Empiricus Research

Felipe Miranda: O que as manifestações podem significar para o seu bolso?

27 maio 2019, 10:05 - atualizado em 27 maio 2019, 10:05

“Mesmo fora de si,
eu te amo pela tua essência.
Até pelo que você poderia ter sido,
se a maré das circunstâncias
não tivesse te banhado
nas águas do equívoco.

Eu te amo nas horas infernais
e na vida sem tempo, quando,
sozinha, bordo mais uma toalha
de fim de semana.”

A voz potente de Maria Bethânia penetra meus ouvidos limpidamente recitando “Quando o amor vacila”. Não há música. É apenas imaginação. Também não bordo uma toalha de fim de semana, até porque não gozo de dotes dessa natureza. A televisão está ligada na GloboNews. Tento entender as manifestações para escrever algo minimamente coerente no dia seguinte.

O desafio é razoável, pois estaremos num emaranhado de notícias e relatórios, todos eles tentando dizer alguma coisa inteligente. Talvez mais apropriado para o momento, Raul Seixas atropela a sequência musical: “Mas é que se agora/ Pra fazer sucesso/ Pra vender disco/ De protesto/ Todo mundo tem/ Que reclamar (…). Dois problemas se misturam/ A verdade do Universo/ A prestação que vai vencer”.

Volto à utilidade de Bethânia. Não quero adivinhar o que será, até porque jamais nos permitiremos o charlatanismo das adivinhações. Aqui sempre procuramos algo diferente: elucubrar sobre o que pode ser e ainda não é. Daí emergem as tais assimetrias convidativas de retorno que tanto perseguimos. Ou quem sabe somente investigar “o que poderia ter sido, se a maré das circunstâncias não tivesse nos banhado nas águas do equívoco”. Livrai-nos também do mal das obviedades e dos clichês típicos dos cientistas políticos, que são sempre mais lentos e superficiais do que os verdadeiros ganhadores de dinheiro em Bolsa — imagino que neste momento a Eurasia ainda atribua 70 por cento de chance de vitória na eleição para Jair Bolsonaro. Como são competentes os analistas que não conhecemos de perto.

De que se tratam as manifestações? Seriam de apoio irrestrito a Jair Bolsonaro? Seriam a favor de Sergio Moro e Paulo Guedes? Pretendiam fechar o Congresso e o STF? Queriam pressionar Rodrigo Maia e o tal Centrão? Queriam chamar atenção para a necessidade de aprovação das reformas, notadamente a previdenciária?

Não sei exatamente. Talvez nem os manifestantes saibam. Lembrei-me de 2013, quando as pessoas iam para as ruas sem saber muito bem o porquê. É um outro contexto, claro. É possível que não seja nada disso. Ou quem sabe um pouco de cada coisa. Os sentidos são um tanto difusos. Se é que há algum sentido verdadeiramente ontológico nas coisas. Para nos livrarmos da angústia imposta pela irrestrita e inexorável liberdade da vida, por vezes é mais fácil travestir-nos de um personagem qualquer, com algum sentido e um propósito criados para justificar o absurdo da nossa existência.

Seja como for, a mim parece haver algo esquisito no ar: poderia ser a manifestação contra a reforma da Previdência e contra Rodrigo Maia ao mesmo tempo? E, simultaneamente, ainda a favor de Paulo Guedes, aquele que identificou publicamente “participação extraordinária” de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre em favor das mudanças de regras na aposentadoria?

Pode ser que os protestos (se é que podemos chamá-los assim) de ontem acirrem os ânimos entre Executivo e Legislativo, em especial se Jair Bolsonaro e seu entorno alimentarem a retórica de enfrentamento nas redes sociais. Mas em meio ao atrito recente e às manifestações de ontem, parece haver algo bastante interessante para os ativos de risco brasileiros.

O que há de comum nos interesses de Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia e mesmo nas manifestações de ontem? Por cada ângulo que você olha, aparece o apoio à reforma da Previdência. A mídia, com uma exceção ou outra que apenas comprovam a regra, também se engaja em prol da aprovação. Mesmo nos momentos de maior tensão entre governo e Congresso, o que surgiu? Uma proposta alternativa do Parlamento à reforma da Previdência ungida pela equipe de Paulo Guedes.

Diferentemente de outros tempos, em que emergiria a ideia de “vamos voltar a gastar”, agora a hipótese alternativa não é anular a reforma da Previdência e retomar o keynesianismo de quermesse, mas, sim, apresentar outra reforma, com mesmo impacto fiscal final.

Todos os caminhos parecem apontar para a aprovação da PEC da Previdência, que, diga-se, segue tramitando no Congresso. Claro que poderia ser mais rápido. Claro que poderia ter menos volatilidade. Claro que o choro e o esperneio poderiam ser menores. Mas, de uma forma ou de outra, a caminhada em direção à aprovação da reforma basta para os mercados brasileiros neste momento.

“Ora, mas e o que vem depois da Previdência?”, talvez perguntasse o leitor mais cético. Será suficiente para retomar o crescimento econômico? O cenário internacional não pode se colocar como um grande risco no segundo semestre, com acirramento da questão comercial entre EUA e China e medo de recessão em 2020? Como ficam as outras reformas, como a tributária, o pacto federativo e a carteira de trabalho verde e amarela? Privatizações grandes realmente vão acontecer? Algum risco de detectar-se real envolvimento da família do presidente com as milícias? Paulo Guedes vai continuar no cargo?

Todas são perguntas relevantes e pertinentes. Mas o depois vem… depois. Não dá para fazer o segundo gol antes do primeiro. O que faremos quando o Ibovespa estiver 20 por cento acima dos níveis atuais terá de ser pensado quando o Ibovespa estiver 20 por cento acima dos níveis atuais. Um gestor de recursos e um investidor pessoa física não devem dispor da mesma matriz de pensamento do ministro do Planejamento.

Como na Navalha de Occam, a proposta mais simples aparece como a mais apropriada no momento. Há algo a guiar os mercados brasileiros, que é a reforma da Previdência. As condições materiais para sua aprovação estão postas. Então, nos apeguemos a isto: em havendo sua aprovação e com robustez, os mercados vão subir.

Mas subir quanto?

É sempre difícil responder com alguma precisão a esse tipo de coisa. Uma boa referência pode ser a dinâmica observada na Índia. Em 2014, Narendra Modi foi eleito com uma plataforma de campanha em prol do combate à corrupção, da simplificação tributária, de uma série de reformas liberais e de uma política econômica ortodoxa.

Antes de sua vitória, o índice MSCI India (uma boa referência para a média das ações locais) negociava entre 12 e 14 vezes seus lucros projetados para 12 meses à frente; após a eleição, a relação passou a transitar entre 15 e 18 vezes, num belíssimo re-rating. O prêmio do MSCI India sobre a média de mercados emergentes passou a ser de cerca de 30 por cento.

Ou seja, se repetirmos a dose por aqui, poderíamos ter uma alta em torno de 30 por cento do Ibovespa, mesmo sem adicionarmos nenhuma expansão dos lucros. Nada mal para quem temia uma ruptura institucional até outro dia.

Se você quer saber quais são os ativos certos para comprar à espera deste ciclo, fica o convite para ao menos conhecer as “ações para ficar milionário”.