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Felipe Miranda: O que é antifrágil hoje no mundo dos investimentos?

09 set 2020, 12:20 - atualizado em 09 set 2020, 12:21
“O Google, a Amazon, o Facebook sabem muito sobre nós”, diz o colunista

Muitos temem que seus computadores e sistemas sejam hackeados por pessoas. Talvez devêssemos estar mais preocupados em ter pessoas sendo hackeadas por computadores e algoritmos.

Não quero ser repetitivo e voltar ao tema de ontem. Mas insisto na necessidade de pagarmos por boa informação, sob o risco de sermos nós mesmos o produto, delegando, sem perceber, a um sistema de computador as decisões sobre nós mesmos. Sem que nós notemos, eles podem ser capazes de dominar nossas vontades, desejos e atitudes.

O Google, a Amazon, o Facebook sabem muito sobre nós. Só há uma resposta à altura: temos também de nos conhecer com profundidade. Caso contrário, estaremos em desvantagem e eles vão acabar determinando nossos hábitos de consumo e de investimento.

Precisamos saber sobre nós e sobre o mundo, num momento em que, diferentemente do passado, há excesso de informação disponível. Depois do Google, todo mundo é inteligente.

Um dos maiores dilemas do investidor é saber o que ler e ao que assistir. Devemos dispor de tempo suficiente para termos a informação relevante, mas, numa infinidade de dados, opiniões e perspectivas, não perder nenhum tempo desnecessário com mapas errados ou temas irrelevantes. Há muito ruído entre os sinais, muito lixo em meio à real pesquisa, muito torcedor disfarçado de especialista. Gestão de recursos você faz intensamente ou você não faz. Informação de nível médio não vai ajudá-lo.

Entre as várias casas de research que leio, a Gavekal recebe sempre um carinho especial. Neste mês de setembro, Louis-Vincent Gave publicou um relatório muito interessante, batizado “Seeking Anti-Fragility”. Em linhas gerais, o objetivo era responder à seguinte questão: depois de décadas em que os Treasuries foram o grande hedge contra um crash do mercado de ações, qual seria a efetiva proteção agora, com viés prospectivo?

A primeira conclusão é que, atualmente, a única razão para se deter títulos de países desenvolvidos como um hedge seria com a pretensão de proteger-se de um choque deflacionário. Contudo, Gave pergunta: seria esse hedge necessário no momento, quando todos os formuladores de política econômica estão, conjuntamente e com todas as suas forças, lutando contra esse possível resultado? Ele lembra ainda de uma verdade um tanto simples: quanto mais sobrevalorizado está um ativo, mais frágil ele é (e os Treasuries de 10 anos pagam hoje um juro real negativo de mais de 1%).

Portanto, vamos atrás de alternativas.

Comecemos pelas big techs. Com crianças e adultos presos em casa, viciados em videogame (acréscimo meu: home broker incluído?), compras online e trabalho remoto, elas foram as grandes vencedoras da era da Covid. Desse modo, dado que há um risco de uma eventual segunda onda do vírus e da necessidade de as populações voltarem a ser trancadas em casa, carregar uma posição em big techs e empresas do setor de saúde surge como uma óbvia escolha de ativo antifrágil — alguém que se beneficiaria de novos potenciais lockdowns e quarentenas.

Uma segunda classe apontada pela Gavekal é a de energia alternativa, cujo desempenho durante a crise, mesmo quando o preço do petróleo, do gás natural e do carvão caiu bastante e supostamente diminuiu sua atratividade, surpreendeu de forma positiva.

O mercado parece ter concluído que não importa para essa classe tanto quanta energia é produzida ou consumida, mas, sim, quanto dinheiro público está disposto a fluir para essa alternativa. Como a crise da Covid mostrou que não há limite para o quanto alguns governos estão dispostos a gastar com “projetos verdes”, o quanto pior a economia ficar, mais dinheiro deve ser impresso pelos bancos centrais, e parte dele deve fluir para as “máquinas verdes”. Mais gasto público em infraestrutura nos países desenvolvidos em momentos de depressão pode estar concentrado em energia limpa.

“Os metais preciosos aparecem como uma […] opção de ativo antifrágil”, comenta Felipe Miranda (Imagem: Pixabay/@hamiltonleen)
Caminhando de forma ortodoxa, os metais preciosos aparecem como uma terceira opção de ativo antifrágil — afinal, o ouro sempre foi um porto seguro clássico em momentos de desconfiança do valor da moeda fiduciária. Com tanta impressão monetária, os ativos fixos capazes de preservar valor no tempo tendem a se apreciar.

A correlação do ouro é positiva com momentos de inflação e controle de capitais, como se teme para o futuro mediante à impressora dos BCs trabalhando 24×7. Na conta da Gavekal, assumindo que o Fed expanda seu balanço em US$ 5 trilhões neste ano e que a oferta de ouro seja acrescida de US$ 211 bilhões, a relação entre moeda adicionada no sistema relativa ao ouro será muito maior do que nos anos recentes. Basta que uma pequena quantia desse dinheiro injetado no sistema seja destinada ao ouro para seu preço continuar subindo.

