Felipe Miranda: O ano das microcaps?
Entrei na vida adulta e desisti do perfeccionismo. A perfeição está no mundo das ideias, é platônica. Feito é melhor que perfeito. Só não perde pênalti quem não bate. É a versão futebolística para a distribuição paretiana do 80/20 — 20% de esforço, para 80% de resultado. Você consegue realizar muito mais quando incorpora essa mentalidade.
Perfeccionismo é um defeito, uma manifestação egocêntrica, talvez pelo medo da exposição; uma incapacidade de conviver com seu lado escuro, o médico que tenta esconder o monstro. Prefiro o raulseixismo: “Eu não sou besta de tirar onda de herói (…), entrar para história é com vocês”.
Poucas coisas são mais caras à Empiricus do que o processo de tentativa e erro. É a essência da filosofia da ciência: você só consegue descobrir a verdade a partir da observação empírica, contra os apriorismos dos doutos professores. Aqui, vivemos democraticamente sob a ditadura do teste, que é muito superior à ditadura do argumento.
Aí talvez esteja uma das poucas lições que a turma das startups, mais habituada aos testes A/B, que por meio da inteligência artificial e do machine learning podem se tornar testes A-Z matriciais, possa ensinar à velha guarda do mercado financeiro — é difícil ensinar truques novos a cães velhos (e vice-versa!).
Para isso funcionar, porém, se você vai tomar o teste, algo é impreterível: perceber rápido quando errar. Se você vai falhar, se há uma ideia ruim, aquilo precisa ser descartado o quanto antes. Fail fast, fail small, resumiria Nassim Taleb. A combinação “tentativa e erro” com teimosia é explosiva.
Tenho uma ideia de que, entre outras coisas, a ineficiência do setor público relativamente ao privado deriva da dificuldade de governos realizarem testes de suas políticas.
Não há muitos meios de tentar um novo programa social em laboratório, nem de lançar algo em rede nacional como “vamos testar e ver se dá certo” — imagina a capa da Folha nesse dia? “Governo arrisca dinheiro do contribuinte em teste de novo programa.”
Então, somos condenados a escolher ex-ante o que deve ir pra rua ou não, o que é, pra mim, quase uma impossibilidade lógica. Confesso um sonho pessoal de um dia tentar levar ao setor público a possibilidade de conduzir-se sistematicamente processos de tentativa e erro. Bom, mas essa é outra história.
Ontem, aconteceu algo muito importante para os mercados brasileiros. A ata da última reunião do Copom foi um exemplo de “fail fast, fail small”. Testamos o forward guidance para um mercado emergente com dúvidas sobre sua trajetória fiscal. Percebemos que não deu certo e rapidamente abandonamos o procedimento. Assim como deve ser.
Ao admitir discussões internas sobre aumento da Selic já na reunião e basicamente sugerir início do aperto monetário em março, o Copom recuperou credibilidade, desinclinou a curva de juros (curtos subiram, longos caíram) e retomou o controle da taxa de câmbio. Um golaço.
Com isso, retiramos um risco de cauda importante do radar, de perdermos controle sobre a taxa de câmbio e inflação, o que nos forçaria a uma súbita e intensa subida da Selic mais pra frente.
Esse cenário seria absolutamente destruidor para a economia brasileira e para o nosso processo de “financial deepening”.
Para financiamentos de longo prazo e para o valuation das empresas, importa o juro longo (não o curto). Ao mesmo tempo, a volatilidade e o risco de perda de controle cambial afugentam o investidor estrangeiro, além de causar estrago no balanço e na previsibilidade de empresas que participam do canal externo e/ou que possuem dívida em moeda estrangeira.
Demos um passo importante para retomar a rota das políticas monetária e cambial.
Evidentemente, falta a fiscal, que é também a mais importante. Mas os mercados se movem na margem, com a chegada de novas notícias, e cada vitória precisa ser comemorada (e devidamente apreçada).
Sobre isso, especificamente, residem os maiores desafios. Contudo, se o favoritismo de Arthur Lira vier a se confirmar, podemos voltar a ter avanço nas pautas fiscalistas e reformistas na Câmara.
