Opinião

Felipe Miranda: O calendário Maia e o único jogo da cidade

03 jul 2019, 10:50 - atualizado em 03 jul 2019, 11:06
Investidores deverão realizar ajustes e elevar exposição na renda variável 

“Sou doido? Não.
Na nossa casa, a palavra doido não se falava,
nunca mais se falou, os anos todos,
não se condenava ninguém de doido.
Ninguém é doido. Ou, então, todos.”

Guimarães Rosa – A Terceira Margem do Rio

“A loucura é relativa.
Quem pode definir o que é verdadeiramente são ou insano?”

Woody Allen – Que Loucura!

Qual é o seu maior medo?

Sabe, eu sempre tive muito medo na minha infância. Durante muito tempo, até o começo da minha pré-adolescência para ser sincero (e acho isso um tanto ridículo), o filme “It – Uma obra-prima do medo”, baseado no livro de Stephen King, me aterrorizou.

Até hoje, tenho uma espécie de curta-metragem na cabeça, fruto dos pesadelos pueris. Minha mãe me colocava para dormir, apagava a luz do quarto, fechava a porta do recinto e, dali, de trás da porta, saia aquele palhaço assassino absolutamente assustador. Os dentes e as unhas enormes, a careca branca na parte central da cabeça com os cabelos vermelhos saindo pelas têmporas… tudo aquilo compunha uma persona aterrorizante.

O filme me marcou por anos. Rendeu até briga com meu primo Regis. Ele, mais velho, insistiu para eu não assistir àquele terror. Sabia da possível sensibilidade a ser despertada na criança de oito anos à época. Eu, que queria bancar o corajoso para o ainda mais terrível Paulinho do quinto andar, teimei que aquilo jamais me influenciaria. Passado um tempo curto, só 26 aninhos, ainda não gosto de palhaço. Vai lá, machão!

Há uma particularidade nessa história, uma certa complexidade psíquica. Eu não tinha medo de que o palhaço viesse, de fato, a me assassinar. Eu tinha tanto amor e tanta confiança nos meus pais que imaginava que, se o It aparecesse, eles os enfrentariam, impedindo qualquer mazela contra mim. Lúcia e Ramiro supostamente acabariam com a raça dele.

Mas aí entra uma sutileza na coisa. No conto de Stephen King, somente as crianças poderiam ver o tal palhaço. Na história, os adultos não são capazes de enxergá-lo. Hmm… temos um problema aqui. Se a figura maligna aparecesse, eu poderia gritar pelos meus pais. Mas se eles viessem ao meu quarto e os apontasse o palhaço, eles não o veriam ali. Então, eu seria tomado de louco pelos meus pais. Isso é meu maior pavor. Nada poderia ser mais aterrorizante do que perder a admiração e o afeto deles, sendo percebido como maluco.

“E aqueles que foram vistos dançando foram considerados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”

Eu vejo as coisas que se falam hoje sobre finanças e acho tudo muito louco. Sim, talvez o louco seja eu. Sigam-me os bons. Vê se não é doideira. Os “especialistas” querem convencer o cidadão a tirar o dinheiro da poupança e colocar no Tesouro Direto, num fundo DI ou num crédito privado qualquer — ah, tudo que não tem volatilidade parece uma maravilha; se não balança, não tem risco, certo? Ah, certíssimo, igual às torres gêmeas do World Trade Center, que não balançavam até 11 de setembro de 2001.

Numa boa, pergunto: você já fez conta sobre a diferença prática, em grana mesmo, de migrar da poupança para o fundo DI? Sim, sim, até acho que você deve fazer isso. Mas a verdade é que isso não vai mudar sua vida. Olha o título de matéria do Valor de hoje: “Afinal, Tesouro rende mais do que a poupança?”. Se existe a dúvida, se precisamos provar as contas na ponta do lápis, é porque a diferença é pequena, quase marginal (e aqui me refiro estritamente ao Tesouro pós-fixado, pois o termo “Tesouro” nem me parece adequado, dado que existe um montão de coisa lá dentro).

Loucura mesmo pra mim é não perceber que a taxa de juros de um título de 10 anos do Tesouro dos EUA veio abaixo de 2 por cento ao ano, seu menor nível desde 2016. Ou seja, o juro real para 10 anos no mundo desenvolvido é zero. As consequências disso para os mercados, qualquer mercado, em qualquer lugar do planeta, são brutais.

Há interconexão entre os preços dos ativos, pois não pode haver arbitragem entre uma coisa e outra. Um ativo qualquer paga o rendimento do ativo sem risco (Treasury, título do Tesouro dos EUA) mais seu prêmio de risco.

Assim, quando o ativo livre de risco começa a ter um rendimento menor, todo o resto precisa oferecer menor rendimento também, para não haver arbitragem. A forma de ocorrer esse ajuste se dá no aumento de preços generalizado dos ativos.

Há uma montanha de dinheiro no mundo sobre títulos com rendimentos negativos. E isso deve se aprofundar neste segundo semestre, conforme os bancos centrais mundiais reduzam suas taxas de juro e adotem novos estímulos monetários.

