Empiricus Research

Felipe Miranda: Meus heróis morreram de overdose – moral da ambiguidade

10 jun 2019, 11:48 - atualizado em 10 jun 2019, 11:48

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Quanto mais estudei finanças e investimentos na vida, mais percebi minha ignorância. O paradoxo do conhecimento vale também para a construção patrimonial.

O caráter contingente, complexo, aleatório e incerto dos mercados limita nossa capacidade de fazer coisas muito grandiosas, como se fôssemos dotados de algum superpoder.

Mas que isso não se confunda com certo niilismo, como se nada pudéssemos fazer. Talvez a mágica esteja em descobrir que não há mágica alguma. E que a grande vantagem repouse em aceitar a contingência, reconhecendo as limitações, evitando erros relevantes e caminhando por um percurso de retornos que, se não serão os melhores do ano (o líder do ranking é, entre outras coisas, um louco que deu certo, cuja alavancagem e concentração foram agraciadas circunstancialmente pela escolha da deusa Fortuna com a materialização daquele cenário específico traçado pelo gestor em meio a uma infinidade de possibilidades), mostrarão consistência em décadas.

O mercado financeiro não é diferente da vida cotidiana. Afinal, está circunscrito às mesmas leis físicas de toda a natureza, como tudo que há sob o Sol. Temos nossas limitações físicas, informacionais e patrimoniais, além de enfrentarmos as restrições contingentes do dia a dia. Podemos encarar isso com tristeza e passividade ou ver a coisa de uma forma mais construtiva e propositiva. Como a proposta de Merleau-Ponty, que reconhecia nossas limitações e fraquezas, mas identificava nelas algo esplendoroso, pois eram justamente nossas características humanas, em todas suas sutilezas, que nos ligavam ao mundo.

Como viver num mundo que não entendemos?

Simone Beauvoir, outra existencialista, prescreve receita interessante num breve ensaio de 1947, chamado “Por uma moral da ambiguidade”. Ali, expõe-se a relação aparentemente conflituosa entre nossa inexorável liberdade como seres humanos e nossas limitações físicas e sociais, que, claro, podem ser vistas como inibidoras da total liberdade. Para Beauvoir, porém, esse não se apresenta como um problema a ser resolvido. É simplesmente como os homens e as mulheres são. A ambiguidade está na nossa constituição, na essência. Não há como banir as restrições, manipular a incerteza ou abolir nossas fraquezas físicas e psíquicas. Elas estão ali e temos de lidar com isso.

Temos de tentar ao máximo assumir o controle das coisas, mesmo sabendo que elas continuarão contingentes e, em alguma medida, incontroláveis. Entender a nossa limitação dada pelas circunstâncias e, simultaneamente, perseguir de maneira implacável nossos projetos como se estivéssemos no controle do manche.

A receita para o convívio com essa ambivalência parecia potente. Uma pena depois ter sido abandonada pela própria Beauvoir diante de seu posterior enquadramento marxista.

Pra mim, a ideia persiste. Está aí o reconhecimento de seres humanos como falíveis, incapazes da perfeição, mas ainda hábeis em fazer coisas grandiosas. E que bom! O perfeccionismo é, na minha visão, um grande defeito narcísico, de quem não pode reconhecer os próprios defeitos, de quem precisa conviver platonicamente com a ideia de traçar uma rota ótima idealizada sem apego à vida real, de quem luta por ser totalmente imaculado de derrotas e tropeços, num track record irretocável cujo alcance se dá apenas por aqueles que ainda não nasceram ou ainda não tentaram.

Lá em 1910, Roosevelt já havia preconizado: o mundo é feito por aqueles que estão na arena, cujos rostos estão marcados por poeira, suor e sangue — não pelos críticos sempre dispostos a apontar o dedo ou a colocar-se na posição de que fariam melhor. Ora, então por que não fizeram?

Amanhecemos com a notícia das trocas de mensagens vazadas por reportagem do Intercept, que tem entre os fundadores Glenn Greenwald, uma espécie de Leonardo Attuch marginalmente melhorado (a versão tupiniquim costuma ser pior, fazer o quê?), em que Sergio Moro dá certas diretrizes à Operação Lava Jato e indigna-se com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar entrevista do ex-presidente Lula.

