Felipe Miranda: Natal e Investimentos
Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
Sim, eu vou misturar Natal e investimentos. Destarte, rebato as críticas de supostamente estar profanando. Pra mim, ambas as coisas são sagradas, ainda que uma herança medieval queira nos impor atributos pecaminosos à usura e ao lucro.
Penso o exato contrário. Certamente, o dinheiro não é a coisa mais importante, mas também seria hipocrisia descartá-lo como peça relevante no nascimento e na sustentação de uma família unida e próspera — e de que se trata o Natal senão disso?
Peço desculpas àqueles que não têm no Natal um momento tão especial. Seria mais ecumênico, educado e politicamente correto me referir ao “período de festas”. Espero que mesmo esses entendam como algo mais simbólico, como um espírito de nascimento e renovação, não necessariamente de conotação religiosa.
Volto. Pode lhe soar contraintuitivo, mas eu mesmo não ligo muito para essa história da grana — o que atina minha alma mesmo é o propósito; o resto é consequência. O dinheiro é legal para poder trazer algumas outras coisas pra gente. Fora isso, vale zero. Caixão não tem gaveta.
Fico feliz de poder oferecer tranquilidade para minha mãe, prover o relevante (sem ostentação e com restrições) para o João Pedro, poder viajar com a família sem fazer conta e projetar outros filhos lá na frente. Se não for nessa direção, pra quê? Uma conta bancária gorda por si, apenas para o dinheiro transformar-se em mais dinheiro, significa almas miseráveis.
Ah, sim, também há algo triste no Natal e neste em particular — tenho uma saudade danada da época em que passávamos juntos, casa cheia, jogando futebol no corredor e vídeo game com a fita recém-ganhada do Papai Noel (viramos uma madrugada jogando a novidade Street of Rage 2).
O papai faz uma falta enorme também — e ainda que tenham se passado oito anos, sua cadeira continua lá, sem que consigamos ocupar. Às vezes, acho que é por respeito a ele. Às vezes, acho que é porque ele continua sentado ali, a gente só não está vendo — dois espíritos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Minha alma também está um pouco machucada por ser o primeiro Natal em que vou passar longe do JP, a pedido da mãe — fica aquele vazio dentro da gente, tá louco.
Depois de vários anos, optei desta vez por focar a parte bonita da coisa. Ao menos até agora, estou conseguindo. Possivelmente porque o ano foi muito difícil pra mim em termos pessoais. Lutei por meses contra a depressão e me divorciei de uma mulher incrível, a quem só posso desejar as melhores coisas do mundo (e se eu puder ajudar, mesmo que modestamente, lá estarei).
Com educação formal jesuíta e criado sob a presença marcante de uma mãe muito católica (ela vai à missa todo domingo e reza terço com frequência), fica mais fácil permitir-se um viés positivo depois de pagar sua penitência.
Acho mesmo que estou nascendo de novo, como se este Natal fosse pra mim, em vários aspectos, meu Day One.
Como é curioso como os mercados financeiros também nos ofereçam a capacidade de renascer todos os dias. Papai gostava sempre de dizer: “Bolsa tem todo dia”, para lembrar o quanto podemos fazer lucros melhores amanhã do que fizemos hoje.
A cada momento, o mercado lhe traz a chance de um recomeço, de mudar tudo na direção de algo mais rentável e sólido. Vale para a pessoa que nunca investiu um real na vida, vale para o investidor mais sofisticado de todos.
Se o seu dinheiro está na poupança rendendo pouco, lembre-se de que o peru do Natal de 2019 pode ser pago com os rendimentos de uma pequena mudança nos suas aplicações — há coisas bem mais rentáveis e sob perfil de risco totalmente controlado.
Comece comprando um fundo DI qualquer só para aquecer os motores e ver que sair da poupança não mata (o do BTG Digital é o melhor). Depois vá testando outras coisas, pequeno, para não se ferir; adicione alguns títulos indexados à inflação, depois os prefixados. Compre um pouquinho de moeda estrangeira porque não somos loucos de ficar 100 por cento expostos a essa moeda exótica que é o real. Depois teste os fundos imobiliários e as ações — pode começar com os fundos de ações e/ou a gestão passiva. Temos ótimos FIAs por aí e eu posso lhe citar quatro como indicações gratuitas de presente de Natal: Atmos, Bogari, Brasil Capital e Velt (excluí a Dynamo porque é outra categoria, hors concours; o “troféu Dynamo” poderia ir para uma dessas).
Já se você é mais sofisticado ou mesmo profissional, olhe para sua carteira, todo dia, e pense na possibilidade de um recomeço.
As posições que estão ali são mesmo as melhores para trazer novos lucros à frente? Esqueça o ego ou o quanto você está perdendo numa determinada posição. O gestor profissional, em especial se escreveu publicamente sua tese, por vezes fica constrangido de mudar a posição só porque se “comprometeu” com aquilo — ele até pode não estar mais tão convicto no racional, mas “ficou caro” vir a público assumir o erro. Só os tolos não mudam de opinião. Só os arrogantes e os que nunca fizeram nada na vida não erram. George Soros resume a questão: eu erro assim como todos os demais. Se tenho algum diferencial, é que percebo meu erro rápido e imediatamente troco de posição, sem me apegar.
Fora do ambiente profissional, o investidor carrega por tempo demais posições perdedoras. Não quer assumir para si o erro e se sente aprisionado numa ideia, sei lá por quê, de que precisa recuperar um prejuízo naquele mesmo ativo que comprou mais caro. Por que não vender aquele investimento ruim e recuperar num outro, com perspectivas melhores?
A cada vez que o sinal do pregão toca de manhã anunciando a abertura, sua carteira pode nascer de novo. Se eu pudesse lhe sugerir algo a partir da comoção do espírito de Natal, seria para apreender essa noção.
Deveríamos tratar nossa relação com os investimentos de maneira sagrada, da mesma forma com que tratamos nossa relação com Deus.
É curioso como essas coisas se conectam em várias formas na minha cabeça — no final do dia, cara, é tudo sobre a vida, sabe?
Supostamente, Blaise Pascal teria resolvido o problema de acreditar ou não em Deus. Para ele, o mais racional seria crer no divino. Haveria uma assimetria favorável.
Se você acreditar e Ele existir, você vai pro céu. Se você acreditar e Ele não existir, não perdeu nada por acreditar.
Já se você não acreditar e Ele existir, ganhará uma bela duma punição. E se você não acreditar e Ele não existir, nada acontece.
A matriz de payoff dessa brincadeira aponta para a decisão racional de acreditar. Ela é uma opção de graça.
Qual o problema dessa história? Opções de graça não existem. Isso implica uma disfunção entre o que você paga (zero) e o que você leva. Os deuses exigem uma relação de confiança e afinidade emocional, arriscando a própria pele.
A ideia do sacrifício está presente em várias religiosos e na Sagrada Escritura. Está escrito em Hebreus 9:22: “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue, não há remissão.” No cristianismo, a ideia do sacrifício foi abolida com o tempo sob a interpretação de que Jesus se sacrificou por nós. A partir da eucaristia, o sacrifício literal foi substituído pelo metafórico: “o nosso Salvador instituiu na última ceia, na noite em que Ele foi entregue, o sacrifício eucarístico do Seu Corpo e do Seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos.”
No mercado financeiro, também não há opções de graça. Para ter lucros maiores, você precisa arriscar a própria pele — incorre-se em um pouco mais de risco (controlado) em prol de mais retorno. Seja como for, eu aproveitaria o derramamento de sangue dos últimos dias em Wall Street para comprar algumas coisas na promoção de Natal.