Perceba o que acaba de acontecer nos EUA agora mesmo: Donald Trump diz que pretende nomear Christopher Waller e Judy Shelton para o conselho do Fed — são dois nomes favoráveis a juros menores e mais injeção de dinheiro no sistema. No bom português, é juro pra baixo. E, se os EUA reduzem o juro, o dinheiro pode migrar para a Europa atrás de mais retorno.

Mas o Velho Mundo, cujo crescimento é bastante frágil, não aguentaria conviver com um euro fortalecido. Então, Mario Draghi, talvez já coordenado com Christine Lagarde (a nova indicada para o BCE), deve se apressar para cortar os juros também por lá. E a dinâmica vai se espraiando mundo afora.

Conforme muito bem sintetizou Marcelo Mendes, sócio da Bahia Asset Management, ao InfoMoney: “A renda fixa perdeu a graça”. A grande mudança que o investidor pessoa física precisa fazer não é sair da poupança pro fundo DI ou pro Tesouro pós-fixado.

A atitude realmente racional é alongar de maneira notável seus investimentos na renda fixa (pois os prêmios ainda são gordos nos papéis mais longos) e ir para as ações. “This is the only game in town” (esse é o único jogo da cidade). O resto é discurso, conversa politicamente correta de quem nunca lidou com dinheiro de verdade.

Esse movimento já aconteceu e ainda está acontecendo no private banking. Deixe-me contar um segredo sobre esse pessoal. O rico típico no Brasil não fecha suas contas mês a mês. Ele gasta pra caramba e depende do bônus do semestre ou de renda financeira para fazer o match dos fluxos de saída e entrada de recursos.

Quando o juro aqui estava na casa dos dois dígitos, era moleza. O cara tinha, sei lá, 10 paus. Selic era 15 por cento. Ele ganhava 1,5 pau por ano de juros sentado no paraíso do CDI e dos resorts do Nordeste, descontados 20 por cento de imposto e estava lindo. Não precisava fazer mais nada.

Agora, o jogo mudou. E ele precisa pensar seu portfólio para ter verdadeiro crescimento patrimonial e/ou renda financeira suficiente para fechar a conta. Não é uma hipótese. Pergunte para gente grande no private. Já está rolando. Aliás, pesquise o que aconteceu nos EUA quando o juro de 10 anos por lá veio abaixo de 6 por cento ao ano.

“Ah, mas não é muito arriscado? Parece um discurso agressivo do marketing da Empiricus.” Você não precisa ter os 35 por cento da sua carteira em ações, como eu, na verdade, sugiro que tenha. Comece com 5 por cento.

Arriscado mesmo é manter seu dinheiro na poupança ou integralmente exposto à renda fixa, num país cuja trajetória da dívida pública, mantidas as condições atuais de temperatura e pressão, é explosiva. E se o calote vier via inflação (sim, Mara, a inflação também é um calote, nada mais trivial), isso é ruim para a renda fixa também — exceção feita, claro, aos títulos indexados, assumindo que o governo não vai roubar na medição dos índices de inflação, algo bem costumeiro em situações de desespero e descontrole inflacionário.

Não há nada mais agressivo do que deixar seu dinheiro basicamente rendendo igual à inflação e de forma não diversificada, quando existem várias alternativas mais rentáveis por aí.

A inércia, o medo e a preguiça não podem ser admitidos nos seus investimentos só porque “sempre foi assim”. Essa é a verdadeira maldade que se comete com os investidores no Brasil. A banalidade do mal de Hannah Arendt.

Gostaria de encerrar com outras coisinhas que percebo como loucura. São questões bem menores, mas que talvez possam servir ao investidor de alguma forma, ainda que marginal:

1. Querem me convencer a comprar Vale porque o minério está na máxima desde 2013 na China, acima de 125 dólares/tonelada e a ação não subiu. Ora, para mim, parece justamente o contrário. Se a ação não subiu nem quando o minério foi para esses níveis, o que precisa acontecer para esse papel andar? A tonelada do minério vai precisar custar mais do que ouro? Iron is the new gold. O que vai acontecer com a ação quando o minério cair?

2. Ifix, o índice mais tradicional dos fundos imobiliários, me parece uma reta ascendente. Esse negócio vai subir indefinidamente? Talvez. Sei lá. Até acho que existe espaço para andar mais e esse mercado precisa se desenvolver até o infinito. Com juro longo caindo mais e vacância começando a diminuir, daríamos continuidade ao movimento. Ok, beleza. Mas aí entra uma questão relativa: imóvel aqui no Campo Belo não vai mais poder custar 8 mil reais o metro quadrado. Talvez tenha chegado a hora de olhar coisa física mesmo.

3. No segmento de energia é diferente. Deals privados saindo a TIRs muito, mas muito menores do que os ativos listados. Alupar, Eneva, CPFL… vamos raspar todas.

4. Estão todos preocupados com o calendário Maia; no caso, sobre a votação iminente ou não da reforma da Previdência. Entendo a ansiedade. Mas, sejamos sinceros, num ajuste fiscal de longo prazo (e a reforma da Previdência é necessariamente um ajuste fiscal de longo prazo), faz alguma diferença votar em julho ou em agosto? Ok, ok, eu também queria logo superar isso. Mas num gráfico de longo prazo do Ibovespa, desses que a Enfoque dá para os escritórios da Faria Lima e do Leblon, esse atraso não vai parecer nem um soluço.