Divergências entre aumento da oferta monetária e na oferta de ouro, como a atual, ocorreram em 1970 e 2001, quando o ouro entrou num bull market plurianual. Resumindo, o ouro pode ser considerado antifrágil a choques inflacionários, ao descontrole dos déficits públicos e à explosão dos agregados monetários.

A quarta opção, que, confesso, na verdade é a razão deste Day One, se refere à China. Por muitos anos, seus ativos (bonds ou equities) apresentaram uma dinâmica própria, sem grande correlação com o restante do mundo — em si, isso já é um sinal positivo, pois a adição de um ativo não correlacionado em seu portfólio tende a reduzir seu nível de risco e preservar retorno potencial.

Porém, como sabemos, a ausência de correlação não basta para considerarmos o ativo antifrágil. O ponto da Gavekal, que vem sendo defendido há cerca de um ano e meio, é de que estamos agora entrando possivelmente num divórcio entre EUA e China, num chamado “Clash of Empires”, em substituição à “Chimerica” — teríamos blocos econômicos separados, cada um com sua moeda de referência (dólar contra renminbi), sua referência de títulos soberanos, sua capital financeira (Nova York e Hong Kong) e, talvez mais importante, diferentes e segregadas cadeias de suprimento.

Para Felipe Miranda, os investidores brasileiros já deveriam ter nos portfólios alguma exposição à China (Imagem: Reuters/Bobby Yip)

Neste contexto, um aumento das tensões entre EUA e China poderia significar mais dinheiro fluindo para o país asiático, que ainda é “underowned” (as pessoas têm menos ativos chineses do que deveriam) nos portfólios globais, em particular se considerarmos essa rivalidade crescente com os EUA, com a China assumindo, quem sabe, maior protagonismo global.

Daí a pergunta provocação da Gavekal: “Ter uma pequena posição em China, mesmo que somente como um hedge, não começa a fazer sentido?”. A China seria a resposta antifrágil a uma eventual fraqueza pronunciada e sustentada do dólar.

Eu sinceramente não sei se caminharemos para essa real separação entre os blocos — a reorganização das cadeias de suprimento globais teria efeitos bastante expressivos e há muitos interesses em jogo. Acho que nem a Gavekal sabe. Mas não é este o ponto. Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. A questão é que se trata de um cenário possível. Mais do que isso, deixe-me explorar o ponto sob outra perspectiva.

Desde o ano passado principalmente, impus a mim mesmo como uma de minhas incumbências prioritárias dar uma pequena contribuição aos assinantes para internacionalizar seus portfólios e diversificar seus investimentos entre moedas e geografias.

Entendo que conseguimos dar alguns passos nessa direção. Muitos deles abriram suas contas na Avenue ou em alguma corretora lá fora, carregam posições em ações ou em REITs. Outros e com intersecção com o primeiro grupo, claro, investiram nos fundos da Vitreo com exposição ao exterior. Uma terceira parte tem comprado BDRs aqui mesmo na B3 (B3SA3). Ótimo.

Entretanto, em conversas com esses investidores, apesar de notar esse importante avanço, é fácil perceber um excesso de concentração a ativos dos EUA e quase nenhuma exposição à Ásia.

Se a China é hoje a segunda potência global, independentemente se vai rivalizar de frente ou não com os EUA, se vai ou não até mesmo ultrapassá-los, já deveríamos ter em nossos portfólios alguma exposição ao país asiático, dada sua relevância global. Por que hoje encontramos milhares de pessoas com ações de Apple, Amazon, Facebook, Microsoft, Alphabet, mas quase ninguém fala de Alibaba, Tencent, Baidu?

“Estamos alijados de todo o potencial de valorização associado a uma eventual ascensão adicional chinesa”, afirma o colunista (Imagem: REUTERS/Aly Song)

Atualmente, o brasileiro quase não tem exposição à Ásia. Assim, estamos alijados de todo o potencial de valorização associado a uma eventual ascensão adicional chinesa. Mais do que isso, ficamos despreparados para enfrentar um eventual cenário adverso de perda de importância relativa dos valores ocidentais e do dólar como única moeda de referência. Esse fator de risco preocupa e estamos totalmente sem proteção para ele.

Não precisamos aprender mandarim ou cantonês. Logo, logo estaremos equipados com algum app do Google Tradutor (ou seria da Tencent?) capaz de falar qualquer língua impecavelmente. Mas deveríamos estar equipados com alguma posição em China.

Como diz Nassim Taleb, o pai da antifragilidade, não saber não significa não agir. “Understanding is a poor substitute for convexity”. O entendimento é um mau substituto para a convexidade e, portanto, para a própria antifragilidade. Como será que se escreve “X não é F(x)” em mandarim?