Opinião

Felipe Miranda: O que nem Ray Dalio entendeu sobre os mercados financeiros

30 out 2018, 11:21 - atualizado em 30 out 2018, 11:21

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

A primeira coisa que preciso dizer é: sou fã do Ray Dalio, o maior gestor do mundo, à frente da Bridgewater. E antes de seu julgamento, esclareço: não estou me comparando, em nenhuma instância. Seria absolutamente ridículo – até pra mim, ser ridículo tem limite.

Ele é muito mais inteligente, mais bonito, mais legal, mais bem-sucedido e, para encerrar de vez a discussão nos termos em que os fariseus do Templo conseguem entender, tem muito, mas muito, mas muito mais dinheiro do que eu. Nem mesmo cabelos eu tenho mais do que ele, apesar de ser bem mais jovem.

Se tenho alguma habilidade superior à dele, talvez seja a de escrever títulos de e-mails chamativos capazes de estimular a abertura pelos leitores potenciais. Depois de nove anos neste negócio, alguma coisa eu precisaria ter aprendido.

Mas, segundo a própria meritocracia de ideias da Bridgewater (ah, use os argumentos alheios contra eles mesmos!), a formiga também pode falar ao elefante. Acho mesmo que algo escapou a Ray Dalio em seus Princípios.

No livro (se você ainda não leu, recomendo fortemente – ele faz parte do nosso Clube do Livro), Dalio faz um paralelo entre o que chama de “formatadores” e o arquétipo típico do herói, apoiando-se, para descrever esse último, no clássico “O herói de mil faces”, de John Campbell, que examina um grande número de heróis de diferentes culturas – reais e míticos – para mostrar como todos nutrem uma trajetória comum.

O próprio Ray Dalio escreve assim:

“Heróis não nascem heróis, vão se transformando à medida que os acontecimentos da vida se desenrolam. (…) Em geral, todo herói começa tendo uma vida comum em um mundo comum e é atraído por um chamado de aventura. Isso os leva por uma estrada de adversidades repleta de batalhas, tentações, sucessos e fracassos. No caminho, esses heróis contam com a ajuda de terceiros, frequentemente pessoas que estão mais à frente na jornada e servem como mentores. Também fazem aliados e inimigos e aprendem a lutar, muitas vezes contra as convenções. Ao longo da trilha, se deparam com tentações, entram em conflito e se reconciliam com pais e filhos. Por serem altamente determinados, superam o medo de lutar. Vão adquirindo poderes especiais (ou aptidões) a cada batalha e a cada encontro em que lhes são passados ensinamentos e conselhos. Com o passar do tempo, acumulam sucessos e fracassos, mas, cada vez mais, o êxito supera a derrota e, à medida que se fortalecem, passam a se empenhar por mais. Em pouco tempo, estão enfrentando batalhas ainda maiores e mais desafiadoras.

Inevitavelmente, todo herói passa por pelo menos um grande fracasso, um evento que testa se eles têm a resiliência para dar a volta por cima e retomar a batalha com mais inteligência e determinação. Em caso afirmativo, o herói passa por uma mudança (uma metamorfose), na qual experimenta o medo que o protege, sem perder a agressividade que o impulsiona para a frente. Com os triunfos, vêm as recompensas. Embora os heróis não percebam quando estão no meio de suas batalhas, a maior recompensa para eles é algo que ganharam ao longo da jornada e que Campbell chama de bênção: um saber especial sobre como alcançar o sucesso.”

Essa trajetória arquetípica vale para quase todo tipo de herói, dos filmes do Van Damme à trajetória de Jesus Cristo, passando por Maomé, Buda, Churchill e Martin Luther King Jr.

Fora da linguagem mítica, os heróis se ligariam ao que Ray Dalio chama de formatadores, alguém que surge com visões únicas e valiosas, que as constrói de maneira maravilhosa e que geralmente vence as dúvidas e a oposição dos outros. Steve Jobs seria a maior representação de um formatador da nossa era, medido pelo tamanho e pelo sucesso das mudanças que imprimiu o mercado. Embora Dalio não fale de maneira explícita, ele mesmo se considera um formatador, ao fazer um paralelo, mesmo de forma humilde, com o próprio Jobs, ao citar artigo intitulado “Será Ray Dalio o Steve Jobs dos investimentos?”, publicado na revista aiCIO.

