Opinião

Felipe Miranda: Meus erros e a rua da misericórdia

21 set 2018, 10:55 - atualizado em 21 set 2018, 10:56

Por Felipe Miranda,  estrategista-chefe da Empiricus Research

“Looking down on empty streets, all she can see
Are the dreams all made solid
Are the dreams all made real

All of the buildings, all of those cars
Were once just a dream
In somebody’s head”

Mercy Street – Peter Gabriel

“Eu não falhei. Apenas descobri 10 mil maneiras que não funcionam.” Um clássico de Thomas Edison.

Prefiro a versão esportiva para provar o argumento.

“Eu errei mais de 9.000 arremessos na minha carreira. Perdi quase 300 jogos. Em 26 oportunidades, confiaram em mim para fazer o arremesso da vitória e eu errei. Eu falhei muitas e muitas vezes na minha vida. E é por isso que tenho sucesso”, um jogador de basquete menor, de nome Michael Jordan.

Tirei a sexta-feira para falar dos erros, dos nossos, dos outros e de como tratá-los. Decidi falar do assunto por dois motivos. O primeiro: tratamos o erro aqui dentro de forma diferente do que vejo aí fora. O segundo: aproveito um caso real e vivo como exemplo concreto para ser usado em outras novas situações semelhantes, que certamente vão voltar a se repetir.

Começo do final. Ontem, as ações de Gradiente caíram 46 por cento em meio a uma disputa com a Apple pelo uso do termo “iPhone”. Antes disso, hiperbolicamente, vinham se multiplicando por 2x a cada dia, diante da expectativa de que pudesse vencer a briga com a Apple. Não sei o que vai sair daí. Não entendo do caso e, pra ser sincero, não me importo. Estou interessado no fenômeno como algo mais geral, na lição a ser extraída daí.

Até a véspera, alguns de nossos leitores vinham questionando: “Como a Empiricus não indicou as ações de Gradiente? Estamos perdendo uma grande oportunidade.”.

Talvez o leitor mais exigente rebateria dizendo que os papéis ainda sobem 200 por cento no ano. De novo, não importa para a construção do argumento central. Não estou tão interessado se IGBR3 vai subir ou cair nos próximos pregões. A história das economias e dos mercados financeiros oferece um zilhão de exemplos de bolhas especulativas: as tulipas holandesas, a crise de 1929, a bolha pontocom nos EUA, as hipotecas subprime, a situação com os mares do sul, a bolha do alicate e por aí vai.

Quero chamar atenção para os erros tipo 1 e tipo 2, aplicando ao universo das finanças o rigor científico estrito. Se me permite um parêntese rápido sobre isso, uma das diferenças da Empiricus é que ela foi fundada por pessoas com compromisso epistemológico e viés acadêmico. Fecha parêntese.

Erro tipo 1 é tomar como verdadeiro o que é falso. Ou seja, você acha que uma ação é boa e compra, quando na verdade ela é ruim.

Erro tipo 2 é tomar como falso o que é verdadeiro. Você acha que uma ação é ruim e não compra, quando na verdade ela é boa.

Há diferença na prática entre cometer um tipo de erro ou outro?

Claro que sim. E ela muda tudo. O erro tipo 1 pode simplesmente expulsá-lo do jogo em definitivo, envolve risco de ruína e promove real prejuízo financeiro. Deve ser evitado a todo custo. O erro tipo 2 é diferente. É o tipo de erro que você pode cometer. Mais do que isso, você o comete todos os dias. Neste exato momento, há uma startup maravilhosa nascendo sem seu investimento. Há um bull market sendo iniciado em algum lugar do mundo. Perdemos, estamos perdendo e perderemos muitas oportunidades na vida. É inexorável.

Comprar uma ação e perder dinheiro é bem diferente de não comprá-la e deixar de ganhar dinheiro.

Toda a ciência foi desenhada justamente para permitir o erro tipo 2 e eliminar o erro tipo 1. Isso é a síntese do falsacionismo popperiano, que sempre se propõe a rejeitar hipóteses, em vez de aceitá-las como verdadeiras.

Aqui dentro, permitimo-nos cometer o erro tipo 2 com muito mais tranquilidade do que o tipo 1, e minha sugestão é que faça o mesmo, sabendo que, a cada minuto, você estará sob o viés cognitivo batizado de FOMO (fear of missing out ou medo de ficar de fora).

Isso quer dizer que não cometemos o erro tipo 1?

