Opinião

Felipe Miranda: O Paciente – de volta a 1989 ou a 1985?

14 set 2018, 12:22 - atualizado em 14 set 2018, 12:22

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

“Oh no one ever left alive in 1985, will ever do”
Nineteen Hundred and Eighty Five – Paul McCartney

Nem sei por onde começar. Há tanta coisa a se dizer nesta sexta-feira. Os dois leitores desta newsletter terão um pouco de paz na segunda e na terça-feira. Ficarão sob a excelente companhia do Rodolfo, pois estarei em BH para uma apresentação ao IFL. Se estiver por lá e puder aparecer, será um prazer. Quando o convite envolve liberalismo e formação de líderes, não há como negar. Aceito com alegria.

Então, trago tudo a valor presente. O texto de hoje é uma espécie de três em um. Sob o risco de criar um Frankenstein, reúno coisas que talvez devessem estar em textos diferentes. Somos vividos, passivamente, por poderes que fingimos entender. As ideias vão e vêm a partir de sua própria frequência e direção.

Começo por uma espécie de prestação de contas. Sempre que há uma superação de recorde para uma variável financeira, aparece um monte de pergunta em torno daquilo. Deveria ser apenas um valor qualquer, sem nenhuma superstição, mas existe um certo fetiche com marcas históricas.

Ontem, o dólar encerrou em seu maior valor de fechamento considerando o período posterior ao Plano Real: 4,1998 reais. Como temos sugerido intensamente a compra de dólares há algum tempo, nossas caixas de e-mail são preenchidas com questionamentos sobre a necessidade de ainda comprar ou manter dólares.

Direto ao ponto: sim. O dólar ainda é um hedge barato e seria uma irresponsabilidade passar o período eleitoral sem alguma exposição a isso.

“Ah, mas, em termos de fundamento econômico estrito, a taxa de câmbio justa seria algo em torno de 3,60/3,70…”

Sim, é verdade. Mas quem quer saber de fundamento econômico estrito neste momento? Economista é um bicho platônico e resiste a entender que, no meio de um desconforto com emergentes e sob o medo de vitória de um candidato de esquerda nas eleições presidenciais, ninguém quer saber de conta-corrente, paridade coberta de juro, “fundamental equilibrium exchange rate”. Nego sai vendendo e pergunta depois — como esquecer Chico Lopes e sua tentativa de explicar a “banda diagonal endógena” no meio de uma crise cambial; teve o mais longevo mandato como presidente do BC da história brasileira: de 13 de janeiro de 1999 a 2 de fevereiro!

O mercado é um teatro grande com uma porta pequena.

“Ora, mas isso é um comportamento irracional…”

Racionalidade só pode haver um sentido: sobrevivência. Lemos mais Gerg Gigerenzer (racionalidade ecológica) do que John Muth (expectativas racionais). Quer dizer, por uma questão de obrigatoriedade lógica para permitir a comparação: lemos os dois, mas gostamos mais do primeiro.

O câmbio é uma variável capciosa porque obedece a dois senhores: ao mercado de capitais, sendo uma variável ligada ao fluxo financeiro; e ao mercado de bens, atrelado às exportações e importações. O problema é que você não pode acender uma vela para Deus e para o diabo ao mesmo tempo.

No curto prazo, quem manda na determinação da taxa de câmbio é, quase em sua integralidade, o mercado de capitais, pois sua velocidade de ajustamento se mostra muito maior do que aquela do mercado de bens. O argumento é bastante novo: tem apenas 45 anos, tendo sido formalmente demonstrado por Rudi Dornbusch em 1973. O overshooting cambial existe, sim, é recorrente e é racional!

Por isso, não se assuste com os quatro e vinte. Ainda não é hora de parar para fumar um. Os exageros da taxa de câmbio são frequentes e não se assuste se formos pra cima dos cinco rapidinho.

“Não me misturo com essa gentalha. Sou um investidor de longo prazo e apenas isso me interessa.”

Talvez a réplica esteja em David Foster Wallace: “Todas as pessoas são iguais na sua secreta e silenciosa crença de que no fundo são diferentes de todas as outras.”

