Empiricus Research

Felipe Miranda: Mark Zuckerberg pode definir a eleição brasileira?

27 jul 2018, 12:34 - atualizado em 27 jul 2018, 12:34

Por Felipe Miranda & Equipe, da Empiricus Research

Senador, deixe-me falar algumas coisas sobre isso. Primeiro, eu entendo de onde vem essa preocupação, porque o Facebook, junto com outras indústrias de tecnologia, está localizado no Vale do Silício, que é um lugar extremamente de esquerda. Isso é realmente uma preocupação que eu tenho e que venho tentando erradicar na empresa, que é ter certeza de que não temos nenhum viés tendencioso no trabalho que fazemos. Eu acho que as pessoas se perguntam sobre essa questão.”

Isso é Mark Zuckerberg, do Facebook, respondendo a Ted Cruz no Senado dos EUA, após ser questionado sobre eventual favorecimento a páginas de orientação de esquerda, em detrimento a outras de direita. Nominalmente, Cruz sugere privilégios à Planned Parenthood, uma organização em prol do aborto, ao canhoto site MoveOn.org e a qualquer candidato democrata à Presidência norte-americana, enquanto aponta o banimento da página Chick-fil-a Appreciation Day, de post de repórter da Fox News, de 24 páginas católicas e da página Trump Supporters Diamond and Silks.

Lembrei desse depoimento após o protesto de ontem do MBL, aqui do lado, em frente ao escritório brasileiro do Face. O grupo pedia reuniões com executivos da rede social após ter suas páginas removidas do ar subitamente.

Para os padrões locais, a Empiricus é uma cliente relevante do Facebook. Também é do Google, embora queira me focar na rede social. Sem nenhuma arrogância aqui. Falo por conta do quadrante em que eles mesmos nos posicionam como anunciantes. É com esse espírito de conhecer a relação razoavelmente de perto, como um praticante que sofre e se beneficia na veia com as vicissitudes do marketing digital, que escrevo as linhas abaixo.

Já tivemos nossas contas no Face retiradas do ar algumas vezes, de súbito e sem nenhuma explicação. Em todas as situações, retomamos rapidamente a possibilidade de anunciar nosso conteúdo. Não sabemos por qual razão fomos banidos, nem mesmo o que acertamos para voltar ao ar. Mesmo na condição de clientes significativos, fomos ligados e desligados da tomada do dia para a noite. Tateamos um ambiente no escuro, sem que nos fosse oferecido adentrar a caixa preta de quais são, de fato, as regras por trás do Facebook. Adoraríamos segui-las com rigor e precisão, se as conhecêssemos.

Não me dou a extremismos de associar o banimento de certas páginas à censura. O Facebook é um ambiente privado. Na minha casa, mando eu. Entra e sai de lá somente quem eu quiser. Da mesma forma com que o Estadão, Globo, O Antagonista ou a Folha podem me dizer qual anúncio aceitam ou não, assim pode fazer a rede social.

Mas vejo pelo menos dois problemas. O primeiro deles já foi apresentado em linhas gerais. Não há aviso nem disclosure das razões por trás do banimento ou do aceite dos anúncios. Os posts são obrigados a obedecer um conjunto de regras desconhecidas. As diretrizes públicas a serem cumpridas são bastante gerais, superficiais e com grande margem à subjetividade.

Assim, sem regras públicas, formais e objetivas, os posts orgânicos ou os anúncios pagos têm sua vida e morte determinada pela arbitrariedade das pessoas que trabalham do outro lado do balcão. Obviamente, assim como eu e você, essas pessoas, responsáveis por arbitrar o que pode ou não ser visto por outrem, têm suas próprias orientações, suas crenças políticas, sua visão para a economia. E mesmo que elas tentem se blindar disso, os vieses cognitivos extrapolam nossa capacidade de autopoliciamento. Somos vividos, assim mesmo na voz passiva, por forças que fingimos entender.

