoveu um evento aqui no prédio de fundraising. Não mantenha falsas ilusões; é inescapável. Você ganha seus primeiros trocados e logo começa a ser chamado para assinar umas boletas por aí. Como você é sujeito muito distinto e não quer receber aqueles olhares constrangedores, aceita com sorriso no rosto. Morrem algumas dezenas de milhares de reais. Você entra para o clube. É mais barato do que o Pinheiros.
Peguei o elevador e subi até o BTG, onde ocorreria o evento. Procurei pela Luciana, que já havia chegado, pois fora resgatar renomado gestor no térreo, perdido na recepção sem conseguir subir por alguma razão desconhecida. O prédio é mesmo meio complicado e, segundo argumentou, “tem aluguel mais barato do que o Infinity”. As rivalidades são curiosas.
Entrei e fui calorosa e educadamente recebido pelo Roberto Saloutti. Puxando assunto com sua gentileza tradicional, ele comentou a alta das ações do Banco Pan naquele mesmo dia, cujo responsável havia sido eu mesmo, por conta da nossa recomendação. Fiquei um tanto envergonhado, como me é de costume em situações assim, mas fingi naturalidade.
Logo fomos encaminhados para o auditório. Falariam André Jakurski e Luis Stuhlberger, não necessariamente nessa ordem.
Eu sempre me impressiono muito com as falas do Jakurski. Naquela noite, não foi diferente. À certa altura, descrevendo sua rotina, ele falou que o dia era bastante dedicado à leitura. Se eu me lembro bem do número, era algo como 400 páginas diárias. Aquilo inclusive me impediu de continuar a acompanhar a palestra, porque comecei a fazer conta na minha cabeça. “Ora, se supusermos um minuto por página, são 400 minutos por dia. Quase sete horas lendo.”
Eu adoraria, mas acho que nem respirar faço durante sete horas ao longo do dia. Talvez haja aí algum exagero — quem nunca? Ou talvez ele tenha podido construir uma rotina extraordinária, capaz de permitir-lhe essa bênção. Pouco importa. A mensagem principal é de que a leitura importa ao gestor e ao investidor. As ideias não brotam sozinhas, com você conversando consigo. Alimento para a cabeça nunca vai matar a fome de ninguém, sabemos. Mas, para que saia algo, deve entrar algo. O acesso à informação de qualidade, mesmo, e até principalmente, na fronteira de ponta da gestão de recursos, é fundamental. Em resumo, o gestor passa boa parte do seu dia lendo notícias, relatórios, research.
Stuhlberger também explorou o tema. Falou, inclusive, que a maior dificuldade do gestor, diante de tanta informação, é selecionar o que vai ler. Não há tempo hábil para a leitura de tudo, de tal modo que saber qual notícia, qual relatório e qual research conta.
Os melhores gestores estão o tempo todo buscando informação, leitura, interlocução, pesquisa.
Há uma visão clichê de que as pessoas físicas, enquanto ainda forem iniciantes e muito leigas, devem investir via fundos e se apoiar em research de qualidade para tomar suas decisões. Depois disso, elas já estariam “prontas”, podendo fazer tudo sozinhas.
Ninguém está, nem nunca ficará pronto. É uma estrada infinita, uma “stairway to heaven”. Não há destino final. Todos estão, a todo momento, trocando ideias, informações e pesquisas, apoiando-se uns nos outros. A pesquisa em finanças é como um bom médico — você vai sempre precisar dele, mesmo quando estiver saudável. Ninguém se dispõe a tratar da sua saúde sozinho. A saúde do corpo e do bolso são questões medicinais.
Minha seleção favorita é escalada com Anatole Kaletsky numa ponta e Michael Hartnett na outra.
Em seu artigo mais recente, Kaletsky defendeu que o pânico com a inflação estabelecido nos mercados representa mais uma oportunidade de compra. Ele concorda com o prognóstico de mais inflação nos próximos anos, mas pondera que isso não é motivo para pânico.
Segundo argumenta em artigo para a Gavekal, a confiança em mercados ainda vigorosos decorre sobretudo de uma mudança no paradigma dos bancos centrais, que abandonaram dogmas monetaristas clássicos. Como resultado, a fraqueza dos mercados deveria ser vista como uma oportunidade de “buy the dip”, de compra na queda.
Provavelmente, teremos um mundo de mais crescimento, mais inflação e juros reais ainda baixos.
Já Michael Hartnett, que considero bastante acertador, vê o início de alguma vulnerabilidade para o segundo semestre, de tal modo que seria o momento de começar a realizar lucros em commodities, cíclicos e bancos, depois de muito vigor desses nomes nos primeiros meses de 2021.
Hartnett argumenta em prol de uma rotação em direção a nomes defensivos e de alta qualidade. “Não há recessão a caminho, mas a maior parte das boas notícias já aparece atrás de nós. Há uma grande convicção de que atravessamos o Rubicão. Para os mercados financeiros, as consequências da Covid-19 em 2020 foram a demarcação da mínima secular para juros e inflação. O trade que funcionou nos últimos anos: comprado em Bonds, comprado em Estados Unidos e comprado em ações de crescimento. Essa era acabou. Estamos nos movendo em outra direção e os investidores deveriam diversificar seu portfólio de ações regionalmente. O que deve acontecer nos próximos cinco meses? Se o yield dos Treasuries de dez anos superar novas máximas, o próximo ataque de raiva deve acontecer sobre os cíclicos, entre julho e agosto.”
Ele já identifica entre o smart money, apoiado na clássica pesquisa com gestores globais, os primeiros sinais de migração para um portfólio mais defensivo. O “value” ainda é o tema favorito, mas nomes de mais dividendos e mais qualidade estão ganhando terreno rapidamente.
Sobre as dúvidas se a inflação é permanente ou transitória, Hartnett é categórico, ipsis litteris: “Inflation is HERE to STAY” (A inflação está AQUI para FICAR).
E se achamos que isso é um fenômeno apenas internacional, olhemos para o CPI americano da semana passada. Com a reabertura da economia, a inflação de serviços e bens de consumo come solta. Passagens aéreas, comida em restaurantes, carros e caminhões, transporte. Tudo volta rápido.
Essa inflação ainda não aconteceu no Brasil. Mas é só questão de tempo. Não há nada mais permanente do que um choque transitório nos preços.
Era bonita aquela época em que as pessoas se perguntavam “o que você está lendo agora?”. Mas essa era acabou.