Claro que todos estamos cientes das dificuldades. Nunca teremos todas as reformas de que gostaríamos, haverá frustrações, muitas vezes vamos querer desistir do Brasil, teremos retrocessos. Mas, em termos líquidos, poderemos avançar.
Assim, resolvidas as questões monetária e cambial e voltando a caminhar com a pauta fiscal, ainda que com tropeços e volatilidade (de novo, isso aqui é a vida real, de verdade; não é o perfeccionismo hollywoodiano ridículo, pois “Durango Kid só existe no gibi”), o Brasil pode voltar a absorver o fluxo de recursos gringos que hoje saem de países estrangeiros para emergentes e reduzir sua grande underperformance frente aos pares dos últimos meses.
Achei bastante sintomático ver Luis Stuhlberger e Rogério Xavier simultaneamente otimistas com os mercados brasileiros em evento do Credit Suisse.
O primeiro afirma estudar trocar S&P 500 por Bolsa local, enquanto Rogério parecia duvidar da própria visão construtiva: “Há muito tempo não fico otimista com o Brasil”.
Historicamente, o Brasil sempre foi um grande beta nos mercados emergentes, demonstrando grande sensibilidade aos fluxos de recursos caminhando em direção às periferias e ao comportamento das commodities. Agora, questões circunstanciais dificultam o nosso protagonismo.
Ligando os pontos.
Depois de um ano de recessão, o mundo naturalmente se recupera. A ideia é de um crescimento sincronizado, embora volátil e permeado por frustrações com segunda onda e atrasos nas vacinas (pela terceira vez: sem platonismo; aqui é vida real).
A menor beligerância entre EUA e China e o resgate de valores mais clássicos da democracia liberal ocidental, como livres mercados, globalização, respeito às minorias, liberdade de imprensa e do judiciário, entre outras, reduzem o nível de risco.
Há uma brutalidade de esforços fiscais ainda sendo colocados nas economias em âmbito global. Os juros seguem excepcionalmente baixos e existe uma quantidade de dinheiro absurda sendo injetada no sistema.
Podemos ter outro pacote fiscal nos EUA, enfraquecendo o dólar e liberando mais recursos para os mercados emergentes. Se superados seus problemas idiossincráticos, só de Brasília não atrapalhar, seríamos destino natural desse dinheiro. Em sendo o caso, isso faz preço, principalmente sobre small e microcaps.
Primeiro, por uma razão óbvia. O impacto de qualquer compra marginal é maior mesmo em small e microcaps. Se eu decidir comprar Vale (VALE3) hoje, nada muda. Se eu resolver aumentar Méliuz (CASH3) ou Enjoei (ENJU3), talvez mude alguma coisa.
Depois, porque sua sensibilidade às condições sistêmicas é maior. Natural. Elas pagam muito mal quando as coisas vão mal, e muito bem quando as coisas vão bem.
Quase por definição, as grandes multiplicações em Bolsa estão em empresas pequenas que viram grandes. Uma empresa grande pode ficar enorme, mas é difícil dominar o planeta. Uma empresa pequena pode ficar média; depois, grande… por fim, enorme.
Para completar, com o rotation trade iniciado ao final de setembro de 2020, bancos e commodities andaram bastante (apesar da correção nas últimas duas semanas). As grandes blue chips brasileiras foram, deixando as small caps com valuation relativo mais atraente.
Podemos estar exatamente diante de um ponto de inflexão. Encerro com um convite: se você, assim como eu, é um apaixonado pelo tema das small e microcaps, participe desta série do Max Bohm sobre o tema Max é a pessoa certa para guiá-lo por um ano potencialmente especial para as small caps.
Errata: ontem, escrevi que o fundo Vitreo Carteira Universa, que se inspira na nossa Carteira Empiricus, vai reduzir sua taxa de administração em 0,1 ponto percentual, para 1,4% ao ano, assim que atingir o patrimônio líquido de R$ 1,5 bilhão. A atual taxa de administração do fundo já é de 1,25%. Obviamente, portanto, eu cometi um erro. A taxa de administração do fundo cairá para 1,15%, quando alcançada a marca em questão. Peço desculpas pelo erro.