Felipe Miranda: Minha única ideia de investimentos, que nem é minha
Não tenho redes sociais. Até tentei por duas vezes, mas desisti. “Não tenho temperamento para isso”, disse Paulo Guedes, ao se referir à articulação política pela reforma da Previdência. Ah, me representa. Não, não estou me comparando. É só que Mercúrio parece viver retrógrado no Twitter.
Você tenta sair de algo, mas nem sempre esse algo sai de você. Navegando por aí, me deparei com o artigo “Why you should care about the Nate Silver vs. Nassim Taleb Twitter war – How can two data experts disagree so much?”, de Isaac Faber.
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Nate Silver é um estatístico, fundador do famoso site de previsões, principalmente eleitorais, FiveThirtyEight (o nome vem do número total de votos possíveis dentro do colégio eleitoral dos EUA). Ganhou bastante notoriedade diante do aparente alto índice de acerto de suas projeções.
Nassim Taleb é… bom… você já sabe.
Com sua educação suíça típica e a delicadeza que lhe é característica, Taleb tem acusado publicamente Nate Silver de não saber dar o devido tratamento probabilístico às projeções. Em um tuíte do final do ano passado, mandou algo assim: “Nate Silver acaba de provar, na segunda eleição em sequência, que ele não sabe como a matemática funciona”.
Não se trata de uma crítica desprovida de fundamentação técnica. Nassim tem um artigo técnico a respeito, batizado “Election Predictions as Martingales: An Arbitrage Approach”.
Os quatro leitores talvez já saibam meu lado nessa história. Agora, não posso negar um ponto a Nate Silver. O rapaz é espirituoso e foi preciso nesta resposta:
“Lembra quando você tinha ‘skin in the game’ (sua pele estava em jogo) e coisas interessantes a dizer, em vez de ficar reescrevendo quatro vezes o livro que você publicou em 2001?”
Eu adoro os quatro livros do Taleb — deixei de lado a obra técnica de “Dynamic Hedging” e o de aforismos “The Bed of Procrustes” porque nem acho que compõem o mesmo corpo. Mas, na real, se você for parar para pensar eles representam mesmo uma única ideia.
Digo isso sem ofensa alguma. Ter uma grande ideia na vida já é coisa pra caramba. Estou à espera da minha. Por enquanto, em vão. Acho que o próprio Taleb reconhece gozar de apenas uma única ideia, tanto que reúne os livros no pacote “Incerto”.
Qual seria essa ideia? Poderíamos resumi-la em algum texto, parágrafo, frase ou até, quem sabe, numa única expressão?
Para mim, se olharmos com a devida profundidade, tudo está refletido em “Como viver em um mundo que não entendemos?”.
Subjacente à ideia, está a noção de que a vida é mesmo ininteligível. Que o mundo está sujeito às intempéries da Deusa Fortuna e à capacidade da aleatoriedade de influenciar dramaticamente nosso cotidiano. Que acontecem surpresas no meio do caminho que jamais poderíamos contemplar a priori.
Que precisamos de um instrumental analítico pragmático para lidar com tudo isso. E que também devemos nos amparar em algum arcabouço ético e moral, evitando os ditos intelectuais e os cientificistas que acham que podem explicar o mundo, por meio de opiniões de toda a sorte sem qualquer exposição àquilo.
Começamos pelo “Iludidos pelo Acaso”, publicado originalmente em 2001. Ali está o reconhecimento do quanto a sorte e a aleatoriedade cumprem um papel fundamental na definição (e falo definição mesmo, não apenas uma influência marginal) no percurso das coisas.
Não significa que a competência não seja relevante. Claro que é. Mas, ao mesmo tempo, a randomicidade acaba elegendo vencedores e perdedores.
A Empiricus só tem o modelo de negócios atual, replicado de nosso sócio norte-americano (a maior publicadora de newsletters financeiras do mundo), porque o ex-chefe do amigo da Bia encontrou um diretor da Agora num casamento em Cingapura e falou da gente (sim, é verdade). E acho que só estamos onde estamos por conta da tese O Fim do Brasil.
Poderia citar vários outros exemplos. O Verde seria o VERDE se não fosse a viagem de Luis Stuhlberger para Foz do Iguaçu? Bolsonaro estaria eleito se não fosse o áudio vazado do “Bessias”? A Previdência já estaria reformada se não fosse o Joesley Day?
Todos eventos aleatórios ditando o rumo das coisas.
É quase uma tautologia chegarmos ao “The Black Swan”, o segundo livro. São os eventos considerados raros, de alto impacto e imprevisíveis que mudam tudo. Há um link óbvio com a ideia da importância da aleatoriedade, com a falência da ideia de materialismo histórico e com a ocorrência de coisas fora do radar.
A obra “A Lógica do Cisne Negro” é a desconstrução da capacidade de aplicarmos a ciência e a estatística para fenômenos sociais complexos. Vai aparecer algo no meio do caminho para definir tudo, sem que nós possamos antecipar o que será esse algo.
Ora, se o mundo é assim tão frívolo e aleatório, se tudo pode mudar a qualquer momento, precisamos de um arcabouço prático para lidar com isso. Como nos proteger ou até mesmo nos beneficiar dessas surpresas avassaladoras que podem chegar a qualquer momento e bagunçar o coreto?
Então, a gente chega ao terceiro livro: “Antifrágil”. Se não sabemos o que vem pela frente, precisamos ponderar entre os cenários potenciais bons e ruins. Fazer contas sobre o quanto se pode perder no caso negativo, e o quanto se pode ganhar no caso positivo — levando cada um dos quadros ao limite. Em sendo o ganho potencial maior do que a perda máxima, essa seria uma estratégia antifrágil.
Esse seria o instrumental pragmático individual. Mas como resolver questões de sociedade, dos intelectuais que acham que podem antever o futuro e acabam expondo a todos a riscos enormes? Precisamos expô-los às consequências dos próprios atos, uma espécie de Código de Hamurabi moderno. Isso precisa ser levado a sério e com profundidade.