Opinião

Felipe Miranda: No que eu acredito

17 out 2018, 11:47 - atualizado em 17 out 2018, 11:47

Por Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research

Nesta semana, sou vivido por um espírito muito forte de Day One. Como já adiantei, na próxima segunda-feira inicio a realização de um sonho pessoal, cumprindo a promessa que fiz a mim mesmo no dia em que meu pai morreu.

Acho curioso como a vida oferece a chance de fazer algo novo apoiando-se sobre os ombros das experiências velhas.

Já fracassei várias e várias vezes, em parte por conta da própria incompetência e dos meus vários defeitos, sucumbindo diante de mim mesmo; em parte por conta da ocorrência de algum fator aleatório no meio do caminho. Aprendi como você precisa dar o seu melhor em cada coisa que resolve fazer na vida e, mesmo assim, pode não ser o suficiente.

Já tive sucesso também, que serviu para me mostrar como, no fundo, tudo isso é bastante ridículo. “Chegar lá” é uma forma muito pragmática de se perceber um verdadeiro boçal e um idiota. Do que se trata tudo? Somos todos um grande escândalo, como resumiu James Hillman — a ocasião era oportuna: ele comentava o Livro Vermelho de Jung, uma perseguição obstinada da própria alma. O título de suas anotações ali era: “Jung e o que é profundamente pessoal” e a frase que, segundo ele mesmo, resumia seus comentários vinha de Wystan Auden: “Nós somos vividos por poderes que fingimos entender”.

Já ganhei dinheiro e não me incomodo com isso. Mas me chateia ver muitos que se aproximam e se fingem amigos só por conta dessa mudança patrimonial, assim como me machuquei na adolescência quando todos se afastaram do papai porque vivemos o processo inverso. Com uma ou outra exceção, os amigos de verdade são os mesmos de 20 anos atrás: o André, o Gustavo, o Reboco, o Ricão, o Filipy, o Regis.

Há coisas que só a experiência de vida pode lhe dar. Eu gostaria de aproveitar o que já vivi para formar o caráter da nova empreitada e inspirar o que vem. É uma espécie de síntese dos meus próprios mandamentos individuais, que acabam, em uma ou outra situação, se misturando aos próprios mandamentos da Empiricus. São fundamentos de vida, mas se aplicam perfeitamente ao mundo dos investimentos — no final do dia, é a mesma coisa. Se ao menos um deles servir na sua caminhada como investidor, já terá valido a pena.

1. O mundo é ininteligível. Em linguagem mais sofisticada, a realidade é não ergódica. A tarefa não é tentar entender o mundo, as forças que o regem, modelando a vida para fazê-la caber numa planilha de Excel capaz de nos antecipar o futuro. A realidade é muito mais complexa do que qualquer inteligência natural ou artificial pode supor. Você nunca, e também nunca, saberá o que vai acontecer. Em termos práticos, só lhe resta perseguir assimetrias, fazendo cálculos de Valor Presente Líquido para os vários cenários possíveis. Se você perde pouco no cenário negativo e ganha muito no caso positivo, aquilo provavelmente vale a pena. Aposte centavos para ganhar dólares, nunca o contrário.

2. Opiniões valem muito pouco. Se você acha uma coisa, formule uma hipótese que seja falseável e a submeta ao teste. O dado manda. Procure consubstanciar suas decisões em dados — apenas neles. Se você não está conseguindo, talvez haja algo errado. Não entre em discussões para querer ganhar ou estar certo. Dialogue com a mente aberta tentando descobrir a verdade. Em decisões financeiras, tente deixar os dados concluírem que aquilo é um bom investimento, blindando-se dos próprios vieses cognitivos. Você não precisa estar certo, você quer ganhar dinheiro.

3. O liberalismo pode ser imperfeito, mas não há nada melhor. Ele deve valer como princípio e valor, ou seja, precisa ser universal. Vale para a gestão de política econômica, vale para os costumes. Nada pode estar acima da liberdade. Mas há algo pouco comentado sobre as vantagens do liberalismo: sem um ente central ditando o que as pessoas e as empresas devem fazer, alimenta-se a possibilidade de várias tentativas descentralizadas com perfil de retorno convexo. Ou seja, em que perde-se pouco se der errado e ganha-se muito estando certo. Pense no caso de várias startups. Ninguém sabe ao certo onde vai chegar, mas vai tentando de maneira descentralizada e uma, de repente, vira o novo Google. O conhecimento evolui por tentativa e erro, por serendipity e pelo tinkering predominantemente. Não puna o erro. Puna quem não aprende com ele.