Definindo um pouco melhor os formatadores, “eles são pensadores independentes e não deixam nada ou ninguém entrar no caminho de suas metas audaciosas. Eles têm mapas mentais muito fortes de como tudo deve ser feito e, ao mesmo tempo, disposição para testá-los no mundo real, mudando suas abordagens para torná-las mais eficientes. São extremamente resilientes porque a necessidade que têm de atingir suas metas é maior do que a dor que suportam enquanto lutam para conquistá-las. Mais interessante, talvez, é que têm uma visão de alcance mais amplo que a maioria das pessoas, seja isso uma característica que lhes vem naturalmente, seja porque sabem como atingi-la valendo-se de pessoas capazes de visualizar o que eles mesmos não conseguem. (…) São ao mesmo tempo criativos, sistemáticos e práticos. São assertivos e, ao mesmo tempo, de mente aberta. O mais importante: fazem tudo com fervor, são intolerantes com membros da equipe que não atendam ao padrão de excelência e querem produzir um impacto grande e benéfico no mundo.”

Acho tudo isso muito bonito. De verdade. Mas vejo uma falha na abordagem quando tento comunicá-la com o universo dos investimentos, a exata seara de Ray Dalio, ou até mesmo com a vida em geral. “Communication Breakdown… it’s always the same… I’m having a nervous breakdown… drive me insane” – existe algo melhor do que Led Zeppelin?

O herói é aquele que entrega sua vida por terceiros. No fundo, ele é frágil, sabe? E muitas vezes morre no final. No mercado financeiro, tudo que você não pode fazer é morrer, em qualquer etapa do processo. Para ser bem-sucedido, primeiro você precisa sobreviver, como diria Warren Buffett. A única definição possível de racionalidade se liga à sobrevivência, como diria Gerg Gigerenzer.

O herói se acha munido de superpoderes, se alavanca, concentra e quebra a cara. Pensa que pode prever o futuro e quer ganhar todo dinheiro de uma vez – ouvi uma vez de um dos mais brilhantes gestores de ações do país: “O meu maior problema é que eu quero ganhar todo dinheiro que está na mesa, naquele exato momento”; nunca vou esquecer dessa conversa. Aí o cara se desespera e começa a fazer mil trades ao meu tempo. Desesperar-se é perder a capacidade de esperar (des = sem; espera), sendo que, por vezes, a melhor coisa a fazer na vida é não fazer nada. Bolsa tem todo dia e, se não houver oportunidades novas naquele dia, você simplesmente vai ficar quieto. O herói quer enfrentar o mundo inteiro de peito aberto, achando que pode bater o mercado a todo tempo, a qualquer custo, quando, na verdade, o mercado é um vilão insuperável.

Esse arquétipo não vai ser bom para você. Se você quer escolher um personagem das narrativas mitológicas clássicas, precisa pensar no sábio, não no herói. Meu amigo, quando você pula para o estágio da sabedoria, a coisa muda completamente de figura.

Pense por 30 segundos sobre a figura do Mestre Yoda.

Compare o tamanho das orelhas com a boca. Ele está mais disposto a ouvir do que a falar, ciente de que precisamos mais aprender do que ensinar. Repare o casaco aberto, mostrando uma disposição a não se fechar para o mundo exterior e apropriar-se do que há de bom por aí. As unhas longas e espessas são sinal da velhice, transmitindo a ideia de que há um tipo de saber que só pode ser alcançado a partir do tempo, da vivência e da experiência presencial. O cajado também tem esse significado, além de conectá-lo sempre à Terra, às origens e à própria essência, sem deixar-se iludir por estados momentâneos de euforia.

Num duelo de traders, Luke Skywalker não teria a menor chance contra Mestre Yoda. Senhor Miyagi destruiria Daniel San. Rocky Balboa seria dizimado por Mickey.