No final do dia, pessoas são pessoas. As que trabalham no Facebook não são diferentes das demais. E são elas que vão decidir se aquele conteúdo é ou não próprio para ser exposto nas redes sociais. E, sim, as empresas de tecnologia são, em grande medida, radicadas ou, ao menos em alguma instância, ligadas à árvore genealógica do Vale do Silício, onde predomina uma orientação de esquerda.

Então chegamos à segunda questão, de algum modo derivada da primeira. Se houvesse várias redes sociais convivendo por aí, concorrendo por espaço e dividindo o mercado, o problema seria pequeno e facilmente solúvel. Você sairia de uma e iria para outra. Livre trânsito de movimentação dígito-social.

No entanto, Facebook e Google formam praticamente um duopólio no oferecimento de inventário para os anunciantes digitais, abocanhando uma parcela brutal do mercado potencial. É da própria dinâmica da coisa: uma rede social, por definição, beneficia-se da externalidade de rede e, portanto, caminha-se naturalmente para um cenário de monopólio, em detrimento à natureza de um mercado de concorrência perfeita.

Então, na condição de monopolistas (Face nas redes sociais, e Google no espectro de buscas e display), as empresas tratam anunciantes e usuários em geral da maneira que querem, aplicando e alterando as regras do jogo arbitrariamente, sem qualquer caráter público das condições a serem seguidas e objetividade sobre os pontos supostamente infringidos do regulamento. Criamos uma relação de suserania e vassalagem entre o monopolista e o consumidor.

Sou um liberal clássico — aqui no sentido inglês, não no americano. Com isso, os dois leitores assíduos talvez questionem minha defesa pela necessidade de regulação, desmembramento ou exigência de total disclosure das redes sociais, mesmo que isso lhes custe algum fornecimento de informações estratégicas. C’est la vie.

Como réplica, lembro do Primeiro Teorema do Bem-estar. É verdade que o preço e a quantidade de equilíbrio atingidos organicamente pelos participantes de mercado são eficientes do ponto de vista de Pareto. Ou seja, que o mercado sozinho alcança uma alocação ótima. Mas, para a validade desse teorema, é necessário que os mercados sejam completos e que todos os participantes sejam tomadores de preço, o que claramente não é o caso para situações de monopólio.

Nas situações em que existem falhas de mercado — e essa claramente me parece ser uma delas —, a alocação definida pela livre atuação dos participantes não é eficiente.

Se estamos diante de um monopólio natural, precisamos de interferência e regulação externa — as agências reguladoras vêm justamente daí. Uma medida prudente de curto prazo talvez fosse a exigência de tornar público e objetivo qual critério para banimento de uma página ou de um post, sem espaço para arbitrariedade do avaliador. “Um post ou uma página não podem conter essa, esta e aquela palavra.” Já temos algo assim para a legislação eleitoral.

Com critérios objetivos, todos poderão saber como cumprir as regras. Assim o farão. Caso contrário, serão banidos, sem precisar passa pelo escrutínio de um juiz arbitrador, suscetível à subjetividade humana. Hoje, lidamos com um blackbox, uma caixa de maldades que depende do bom ou mau humor de um burocrata do Facebook.

Por que tudo isso? Porque, se essa é a eleição das redes sociais, pode haver um risco não desprezível para a campanha do Bolsonaro. Subitamente, algum executivo esquerdopata do Face resolve apertar um botão e tirar uma página relevante do ar. Boom! Morre boa parte da capacidade de comunicação e articulação do sujeito.

Não sou eleitor de Bolsonaro, nem acredito na sua conversão liberal, mas uma eleição não pode estar sob influência e arbitrariedade de um grupo de executivos detentores do carimbo para dizer o que pode ou não ser visto por uma audiência de dezenas de milhões de pessoas.

Se eu ainda nutro algum otimismo com as eleições de outubro? Sim. Sou otimista com a eleição porque sou muito pessimista com o Brasil. Quebrar o mecanismo vai muito além das redes sociais. O Blocão e a capacidade de rodar a máquina ainda têm um peso não desprezível.

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