4. A sorte cumpre um papel fundamental na vida. E preciso caracterizar adequadamente o que quero dizer com sorte. A sorte nada tem a ver com predestinação ou coisa parecida. Você aumenta sua chance de ser premiado com algum evento aleatório positivo incrementando seu nível de exposição. Tente, tente, tente. Trabalhe, trabalhe, trabalhe. Uma hora a sorte vai atingi-lo em cheio — não se incomode com todos gritando “sortudo”, eles não sabem das outras 2.978 vezes em que você deu azar. Iludidos pelo acaso. Nas finanças, compre de maneira diversificada uma porção de coisas (muitas e muitas) que podem subir muito. Uma delas vai se multiplicar por um fator grande e você pode ficar rico. Participe de vários ICOs de criptomoedas pelo mundo colocando um pouquinho de dinheiro — uma deles vai ser o próximo unicórnio por mera aleatoriedade e você vai aparecer na capa da Exame como o novo gênio trilhardário das criptomoedas (a partir daí, nunca mais invista um real; capa da Exame, Eurasia e rabino são o Mick Jagger do mercado de capitais). P.S.: ICOs de criptomoedas são apenas um exemplo particular de uma filosofia geral. Pode substituir o argumento por small caps, opções fora do dinheiro, startups, terrenos em praias isoladas do Ceará. Qualquer coisa que vale zero hoje, mas pode valer zibilhão no futuro.

5. Brilhantismo pessoal é o grande diferencial. Processos, tecnologia, governança, path dependence… tudo isso é importante. Para mim, porém, o que realmente muda o jogo são boas pessoas. “I am a people’s person” e, modéstia à parte, tenho sensibilidade para identificá-las. Deixe-me corrigir: não falo de pessoas apenas “boas”. Refiro-me àquelas realmente capazes de fazer algo extraordinário, do tipo de gente que você percebe uma excepcionalidade lendo um parágrafo de sua escrita ou conversando por dois minutos na mesa de um boteco. Às vezes, basta um olhar dentro do olho. Aquelas pessoas cujas almas parecem habitadas por uma multiplicidade de sensações, desejos, citações, ideias, vidas. Gente interessante e interessada. Para mim, são misturas dos “intellectual navy seals” de Ray Dalio com os jesuítas de Santo Inácio de Loyola (ainda que não saibam dessa última parte), obedecem ao “magis” e a uma vocação, a um chamamento metafísico, ao “daimon” do mito de Er, descrito por Platão em “A República”. Se vai comprar uma ação, investigue quem é o seu controlador e como está o management da companhia. Do ponto de vista individual, leia ao menos um livro por semana. Ideias consensuais levam a retornos consensuais. O extraordinário depende de brilhantismo.

6. Opcionalidades valem muito mais do que as pessoas imaginam. Na Bolsa e na vida. Uma das várias coisas boas que podem acontecer pode, de fato, acabar acontecendo e isso muda tudo. Às vezes, vale a pena perder um pouco de dinheiro só para se expor a uma chance. Ame perder dinheiro. Só quem perde dinheiro pode ganhar muito dinheiro. De novo, as grandes porradas da vida não vêm da descoberta a priori do quanto aquilo poderia valer lá na frente. As coisas acontecem por tentativa e erro. Se você tem muito medo de errar, você nunca vai acertar grande. Um acerto grande implica desafiar o consenso, apostar no improvável — ninguém quer apostar no improvável, por isso ele paga tão bem. Como resume Taleb, “start looking from the tail” (comece olhando para os eventos extremos).

7. Por mais que você deva apoiar-se em dados em suas decisões, intuição conta. Em tudo na vida, há muito de conhecimento tácito, não formalizável e não estruturado. Mais interessante ainda é que, muitas vezes, conhecimento tácito é justamente o maior diferencial, porque, por definição, não pode ser transferido para outrem, fica guardado como uma coisa única pertencente àquele gênio particular. Pergunte para o Stuhlberger como ele toma as decisões de investimento dele. Por mais que tente, sou capaz de apostar que, na prática, os movimentos são muito mais sofisticados do que ele pode traduzir em palavras e equações. Intuição nada mais é do que um monte de conhecimento que fica acumulado lá no fundo. Por isso, a opinião de alguém competente, que tenha feito aquilo bem ao menos três vezes na vida, precisa contar mais, a princípio, do que a de um iniciante.

8. Nunca perca de vista o conceito de trade-offs. “Cada escolha uma renúncia”, diria o mestre Chorão. Entenda que, na vida cotidiana, a escolha ótima não vai ser colocada na sua frente. Você precisará escolher entre o “ok” e o “razoável”. Tudo implica alguma perda. Por trás da ideia, está o conceito de custo de oportunidade. Quando você aplica em ações, está perdendo a chance de investir em renda fixa — e vice-versa. Quando compra um apartamento, desvia da possibilidade de acumular capital na Bolsa. Ainda recebo e-mails do tipo: “Quero ganhar bastante dinheiro, mas não quero correr muito risco. O que eu compro?”. Olha, eu também quero; é uma pena que não rola.

9. A regra básica de finanças é comprar barato e vender caro. Não desvie dela. Acho que Benjamin Graham e Warren Buffett podem ser muito úteis para ajudar a identificar o que é barato. Mas deixo claro que não acredito no conceito de valor intrínseco. Influenciado pela teoria da reflexividade de George Soros, acho que a realidade interfere nas expectativas numa caminhada dialética, valendo a volta também. Ou seja, o “valor” das empresas depende de um fator externo a elas mesmas, portanto, não pode ser intrínseco, inseparável, indissociável, dependente apenas de seus próprios elementos. Só há valor extrínseco, e esse é mais difuso do que o intrínseco. Buffett se liga a Taleb no momento em que ajuda a nos certificar de que o espaço para as surpresas está do lado positivo.

10. Seja você mesmo.

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