A mensagem de hoje é em favor da sabedoria e da serenidade. Muitas pessoas se desesperaram ontem. Achavam que os ativos de risco disparariam de maneira subsequente à eleição de Jair Bolsonaro. Com a queda de 2 por cento da Bolsa, agora questionam toda a tese estrutural e atacam o Bullsonaro, sendo que a queda nada teve a ver com fatores locais.

Houve grande aversão ao risco disparada pelo exterior, onde as Bolsas norte-americanas voltaram a cair fortemente, com destaque para as techs. A notícia de que o Reino Unido pretende impor tarifas sobre serviços digitais de grandes empresas de tecnologia pesou sobre o setor, bem como a sinalização de que os EUA estudam restringir negócios de empresas locais com a estatal de chips chinesas Fujian Jinhua Integrated Circuit.

Para emergentes em particular, o mau humor foi catalisado pela notícia de que o presidente Andrés Manuel López Obrador vai cancelar a construção de um grande aeroporto, abalando a confiança em seu governo recém-eleito. Foi a desculpa que precisavam para amassar as ações de emergentes.

Por aqui, o efeito foi amplificado porque alguns investidores, tentando bancar os heróis em vez de os sábios, haviam se alavancado bastante na sexta-feira, para buscar um trade de curto prazo com as eleições. Quando o clima azedou ontem à tarde, stops foram acionados e nego teve que correr para evitar prejuízos ainda maiores.

Olhe as coisas um pouco mais de cima, com o devido afastamento, capaz de dar-nos o benefício do olhar em perspectiva.

O que eu acho sábio para hoje?

Duas coisas:

1 – A primeira delas atende a uma certa ansiedade: “O que a gente compra agora? O que a gente vende?”. Se você é uma das duas pessoas que segue a prescrição desta newsletter com assiduidade, hoje você não vai fazer nada. O call estrutural segue rigorosamente o mesmo: o bull market iniciado no mercado brasileiro em janeiro de 2016 está só começando e, sim, vai haver dias como ontem (outros serão bem piores); não se desespere. Resumo do cardápio: muita Bolsa, com um pouco de estatais e cíclicos domésticos (começo a flertar com Duratex; e gosto, como sempre, de Localiza – Salim, obrigado pelo livro! Adorei), duration longo e um tico de dólar como proteção, porque uma das características do sábio é saber que, no fundo, ninguém sabe nada.

2 – Ficar bem de olho nas ações de tecnologia, que podem dar um belo ponto de entrada depois do bear market recente. De maneira mais tradicional aqui em terra brasilis, gosto de Banco Inter e Linx, com essa nova fintech com enorme potencial de crescimento. E se me permite uma loucura (porque eu não sou sábio!), coloco BTG nessa lista, porque, bicho, não há maior fintech, principalmente no Brasil, do que banco. Esse cara tem uma XP dentro dele, mas que vai ser melhor no tempo, porque tem vantagens competitivas claras, a começar pela qualidade do management (I’m a people’s person, sorry). Mas não é só isso, claro. O fato de ter um banco grudado faz o cara pular uns metros à frente, porque tem originação de tudo, cross sell pra todo lado e mais poder de preço. Deixe-me dar um exemplo fácil de entender: o fundo DI da XP nunca vai poder competir com o do BTG, a não ser que tope perder dinheiro. O BTG pode oferecer no varejo um fundo DI de 0,1 por cento de taxa ao ano. Ele não vai ganhar dinheiro na gestora, mas vai ganhar no fiduciário. A XP não pode fazer isso, porque tem que pagar o administrador. BTG agora vai começar a rentabilizar o caixa, risco de cauda, que todo mundo temia, caiu bem, já permitindo algum re-rating. Se conseguir vender a história de que virou mesmo um case de tecnologia/fintech, daí o múltiplo é outro.

Toda vez em que você estiver impelido a alguma atitude desesperada em frente ao home broker, pense no arquétipo do sábio. A sabedoria deve ser para você uma espécie de presença ausente. Mesmo quando ameaçado, sozinho, desprovido de coisas ou pessoas, ela se faz presente, pois está dentro de você. A euforia do herói é o contrário: uma ausência presente, um destempero que vem para marcar a falta e jogá-lo ao desespero.

“Mas eu não acredito”, diz Luke Skywalker.

“É por isso que você fracassa”, responde Mestre Yoda.