Felipe Miranda: Losing my religion
Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
A cada dia, acredito menos nas habilidades dos financistas. Falo como membro da classe, claro. Formação clássica e tal. Economia na USP, mestrado em Finanças na FGV, curso em Columbia, outro curso em NY, professor de MBA (microeconomia, macroeconomia, valuation, finanças internacionais, teoria das decisões financeiras, opções reais, já passei por todas na cadeira de docente).
6 passos para aprender a investir
Tudo isso para… nada! Lembro da piada de Marcos Caruso na peça O Escândalo de Phillippe Dussaert: “O MoMA saiu de Nova York para comprar… o nada” – na trama, o artista Phillippe Dussaert pintara o nada e teve sua obra avaliada em vários milhões de dólares, transformada em referência da arte contemporânea.
Talvez Groucho Marx fosse mais apropriado para o momento: “Eu me nego a pertencer a um grupo que me aceita como membro”. Quem sabe Raulzito: “Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida, mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa”.
A verdade é que me sinto um tanto ridículo vasculhando oportunidades escondidas em meio a um emaranhado infinito de informações, lutando contra outros caras com a mesma tarefa, muitos deles absurdamente inteligentes, munidos da mais alta tecnologia, network, processos e tudo mais.
Duas contestações fundamentam essa espécie de descatequização, aqui confessadas. Quase posso ouvir a voz do Michael Stipe ao fundo: “Every whisper/ Of every waking hour/ I’m choosing my confessions/ Trying to keep an eye on you/ Like a hurt, lost and blinded fool, fool”. Chega de citações.A primeira delas é que, por mais dedicados, conectados, diligentes, numerosos, capacitados que sejamos aqui, eu ainda erro pra caramba.
Parece que não importa o quanto se estude ou se dedique, jamais consegue-se eliminar o erro do processo – acho que em ambientes de incerteza e aleatoriedade é assim mesmo. Poderia ser bem mais fácil se pudéssemos conversar com o futuro e pedir gentilmente para que ele cedesse, não fosse assim tão intransigente e aceitasse ser trazido para o presente. O futuro é uma mula teimosa, daquelas que meu primo Roger amansa com esporas (acho que ele não poderia fazer isso, né?), que insiste em ficar… no futuro.
A Empiricus conta hoje com a maior equipe de pesquisadores do Brasil. São 33 pessoas dedicadas o tempo todo a encontrar as melhores oportunidades de investimento para nossos assinantes. Sim, tamanho é documento neste negócio. Acho que 33 cabeças pensam melhor do que uma. Ninguém se especializa em todas as classes de ativos, ninguém consegue acompanhar mais de dez ações com profundidade. Mas potência não é nada sem controle. Precisa haver qualidade também. Todos aqui vieram de instituições respeitadas, têm sólida formação acadêmica e prática e são muito bem remunerados.
Para desespero do Rodolfo, entre outras milhões de coisas, nosso CFO, gastamos zibilhões em tecnologia, assinaturas de research mundo afora e capacitação profissional de nossos colaboradores. Tudo, claro, para levar ao assinante a melhor indicação possível.
E sabe o que acontece muitas vezes? A gente erra pra caramba. É um negócio de louco. Essa é a verdade.
Se, com tudo isso, nossos financistas ainda cometem vários equívocos, deve ser porque é muito difícil jogar esse jogo. De fato, a capacidade dos analistas em gerar coisas extraordinárias – aqui no sentido de fora do comum – é muito baixa. Se há muitos financistas excepcionais e dedicados (como é o caso do mercado financeiro, que, por conta da alta remuneração, atrai as melhores cabeças do mundo), não há nada mais extraordinário. Com o perdão do paradoxo, a “extraordinariedade” vira algo bastante ordinário. Convergimos todos para a média.
O segundo ponto se liga com o primeiro, claro. Mas não se trata de uma contestação pessoal, dos meus vários e próprios erros, mas de algo mais sistêmico. Ontem, falei da minha preocupação com certa falta de preparo com que novos investidores estão chegando ao mercado, para serem mal atendidos por bancos e corretoras. Hoje, trato da preocupação com a falta de preparo também dos financistas. Em certo sentido, este texto, portanto, é uma continuação do anterior.
Quando Benjamin Graham começou com a história de investimento em valor, escola fundamentalista, value investing ou qualquer coisa assim (a rosa teria o mesmo perfume se tivesse outro nome), o mundo era outro, sabe? O cara saía de Columbia, ia para o meio do Wisconsin e pegava um balanço empoeirado numa gaveta de uma escrivaninha enferrujada. Ter acesso àquela informação era uma vantagem brutal sobre a média do mercado. Era muito mais fácil descobrir uma coisa que ninguém sabia. Assim, o sujeito mais informado poderia identificar com facilidade que a ação que estava cotada na Bolsa a X deveria valer 2x. Então, ele comprava.