Óbvio que não. Cometemos vários, todos os dias. Por mais que nos esforcemos, sejamos muito dirigentes e estudemos de maneira obsessiva (aliás, desde criança, de forma doentia), erramos, erramos e erramos. E acho curioso que as pessoas sempre lembrem dos erros com OGX, HRT e Inepar.

Noutro dia, faz pouco tempo, Caio veio me mostrar uma provocação no Twitter: “A Empiricus recomendou OGX…kkkkk!!!”.

Eu fiquei feliz demais. Se nosso grande erro aconteceu seis anos atrás, então está ótimo. De lá pra cá, erramos tantas outras vezes. Será que o cidadão não percebeu?

Pessoalmente, me incomodo muito mais com HRT do que com OGX. Embora tenhamos, sim, errado com OGX, ali foi meio consenso — quase todos a recomendavam à época. Mais do que isso, o sujeito que seguiu todas nossas sugestões em torno do case saiu ganhando dinheiro. Indicamos, sim, a compra por muito tempo (o que foi um grande erro), mas depois viramos a mão, sugerindo venda e compra de put, com saldo líquido final positivo no trade. Mas deixemos isso de lado. Aceito tranquilamente que foi um erro. E ponto.

Com HRT, foi muito pior. Aqui a culpa é 100 por cento minha. E não me perdoei até hoje por isso. Sabe por quê? Porque ali eu traí minha alma. Fui contra a própria essência da Empiricus ao acreditar no “especialista Márcio Mello”. Como fui burro. Sextus Empiricus, nossa alma mater, escreveu o livro “Contra os professores”. Por que fui acreditar num superespecialista, o professor do petróleo Mr. Go Deeper? Não há desculpas para ter fugido de mim mesmo. “Eu queria sair de tudo o que eu era, para entrar num destino melhor”, lembro do Guimarães Rosa.

Em relação à Inepar, bom, ali foi outra história, que não vale a pena contar aqui. Ela está nas páginas policiais — entendedores entenderão a ambiguidade proposital.

Fato é que não queremos fugir dos erros. Ao contrário: os encaramos de frente, sem empurrá-los para debaixo do tapete. O crescimento vem a partir do erro, da dor e da autorreflexão. Esse deve ser um processo contínuo.

Neste momento, estou implementando na área dos pesquisadores da Empiricus uma nova ferramenta que vai contar na remuneração variável do especialista. A ideia é a seguinte: se o sujeito errar uma indicação e não registrar esse equívoco na ferramenta, ele seria punido com uma pontuação de -1. Já se ele registrar o erro, explicar qual foi sua falha e indicar qual seria o caminho para não replicá-lo à frente, é beneficiado com uma pontuação de +2. Números positivos indicam maior bônus ao fim do semestre. É uma forma de irmos refinando a qualidade das indicações no tempo, aprendendo com os erros e melhorando o processo de sugestões de investimentos, sabe?

“Ah, mas os grandes erros da Empiricus não são das recomendações. O conteúdo é ótimo, mas não gosto do marketing.” Essa é a visão mais estereotipada sobre nossa pequena empresa.

Seria mesmo o marketing nosso maior erro?

Respeito muito essa visão, mas preciso discordar radicalmente. Sem nosso marketing, falávamos para meia dúzia de pessoas. Ou seja, o propósito de democratizar as melhores ideias de investimento e levar à pessoa física formas tão boas ou até superiores de aplicar seu dinheiro frente às adotadas pelos profissionais não estava sendo cumprido. Eram excelentes ideias de investimento que ninguém lia. Continuavam todos sem acesso a indicações fora da indústria financeira totalmente conflitada, cara e desinteressada de verdade nos ganhos do investidor.

Agora, transformamos meia dúzia em 200 mil assinantes. Todos eles assistidos pela maior e melhor equipe de especialistas (inclusive superior à dos bancos) em finanças do país.

Pode soar-lhe contraintuitivo, mas o maior beneficiado do nosso marketing é justamente o assinante da Empiricus. Sim, eu sei que por vezes é cansativo, histriônico, chato, longo e outras coisas parecidas. Concordo com cada um dos adjetivos. A esses, internamente adiciono outros, impublicáveis. Mas é justamente essa linguagem assertiva e adjetivada que nos permite impactar mais gente, levar nosso propósito a um novo paradigma em termos de abrangência, contratar as melhores pessoas, aumentar o tamanho da equipe e, no final do dia, transformar tudo isso nas ideias mais lucrativas para seu dinheiro.