Às vezes penso que a ânsia por ganhar dinheiro no curto prazo venha da própria condição humana, sabe? Da nossa brevidade neste mundo. Não sei de onde vem, mas talvez venha impressa na nossa alma uma certa urgência. “Existe uma palavra que não suporto ouvir e dela não me conformo. Eu acredito em tudo, mas eu quero você agora”, permito-me a ênfase no “agora” para os fins do argumento, embora no original esteja mais no “você”.

Então, enterramos nossas cabeças em buracos, focando-nos na luz que pode estar além do que conseguimos enxergar um palmo à nossa frente. Há dois pontos curiosos em torno das pesquisas eleitorais — e temos duas previstas para hoje: XP e Datafolha.

O primeiro é que lemos esses ruídos de curto prazo como tendências estruturais, como se pudessem significar algo mais fundamental. Flutuamos ao sabor de cada pesquisa. E o pior: na véspera, sofremos de ansiedade pela pesquisa; no dia seguinte, refletimos acerca da pesquisa e já antecipamos a próxima. Conseguimos sentir as mazelas de duas TPPs: Tensão Pré e Pós-pesquisa. Não tem quem aguente um ciclo assim.

A segunda coisa se associa à reflexividade de George Soros. A Bolsa cai porque há rumor de que Haddad subiu nas pesquisas. Então, o rumor de que Haddad subiu nas pesquisas une a esquerda em torno do candidato do PT. Os agentes econômicos veem a queda da Bolsa e se tornam mais pessimistas porque passam a supor que vazou alguma informação sobre pesquisas privadas. Tudo se influencia reciprocamente: realidade sobre expectativas, e vice-versa; ninguém sabe direito mais o que é uma coisa ou outra. As impressões sobre as eleições deveriam ditar o comportamento da Bolsa. Mas ocorre também que o comportamento da Bolsa está ditando as impressões sobre as eleições.

Agora, virou inteligente dizer que as eleições iminentes se assemelham muito àquelas de 1989. Eu vejo mais paralelos com 1985, como narrado no excelente filme O Paciente, sobre a situação de Tancredo Neves. Não sei de nada, mas desconfio de muita coisa. Não me agrada o ar obscurantista dado ao tratamento da saúde de Jair Bolsonaro. Outra coisa: se o segundo turno é realmente um jogo novo, como fica uma eleição toda sem campanha? Há muitas dúvidas sobre essa candidatura e isso pode abrir brechas importantes. Quem pode se apropriar de alguns votos de Jair Bolsonaro? Os votos não ideológicos em Lula que migrariam para ele podem ir para Fernando Haddad, agora com discurso mais moderado ao ver suas reais chances de eleição? Ou parte da direita vai se apropriar disso, até mesmo tirando o candidato do segundo turno, com grande apelo ao voto útil.

Após o episódio com Tancredo, adentramos o governo Sarney. E isso não foi nada bom. Você ainda tem dúvidas se deve comprar dólares mesmo no recorde?

P.S.: Aos assinantes que viram a boa matéria no Estadão sobre o lançamento da Vitreo, gostaria de adicionar breve consideração no sentido de esclarecer sobre a adequada direção da seta nessa relação: tudo aquilo foi pensado, em sua origem e concepção, pra você. A ordem dos fatores aqui importa. Neste momento, peço apenas um pouquinho mais de sua confiança e de sua paciência. Vai valer a pena, eu prometo. Pode me cobrar. Está saindo do forno a solução definitiva para sua previdência, o melhor produto do mercado, sem nenhum conflito de interesse, com excelente combinação risco x retorno e implementação de forma prática e eficiente. Talvez com algum atraso — e peço sinceras desculpas por isso —, preciso registrar formalmente o agradecimento ao Icatu e ao brilhante e inovador Felipe Bottino em particular, que ajudou — e ainda ajuda muito — na viabilização desse sonho. Não é uma ajuda à Empiricus, a mim ou à Luciana, mas, sim, aos nossos 200 mil assinantes, que poderão acessar a melhor alternativa possível para sua aposentadoria. Muito obrigado, de coração. Gratidão pode ser rara por aí, mas posso lhe assegurar de que ela ainda existe.

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