A temperatura política certamente aumenta bastante, mas há que se analisar com a devida cautela. Há ali, no mínimo, o tangenciamento de uma área cinza da ética, com a atuação coordenada entre o juiz e o Ministério Público ferindo o princípio da imparcialidade. Também precisamos esperar os próximos dias e as novas publicações. Por fim, é evidente que os partidos de oposição usarão todo o discurso estridente para tentar transformar isso numa crise política de maiores proporções, cobrando possivelmente a demissão do juiz Sergio Moro e enaltecendo as potenciais irregularidades da Operação Lava Jato.

Em contrapartida, há ponderações importantes a se fazer. Contratar de imediato, conforme tentam fazer alguns analistas, uma “crise de junho” ou falar que as notícias vêm para arrefecer o suposto “otimismo infundado que se instalou” parece mais uma tentativa de justificar o fato de não ter pego a alta do mercado nas últimas semanas do que propriamente analisar de maneira imparcial a situação, ainda em efervescência.

Descobrimos que Sergio Moro e Deltan Dallagnol não são heróis perfeitos? Que eles também conversam — às vezes, até falam mais do que deveriam e se emocionam diante da descoberta do maior esquema de corrupção da história brasileira? Alguém ainda tinha dúvidas de que eram, assim como todos nós, falíveis? Aquele circense PowerPoint do Deltan não bastou?

Sempre houve um caráter ambivalente da Operação Lava Jato. Endeusá-la como a definitiva solução para o Brasil era um grande conto de fadas — cedo ou tarde, seus mocinhos também cometeriam erros. Ao mesmo tempo, defenestrá-la como a manifestação de uma cruzada direitista contra as conquistas promovidas pela esquerda era ainda mais superficial e maniqueísta.

Hoje acordamos com a certeza de que, à frente da Operação Lava Jato, estavam/estão homens, não mitos ou heróis. E que se investigue tudo o que for preciso também a seu respeito, sem julgamentos antecipados. Apurem-se eventuais culpados e estabeleça-se a devida punição. Caímos na real, é isso?

Meus inimigos não estão mais no poder, mas meus heróis morreram de overdose há muito tempo — ou naquele acidente em Ímola, em 1994.

Acima das fragilidades e das sutilezas humanas, porém, há algo substancial, tangível e concreto: foi a Operação Lava Jato que descobriu e desmontou ao menos parte do maior esquema de corrupção da história brasileira. Seus eventuais excessos não podem apagar isso.

Um dos maiores segredos do investidor de sucesso é a capacidade de separar o que é ruído de sinal. O governo pode ter suas fraquezas — e as notícias agora envolvendo Sergio Moro são parte delas. Mas, com afastamento, você vê as coisas melhorando e caminhando na direção de materializar o bull market estrutural.

Em poucas semanas, foram aprovados a MP de combate a fraudes no INSS, o marco regulatório para o setor de saneamento, a possibilidade de venda de subsidiárias de estatais sem precisar passar pelo Congresso. Nesta semana, deve ser apresentado o relatório sobre a reforma da Previdência.

Paralelamente, a chance de queda da taxa básica de juro nos EUA volta a ser tratada com seriedade, com membros do Fed admitindo publicamente esse caminho potencial diante da fraqueza da atividade na margem e da inflação sob controle. Mesmo a guerra comercial, que vinha castigando os mercados nos últimos meses, deu uma trégua (sabe lá até quando), com Trump adiando novas tarifas sobre os produtos chineses e entrando em acordo com o México.

Somando os dois parágrafos anteriores com nova revisão para baixo nas estimativas de inflação, conforme acaba de apontar o boletim Focus, as chances de queda da Selic são enormes para o segundo semestre — a mediana Top 5 para a variação do IPCA em 2020 passou de 4,00 para 3,90 por cento. Você já imaginou o que seria um juro básico de 5 por cento? E traçou um plano adequado para seus investimentos para esse cenário potencial?

Aos trancos e barrancos, como é a vida real, o governo vai caminhando. Podemos ter choro e ranger de dentes, volatilidade no meio do caminho e até mesmo queda de curtíssimo prazo diante do aumento da temperatura política, mas o sinal me parece bem mais alto do que o ruído. É isso que vai contar no longo prazo.

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