Aliás, por mais que eu mesmo às vezes questione nosso marketing (com efeito, eu questiono diariamente tudo que fazemos aqui, principalmente eu mesmo), ele me parece muito, mas muito comedido perto do que se vê por aí: banco vendendo hiperfundo com taxa de administração de 4 por cento ao ano usando imagem de mulher gostosa e carro novo, apresentador de TV garantindo (sim, é este mesmo o verbo: “eu garanto!”) que seu dinheiro vai render mais, corretora prometendo assessoria de graça.

Lembro-me dessas coisas e penso que estou numa narrativa fantástica de Jorge Luís Borges. “A memória é o essencial, visto que a literatura está feita de sonhos e os sonhos fazem-se combinando recordações.” Daí vejo que não. Chegamos ao absurdismo (perdoem o neologismo) de a tentativa de regulação sobre o marketing de uma publicadora de conteúdo (caráter eminentemente editorial e jornalístico) ser mais rigorosa do que aquela aplicada ao marketing do ambiente regulado dos bancos (originação e distribuição de valores mobiliários).

Hoje, fazendo uma autoavaliação, apontaria três erros principais. A tríade deriva da dura realidade de enfrentar trade offs, de encarar um mundo concreto em que não estão colocadas escolhas boas ou ótimas, mas, sim, a inexorável decisão entre o ruim e o péssimo. Como fazer nessas horas?

Ao me tornar coCEO da Empiricus ao lado do Rodolfo, encontro dificuldades em gerir certos conflitos, muitos deles ligados à governança da companhia. Outros se devem às minhas próprias fragilidades, em especial no aspecto da comunicação interna — por mais que nos esforcemos (estamos com uma consultoria aqui dentro só pra isso), a verdade é que nós somos todos introspectivos e tímidos, disfarçados num personagem de guru financeiro. Conhecer novas pessoas, ter de se apresentar em público, dar feedback e conduzir certas reuniões não me são coisas feitas de maneira natural. Noblesse oblige.

Primeiro erro: ao líder, cabe se comunicar da forma certa com cada uma das pessoas, percebendo que algumas delas atuam melhor sob pressão, outras devem ser preservadas e criticadas com muito cuidado. Que coisa mais difícil!

Segundo erro: o líder é aquele que faz através das mãos dos outros. Pense num fundo de investimento: o melhor CIO é também o melhor CEO? Delegar é necessário. Mas o que se delega? Até onde podemos passar o bastão sem descaracterizar a companhia dos princípios fundamentais de seus fundadores? Como construir e enraizar uma cultura, se muito dela vem de conhecimento tácito? Como preservar as individualidades e, ao mesmo tempo, fazê-las pertencer a um mesmo guarda-chuva corporativo?

Terceiro erro: como lidar com conflitos societários? Como privilegiar sócios que apostaram na companhia desde o começo e foram leais no passado, mas hoje não são tão outperformers quanto outros que chegam agora com fome e estão atropelando tudo que veem pela frente. Olha, eu sinceramente não sei.

Certamente, há outros erros cometidos toda hora. Esses são apenas aqueles que reconheço na superfície. De todo modo, só há um caminho: tentar, obstinadamente, errar, cair e levantar. Sem isso, você nunca vai realizar por completo o que está na sua cabeça. Tudo que hoje está à sua volta um dia pertenceu apenas à mente de um sujeito excêntrico, aquele que se dispôs a alcançar algo que parecia inalcançável.

E qual o maior erro do mercado agora? Na minha opinião, repetir o clichê de que temos uma polarização nas eleições. Tenho uma convicção muito forte de que o cenário considerado hoje como bom não vai ser tão bom assim. Ao mesmo tempo, não acho que o prognóstico ruim será tão ruim. Neste sobe e desce eleitoral, vai haver muita chance de ganhar dinheiro. Foi só por isso que eu e Luciana Seabra abrimos esta oportunidade relâmpago no Bootcamp Empiricus.

No final, estamos condenados aos velhos erros de sempre. Nascemos tortos e assim continuamos. No almoço de segunda-feira, caiu uma ficha. Por muito tempo, carreguei uma dúvida comigo: a partir do Plano Real, teríamos uma nova normal, com o Brasil realmente mudando de paradigma? Ou será que os governos FHC e Lula 1 foram apenas uma exceção, uma breve janela de oportunidade para voltarmos então à Velha República? Olhando em perspectiva, somos mesmo o país do Sarney, do Collor, do Itamar, da Dilma e do Temer. Não é que os candidatos da atual eleição sejam ruins. Eles sempre foram. Essa é nossa essência. Esquecer-nos disso é um grande erro. Tomara que aprendamos algo com ele.

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