Felipe Miranda: O fracasso dos que triunfam
Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research
“Mama, take this badge off of me
I can’t use it anymore
(…)
Mama, put my guns in the ground
I can’t shoot them anymore
(…)
Feels like I’m knockin’ on Heaven’s door
Just like some many times before”
Knockin’ On Heaven’s Door – Bob Dylan
De repente, você acorda e descobre que chegou lá. Deveria estar feliz. Satisfeito com o que conquistou. Mas aí você se olha no espelho e descobre que, na verdade, nada mudou. Sua maior diversão do dia é a mesma do personagem de Kevin Spacey no filme “Beleza Americana”. Talvez ainda um pouco pior com a passagem do tempo.
Antes, você tinha algo tangível que lhe faltava. Algo concreto a perseguir. Era uma missão de vida, uma contingência imposta de maneira objetiva. Agora, nem isso mais.
Você conquistou o que queria e a falta continua lá. Faltavam-lhe dinheiro, reconhecimento dos pares e prestígio profissional. Hoje você tem os três, e muito mais do que jamais imaginou. O vazio interno continua. É Schopenhauer sussurrando em seu ouvido diariamente: isso não vai passar; somos seres impreenchíveis.
Neste exato momento, nem mesmo o que falta você sabe. Você tem tudo. E ainda sente falta, sabe-se lá de quê. É a falta da falta. Essa é a hora mais escura, o grande desafio ontológico do ser humano, que, se superado, nos leva ao Ubermensch de Nietzsche. Uau!
É o personagem de Bradley Cooper – que homem! – em “Nasce Uma Estrela”. É o personagem de Ryan Gosling – que homem 2! – em “O Primeiro Homem” chegando à Lua e enfrentando suas próprias questões internas. É, na linguagem infantil de “A Parte que Falta Encontra o Grande O”, a incapacidade de preencher-se com o externo. É Freud alertando para o fracasso dos que triunfam. É disso que eu estou falando.
O tema já me visitou algumas vezes na terapia. O ambiente psicopatológico funciona pra mim como um jogo de War. Acho que para o próprio Freud era assim também. Ainda que ele não soubesse do tabuleiro, narrou a conquista de espaço sobre as neuroses como o avanço territorial dos Países Baixos sobre o mar. É uma boa metáfora.
Na sexta-feira, quando me levantei do divã e já me dirigia à porta de saída, o Cláudio, antes de se despedir, colocou a mão direita sobre o meu ombro demonstrando que gostaria de falar algo antes da minha partida. Esperou a sessão terminar como se dissesse: “Não é mais seu analista falando, é apenas um amigo agora”. Verbalizou assim: “Você ajuda muita gente mesmo, eu inclusive. Leve isso com você”. Fiquei feliz, com uma simples alegria me servindo para aquietar o espírito.
Saí de lá e fui ao jogo de basquete do Corinthians no Parque São Jorge. Não sou dos maiores fãs desse esporte, confesso. Não que odeie também. Gosto e só. Vou para acompanhar um de meus irmãos, meu camisa 10 favorito. Depois da derrota para o Paulistano, uma pessoa importante ligada ao time (preservo sua identidade por questão de privacidade) veio me pedir para nos reunirmos para trocar uma ideia. Ipsis verbis, foi assim: “Meu primo diz que você mudou a vida dele. Ele quer muito te conhecer”.
Esse tipo de conversa não chega a ser propriamente rara. Mas tem sido mais frequente agora. E isso enseja a necessidade de uma resposta pública, algo como “esclarecimento sobre a minha própria falta de mérito”.
Não é um caso pessoal, embora pareça. É porque estou preocupado com você neste momento – e hoje me refiro mais especificamente àquelas duas pessoas que acompanham nosso trabalho mais de perto.
Hoje é segunda-feira e eu trago um alerta para você. A rigor, são alguns alertas.
Se você tem seguido as indicações de investimento da Empiricus, provavelmente está ganhando muito dinheiro nas últimas semanas. Isso talvez lhe soe arrogante, mas definitivamente não é o caso. O sinal vermelho aponta justamente o contrário.
O primeiro ponto fundamental é que, se você ganhou dinheiro com as sugestões da Empiricus, o mérito é seu, não da Empiricus . Foi você que resolveu tomar para si as rédeas da sua vida financeira e investir a partir de indicações fora do ambiente conflitado dos bancos e das corretoras. Além disso, de forma deliberada ou não, você fez seu próprio escrutínio sobre os racionais de investimento e decidiu seguir em frente, a partir da sua decisão individual. Se alguém tem mérito no processo, é 100 por cento você mesmo.
Isso importa menos, porém. Definições de méritos individuais servem apenas para acalentar egos. “Money talks, bullshit walks.”
Minha maior preocupação, principalmente depois do que aconteceu no Bootcamp Empiricus Eleições, em que as indicações pareciam iluminadas por uma força estranha, é que você leve isso a sério demais, comece a achar que os ganhos recentes, em particular com as opções, representam uma regra, enquanto foram, na verdade, a exceção.
Você não consegue ver muito bem as coisas com a devida perspectiva no momento em que está vivendo aquilo. Mas, muitas vezes, a pior coisa que pode lhe acontecer é ganhar muito dinheiro, caso você não tenha o devido cuidado com aquilo. Aquele triunfo pode significar a semente do posterior fracasso completo. Você arruína a sua vida financeira porque ficou confiante demais a partir do trade anterior. Esse é o ponto.
Meu primeiro investimento foi nas ações da Globo Cabo, tradicionalmente conhecidas como Globo Nabo. Eu perdi muito dinheiro (em termos relativos, claro) com aquilo. Mas formou meu caráter. Foi sorte (e não azar!) de principiante. Eu entendi como os caminhos errados da alavancagem, das promessas de multiplicação dos fóruns de ações, da concentração e do excesso de confiança podem realmente machucar a construção patrimonial.
Se você ganhou muito dinheiro recentemente com as nossas indicações, eu preciso lhe dizer: nós demos sorte. Não vai ser sempre assim. Um dos temas mais caros para mim é justamente a confusão entre competência e sorte/aleatoriedade. Estamos num caso explícito desse problema. A aleatoriedade simplesmente jogou a nosso favor.
Se dessa vez a moeda caiu com a face que nos beneficia voltada para cima, na próxima rodada pode acontecer o contrário. Por isso, mesmo estimulado pelos ganhos recentes, você nunca poderá abrir mão do devido gerenciamento de risco, da manutenção de proteções e seguros em sua carteira. Você vai, sim, continuar com seus dólares no portfólio, ainda que nosso prognóstico de curto prazo seja de que o real ganhe força. O sucesso de hoje não pode ser a semente do desastre de amanhã, em que você fica confiante demais em suas próprias convicções e jogadas, desviando-se da boa gestão de portfólio.
No negócio em que estamos, vamos de heróis a vilões num passe de mágica. No mercado, você é tão bom quanto seu último trade.
Nos momentos em que a soberba e a arrogância vierem lhe visitar, lembre-se dos ensinamentos de sua mãe. Lembre do mito de Anteu, um gigante que extraía sua força do contato com o chão (ou com a Terra, sua mãe Gaia) – Anteu seria derrotado por Hércules em um de seus 12 trabalhos, ao ser levantado do chão e perder o laço com sua própria mãe.
No momento em que você tirar os pés do chão, você será derrotado. O estado de mania e euforia é ruim para o investidor. Planeta Terra chamando…