Felipe Miranda: O que Taleb me contou ontem?
Ontem, jantei com Nassim Taleb. Foi uma delícia. Confesso que, mesmo sem o Taleb, seria. O Cantaloup é sempre uma delícia, mas a noite anterior estava especial, claro.
Ele está no Brasil para o ótimo evento do IFL a ser realizado hoje e encontramos juntos uma brecha na agenda. Do que falamos? Segundo o próprio, da única ideia que ele teve na vida: X não é F(X). Mal sabe ele que é também minha única ideia, que, na verdade, nem é minha, mas dele mesmo. Eu a copio aqui todo santo dia, só a apresento vestida com outra roupa. Desculpe, mas é a verdade, o que tem para hoje. E o pior: para amanhã também.
Eu acredito, sinceramente, que se você entender com profundidade essa expressãozinha aparentemente sofisticada, vai estar muito à frente da maior parte das pessoas do mercado financeiro.
Tentando encurtar uma longa história e não soar tão repetitivo, X é a realidade e F(X) é o seu portfólio, uma função da realidade. Em vez de focar tanto em entender a complexa realidade das coisas (ações, opções, moedas, criptos), pode ser muito mais simples compreender sua matriz de payoffs, ou seja, como aquilo afeta seu portfólio. O argumento está muito bem desenvolvido no artigo que Taleb escreveu para o Edge, de título “Understanding Is a Poor Substitute for Convexity (Antifragility)”. E se você entender que, nas finanças, estamos no Quarto Quadrante de Taleb, onde nossa capacidade de modelar e comprimir o mundo na Cama de Procusto (vulga tabela de Excel) é baixíssima, perceberá a importância de apenas se focar na matriz de payoff — mais detalhes em outro artigo para o Edge, “The Fourth Quadrant: A Map of the Limits of Statistics”.
Taleb não está preocupado com as taxas de juro negativas — para ele, o zero parece ser um número como outro qualquer, embora elas não possam ficar muito negativas. Ele inclusive lembrou que já tivemos outro período semelhante na história. Na Segunda Guerra Mundial, o cidadão ficava plenamente satisfeito em deixar seu dinheiro no banco e, após algum período, retirar um pouco menos. Se fica custoso guardar grana sob o colchão, então podemos topar guardar o dinheiro numa instituição financeira qualquer para ter um pouquinho menos lá na frente.
Ele diz saber muito pouco da guerra comercial. Acha meio estranho, porque os chineses ganharam dinheiro com os americanos. Então, fica difícil brigar com quem já foi ou é seu amigo em algum grau. Também parece um tanto complicado impor grandes barreiras num mundo estruturalmente conectado. E faz uma observação curiosa sobre o Twitter do presidente norte-americano: “Trump não entendeu que ele não pode reclamar do New York Times. É o New York Times que tem que reclamar dele. Ninguém ajuda quem fica reclamando por aí. A não ser sua família, claro. E, olha, muitas vezes, nem isso — bom, se você tiver uma filha, daí sim”. Acho que Bolsonaro também não entendeu o ponto.
Taleb afirma conhecer muito pouco sobre o Brasil e não palpita sobre governos, mas parece sentir um excesso de centralização no governo federal. É uma crítica antiga e mais geral dele — no livro “Antifrágil”, há um bom capítulo dedicado às vantagens do sistema descentralizado da Suíça. “O Paulo Coelho mora em Genebra, não? Jorge Paulo Lemann também, não é? Os brasileiros ficam ricos e vão morar em Genebra. Por que eles não simplesmente copiam as coisas da Suíça já que reconhecem seu valor?” Com efeito, a única coisa mais parecida com a Suíça que vejo por aqui no Itaim é o campeonato de Rolex que os bankers parecem disputar diariamente. A boa notícia é que, com Paulo Guedes, caminhamos na direção de um potencial novo pacto federativo e do liberalismo, que, por definição, é mais descentralizado e bottom-up do que governos mais concentradores de decisão. Na margem, podemos ficar mais otimistas.
E como um de seus motes é “não me fale o que fazer com meu portfólio, me diga o que você está fazendo com o seu”, numa alusão direta ao famigerado “skin in the game” (colocar sua pele em jogo), Taleb contou o que está comprando agora. Ele tem um bocado de ouro — e fez questão de dizer que “muito antes dessa disparada recente, muito antes dessa onda pop, antes da turma voltar a se lembrar que o ouro e os metais existem”. Mais precisamente, ele tem ações de mineradoras de ouro, “porque são mais convexas” (se isso ainda é estranho para você, insisto em debruçar no conceito inicial: X não é F(X); vale a pena perder um tempo com isso, até que entre por osmose). Tem um pouco de euro, “só por conta da possibilidade de algo dar errado nos EUA”. E uma posição significativa na libra — “a cotação atual da libra sugere que as pessoas acreditam que algo muito ruim vai acontecer com o Brexit, e eu acho que o Brexit pode ser bom para a libra”. Para terminar, tem algumas ações em geral — porque, claro, ações são instrumentos tipicamente convexos (você nunca pode perder mais de 100 por cento do capital, enquanto pode ganhar, em termos teóricos, infinito — há limite para perdas, mas não há limite para ganho).
Encerro agradecendo mais uma vez o pessoal do IFL pela ajuda e pela generosidade. Vocês são incríveis e fazem um trabalho espetacular.
A nota triste da noite ficou por conta do maître. Ao final, ele me puxou de canto perguntando meu contato. “Seu Felipe, posso entrar em contato com o senhor? Eu investi 17 mil reais em bitcoin e sumiram com o meu dinheiro. Estou realmente precisando de ajuda.” Deixo claro: não é um problema do bitcoin em si necessariamente, mas do camarada bandido e golpista que fugiu com o dinheiro de uma pessoa honesta. Só estou contando isso porque, se você é um dos quatro leitores desta newsletter, está muito à frente da maior parte dos brasileiros no interesse por finanças e investimentos. É responsabilidade de todos nós, que supostamente estamos à frente da maioria em termos de educação financeira, espalhar mensagens positivas e tentar impedir amigos, conhecidos e familiares de entrar em roubadas como essa. Tem muito picareta na internet, esquema de pirâmide, fraude, gente que não trabalha sério. Não são a CVM, o Banco Central, o Paulo Guedes ou algum ente governamental que vão coibir esse tipo de prática na totalidade — é simplesmente impossível. Precisamos de um sistema descentralizado e pulverizado de guardiões. Cada um de nós pode fazer a sua parte. Pequenos organismos atuando em prol de um amigo/familiar próximo e gerando, por externalidade, o ótimo social.