Opinião

Felipe Miranda: O que realmente interessa nesta história toda?

14 dez 2018, 11:26 - atualizado em 14 dez 2018, 11:26

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

“Temos essa mania de querer as melhores ferramentas, as melhores tecnologias, os melhores processos”, disparou ela do outro lado da mesa longa que se coloca na sala principal de nosso escritório. Mais especificamente, ela se referia à otimização do uso da plataforma de CRM. O Salesforce é maravilhoso (tenho certeza de que, com um ou outro ajuste, é capaz de lançar um foguete!), mas é caro pra caramba também.

Estávamos na reunião com os gestores de cada área, feita às quintas, 15h. PowerPoints, MBA talking, tentativas de promover-se perante o grupo e opiniões não sustentadas por dados estão impreterivelmente vetadas ali. Um brinde à ditadura do teste! Palavras da moda como “empoderamento”, “energizado” ou qualquer outra que pegaria bem em bares da Vila Madalena e do Baixo Gávea devem ficar restritas aos bares da Vila Madalena e do Baixo Gávea.

Fazemos o encontro semanal com todos em pé, para focar no essencial e garantir produtividade – ouvi recentemente que o Daniel Dantas faz reuniões caminhando em volta da mesa; se é verdade ou não, eu não sei, mas me identifiquei. Posso resistir a blue eyes, mas não à real inteligência.

Tentei rebater àquele golpe desferido contra meu baço: “Ah, eu gosto mesmo das melhores coisas. A gente não joga na Série B.”

Fui simplesmente destruído com a tréplica: “Você não está entendendo. Tô dizendo que não tamo usando coisas pelas quais tamo pagando. E daí, bonitão, não sobra dinheiro pra pagar bônus”.

Senti-me como Apollo Creed contra Ivan Drago em “Rocky IV”, nocauteado sem chance alguma de levantar da lona.

Ela estava certa, óbvio. Ela sempre está. Eu, além de perdulário (desculpa, casa de ferreiro, espeto de pau), fui o idiota de sempre. Evito divulgar nomes para não expor a interlocutora, mas a Bia ganha todas de mim. Sei que ela estava diante de um adversário muito fraco, só não precisava humilhar também.

Confesso ter passado a vida inteira perseguindo o que há de melhor. Talvez fosse uma insegurança juvenil, um medo de que seria exposto ao ridículo caso não estivesse associado ao bom desempenho. Ou quem sabe seja algo um pouco mais sofisticado e ontológico, uma espécie de busca pelo preenchimento de algo que inexoravelmente nos falta – se eu tivesse lido “A Cura de Schopenhauer” antes, poderia ter alguma chance nos debates.

A característica se manifesta nos níveis pessoal e profissional.

Desde que fundei a Empiricus , repito ad nauseam: “Nossas indicações de investimento precisam ser world-class. Não é porque falamos para a pessoa física, em algumas situações leiga no assunto, ou porque temos uma linguagem simples e direta, que podemos nos permitir ideias para aplicar o dinheiro das pessoas que sejam nota 8. Aliás, ao contrário. A natureza do nosso negócio exige que não aceitemos nada além do 10”.

É por essa nota que luto todos os dias da minha vida, com o apoio da maior e melhor equipe de pesquisadores de finanças do Brasil. Como gosto sempre de falar, uma boa ideia de investimento vale igualzinho para o Stuhlberger e para minha mãe. O mercado é bastante democrático nesse sentido.

Foi também com essa cabeça que fui a Nova York com o Rodolfo para estudar value investing. Fomos para um curso na Universidade Columbia com o objetivo de dissecar esse negócio, com um foco maior em empresas de tecnologia. Aos pouco familiarizados, Columbia é uma espécie de Meca da análise de ações. Foi ali que Benjamin Graham, o primeiro a estruturar de maneira mais formal esse negócio, deu aulas para um sujeito que está começando, mas parece ter futuro, chamado Warren Buffett. Ali estão hoje as lendas Bruce Greenwald e Tano Santos, esse último nosso professor.

Tenho uma notícia boa e uma ruim sobre o período em Columbia. A boa é que aprendemos muito sobre value investing. Fomos à fronteira do conhecimento na área, com profundidade e diligência. Estudamos detalhes da teoria e da prática, entrando nos pormenores e depois investigando tim-tim por tim-tim. De fato, não há comparação com qualquer coisa que se vê por aí.

A notícia ruim é que, com todo o respeito e apenas expressando minha opinião, todo esse conhecimento não vai ajudar em termos práticos. Saí ainda mais convencido de que os mercados são mesmo eficientes e que, por mais que se estude e tal, é mais uma questão de fé do que de ciência. A evolução dos ativos financeiros depende de eventos que estão no futuro. E o futuro insiste em estar… no futuro! Não podemos trazê-lo a valor presente, porque ele é inarredável, opaco e impermeável.

Indo além, não há qualquer métrica razoável para se avaliar empresas de tecnologia – temos ferramentas velhas para um mundo novo. Chamamos crenças de premissas e tentamos travestir convicções pessoais de um modelo científico – é tão triste que ciência e cientificismo sejam coisas tão diferentes.

Invertendo uma piada maravilhosa da peça “O Escândalo de Phillippe Dussaert”: “Fui para Nova York para… nada” (entendedores entenderão). Claro que a exposição “Andy Warhol from a to b and back again”, as coleções particulares no MoMA (destaque para Rothko, Pollock e Marcel Duchamp, além da “Noite Estrelada”, de Van Gogh), os jantares no Keens e no Per Se, o Bryan Cranston na Broadway e, principalmente, a companhia do Rodolfo valeram a pena. Mas daí é outra história.

Voltando a Columbia (aliás, que campus!), no final do dia me pareceu tudo sobre: a capacidade de se manter o ROIC marginal alto, coisa que só se descobre a posteriori, visão, ou melhor, obstinação (essa é a palavra!) do fundador/management e olhar sobre a manutenção daquela tecnologia como dominante, se a empresa vai sofrer ou vai realizar a próxima disrupção. É fé, entendeu?

E para encerrar de vez a discussão, soube que o mito Bruce Greenwald está short (apostando na queda das ações) em Amazon cerca de 30 por cento abaixo dos preços atuais. Ou seja, se o camarada que supostamente mais sabe de value investing no mundo errou fragorosamente uma de suas principais posições, imagina nóis…

Resumo da história: ninguém sabe nada. Cada vez mais estou convencido de que é impossível bater os mercados de forma consistente. Malandro que é malandro demais se atrapalha, já diria Bezerra da Silva. Pode ser Jorge Ben também: “Malandro que é malandro não bobeia; se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem”. Achei muito curioso como, apesar de espetacular, Columbia também não oferece super-heróis.

Gosto dos ETFs, da boa alocação de recursos e da diversificação em uma porção grande de ativos que podem lhe pagar muito bem no caso de sucesso e lhe ferir pouco no caso de fracasso. Não vá atrás da superdica quente. Foque na gestão do seu portfólio como um todo, de forma responsável e consistente.

Isso é o que interessa nas finanças. Para o resto, “all we need is love”.