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Felipe Miranda: Meu professor Polvo

13 abr 2021, 11:40 - atualizado em 13 abr 2021, 11:40
“Era impensável, mas hoje os Estados Unidos crescem mais do que a China — sim, é um fato objetivo” diz o colunista.

Desenvolvi um hábito peculiar. Quando preciso ter algum papo difícil com alguém ou há entre mim e alguma pessoa querida algum entrevero, mínima rusga que seja, envio um vinho português chamado “Conversa” e convido para o diálogo.

É um gesto carinhoso, de afeto. Mas — confesso — é também um pouco egoísta e parte de um processo negocial; meu próprio jeito de desenvolver a comunicação não violenta. 

O vinho em si não é propriamente um espetáculo. Também não é ruim, longe disso. Já bebi coisa muito pior; sou sujeito sem frescura. Para treinados em jurubeba na adolescência, meu caro, um blend do Douro de Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz vai ser sempre um néctar de puro mel. Ele é o vinho de entrada da mesma vinícola do Batuta, esse, sim, um verdadeiro campeão.

Não é pela qualidade do vinho em si. É pelo gesto. Como não abaixar a guarda ao ser presenteado com um vinho que lhe convida à conversa?

A conversa está na essência da nossa Empresa. Mesmo que a conversa seja consigo mesmo. A etimologia de diálogo remete à nossa natureza. “Dia”, no sentido de “por intermédio de”, “um com o outro, um contra o outro”; “logos”, palavra. Sextus Empiricus, como expoente do ceticismo pirrônico, defendia que qualquer argumento despertava simultaneamente um contra-argumento de igual intensidade e magnitude. É uma conversa dialética constante e eterna entre tese e antítese.

Há outra confissão pessoal sobre isso. Quando fundamos a Empiricus, eu tinha uma convicção muito forte, que era também um desejo. Acreditava que, se e quando crescêssemos a Companhia, poderia fazer um research de altíssimo nível, sem paralelos no Brasil. Isso decorreria muito pouco do nosso mérito próprio. Minha ideia, que sinceramente nem sei se era partilhada pelos meus sócios, era de que, se ficássemos relevantes, todos os gestores, os demais analistas, os CEOs, CFOs, fundadores iam querer falar conosco. Isso nos daria acesso a um nível de informação muito diferenciado. E mudaria por completo a qualidade da análise, em nosso favor. É como se nós mesmos pudéssemos contar com outras várias equipes de análise competentes, virando uma espécie de hub disseminador do que há de melhor por aí. Desenvolveríamos tentáculos além de nossos próprios corpos, virando polvos professores espalhando a boa educação financeira a partir de uma informação anteriormente inacessível. A dinâmica, somada à nossa própria capacidade de análise, de uma equipe bem grande e dedicada, nos daria vantagens estruturais, que, na verdade, são vantagens do nosso próprio assinante. O polvo desenvolvendo uma relação de amizade com os humanos, como naquele documentário indicado ao Oscar — achei uma piração, mas gostei; sensível. 

Ao longo dos anos, sobretudo os mais recentes, quando passei a me dedicar mais formal e pragmaticamente à institucionalização da Empiricus, desenvolvemos uma importante interlocução com participantes de mercado. Tenho, inclusive, tornado públicas algumas dessas conversas, no RadioCash, que, para minha surpresa, se tornou rapidamente um dos podcasts de negócios mais ouvidos do Brasil.

No episódio de hoje, por exemplo, conversamos com Rogério Xavier. Foi uma aula, como era de se esperar. Rogério é um gênio. E eu discordo fortemente das interpretações usuais de que ele é um pessimista. O bom gestor — e certamente ele é um dos melhores — é necessariamente um realista. 

Sugiro fortemente que você escute o podcast todo. Mas quero aqui destacar duas de suas conclusões — e eu me permito aqui, com humildade, a uma certa interpretação sobre o que conversamos. 

Em determinado momento, Rogério diz que as inflações implícitas no Brasil estão irresistíveis. E, de algum modo, estende o otimismo para as NTN-Bs. As coisas são um tanto simples e bastante pragmáticas. Quase podemos ter certeza de que o juro real não será este que está hoje praticado na ponta longa da curva. O Brasil simplesmente não consegue pagar um juro real de 5%. 

Se as coisas derem certo, então teremos arrumado o fiscal e o juro real será menor. Se as coisas derem errado, entramos em dominância fiscal e, logo, o Banco Central joga a toalha. Ele não vai quebrar o Tesouro. Vamos ter inflação alta e juro real baixo. Como foi no passado e como, em alguma medida, é na Argentina hoje.

Vale coisa parecida sobre a Bolsa. “Vai andar nominalmente.” Se as coisas forem mal, as pessoas perdem confiança na moeda local e passam a comprar ativos reais. E, então, as empresas passam a ter mais valor. E se as coisas forem bem… bom, terão ido bem.

Vale a pena ouvir tudo, claro. Quero aproveitar para dar spoiler das próximas duas edições. Já gravamos também com Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização do governo e fundador da Localiza, e Fabio Okumura, gestor da Gauss.

Okumura explicou suas três mudanças mais recentes. Trocou casos de growth por value em Bolsa, sobretudo lá fora. No pós-recessão e com yields subindo, o value tende a andar melhor. Houve uma redução da posição comprada em dólar, porque esse excepcionalismo americano não deve durar para sempre. Os EUA se destacaram demais frente ao resto do mundo, com vacinação em massa e muito estímulo fiscal e monetário. 

Era impensável, mas hoje os Estados Unidos crescem mais do que a China — sim, é um fato objetivo. As coisas devem ser normalizadas também fora dos EUA no tempo e, com esse catch-up dos demais países, o dólar pode não ficar mais tão forte. Esse também é um dos motivos para o otimismo com as ações japonesas. 

E a Gauss também acaba de comprar NTN-B, porque existe muito prêmio na curva. “Esse Orçamento, e até podemos discutir a qualidade dele, claro, mas ele será aprovado. A coisa não pode se esgarçar indefinidamente.” 

Para encerrar, um pouco da conversa com o Salim. É sempre muito enriquecedor falar com ele. Salim pensa com a própria cabeça — o que é raro. E parece mais realista e completo depois de ter passado pelo governo, conhecido a máquina por dentro. Ele lembra Roberto Campos: não se preocupe; o Brasil não corre o risco de dar certo. Descarta a privatização dos Correios, mas vê chances da Eletrobras. Nas entrelinhas, conseguimos encontrar uma dose de otimismo, pois ninguém consegue ganhar o debate contra si mesmo.