Mas o mundo mudou completamente. Agora, todo mundo sabe de tudo. Depois do Google, as torcidas inteiras do Flamengo e do Corinthians são inteligentes. Todos têm acesso à melhor informação, instantaneamente, gozam da melhor tecnologia, dos melhores processos. Não dá mais para identificar, antes do outro, o balanço escondido no meio do Wisconsin. As distorções entre preço (a cotação em Bolsa) e valor (quanto deveria valer conforme os reais fundamentos da companhia) são percebidas por todos e, no exato instante, acabam. O jogo de se aproveitar de uma tal informação assimétrica (você sabe mais do que o coleguinha) terminou. Apito final. Desculpa decepcionar, mas o coleguinha também é sabidão.
Cara, o Warren Buffett veio dizer que errou na compra da Kraft, que pagou caro demais. Não estou indo longe. Foi agora, sabe? E é o Buffett! Se esse cara está cometendo erros tão feios de avaliação, imagina nóis aqui na classe média. Quando fui para a Columbia em dezembro, o papa do valuation Bruce Greenwald estava short (vendido) em Amazon 30 por cento abaixo do preço atual. Devia estar passando um calor naqueles -2 graus Celsius do campus.
Sem querer perder o fio da meada, permita-me um parêntese brevíssimo, de cunho micro dentro de um texto quase metodológico. É válido porque emite uma mensagem pragmática. Repare num trecho da entrevista de Warren Buffett à CNBC nesse início de semana: “Com Amazon e Walmart na disputa, é um pouco como uma luta de elefantes. Os camundongos são pisoteados”. Vamos mesmo comprar Mercado Livre a infinitas vezes lucros? E aqui é literalmente, porque a divisão por zero converge assintoticamente para o infinito. Ou vamos levar o valuation de Magazine Luiza para a lua num contexto desses? Isso é value investing pra vocês? “Ah, mas tem muito crescimento. Lá na frente, a relação Preço sobre Lucro fica baixa, porque o lucro vai crescer muito.” Vai mesmo? Você consegue enxergar o futuro distante num mundo exponencial? Consegue ver quem é o vencedor dessa dinâmica do e-commerce além do próprio consumidor? Sente-se confortáveis com um patamar de lucros lá na frente, sendo que, lá na frente, a Amazon pode estar por aí?
Resumo da história: estamos com um arcabouço velho para um mundo novo. É velho porque a ideia original de perseguir assimetrias de informação (você sabe mais do que o outro e, portanto, pode identificar distorções entre preço e valor) não resiste a um mundo de acesso irrestrito a informação. E também porque ninguém sabe avaliar empresa de tecnologia, principalmente num contexto exponencial. Vamos assumir logo: ninguém sabe. E tudo bem. Não precisa ficar mal por isso. Se ninguém sabe, estamos todos na mesma, não precisa se punir. Abordagem altamente democrática. Nessas avaliações de tech, só há fé e tentar identificar um fundador e/ou um management obcecado. O resto é ladainha, discurso bonito de vendedor.
Significa que não temos o que fazer? Não é o fim do mundo. Acredito que ainda há saída.
Entendo que há coisas para fazer, sistematicamente. A única abordagem metodológica (e aqui me referindo a método como algo geral e formal) possível, na minha visão (respeito quem pensa diferente, óbvio), é reconhecer que, dadas as coisas já existentes nos fundamentos de uma empresa, a atual cotação reflete bem seu valor intrínseco. No entanto, pode ser que os preços correntes não contemplem de maneira apropriada o que ainda não existe, mas pode vir a existir. O foco muda um pouco. Em vez de analisar a empresa pelo que ela é, assinalam-se armas e barões para descobrir o que ela pode vir a ser. Passamos a perseguir opcionalidades ainda não incorporadas ao preço ou, um pouco pior, já minimamente incorporadas, mas não na sua plenitude.
Uma segunda proposta é ter uma abordagem focada em eventos. Não no sentido de que você poderá antecipar qual o resultado do evento. Jamais. Mas pode tentar construir uma matriz de payoff (retornos potenciais) associada a cada cenário possível resultante desse evento. Se há uma assimetria convidativa entre o que você ganha e o que você perde em termos potenciais, consideradas as probabilidades associadas, claro, então vale a pena o investimento. Adota-se uma visão de valor presente líquido (VPL) diante de um evento binário. Obviamente, você vai perder em vários dos eventos (toda vez em que o cenário negativo se confirmar). Mas, por construção, se o VPL dos eventos é positivo, você sai ganhador no longo prazo, quando passamos a obedecer à Lei dos Grandes Números e ao Teorema do Limite Central. Penso no caso das ações da Oi agora. Assimétrico. Pau!
E para completar a tríade, vale a máxima dos momentos em que estamos completamente perdidos nos investimentos (normalmente, nós estamos mesmo): quando você não sabe o que está fazendo, diversifique e diminua o tamanho das suas posições. Alternativamente, compre um bom kit de proteção. Neste Carnaval, nada mais apropriado. Ah, e cuidado para não atropelar nenhum patinete.