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Felipe Miranda: Lembrança da bolha tech ou necessidade do combo “stay at home”?

28 out 2020, 12:31 - atualizado em 28 out 2020, 12:31
“O ideal moderno é viver sob o mais metódico e fantasioso escapismo”, diz o colunista

“Vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes.” Com sua incorrigível precisão, esse é Guimarães Rosa. La Rochefoucauld tem a sua própria versão para ideia semelhante: “Nem o Sol nem a morte podem ser olhados fixamente”. E Keynes tinha sua própria mania de ligar questões cotidianas e filosóficas aos investimentos. Segundo ele, ao se deparar com uma eventual perda de dinheiro, o empresário a afasta da mente, “assim como um homem são põe de lado a expectativa de morte”. Meu Deus, será que isso faz de mim um keynesiano? A esta altura, era só o que me faltava…

Blindar o ambiente psíquico do pensamento sobre a morte é sinônimo de saúde mental. Numa hierarquização curiosa de prioridades e sob um grande paradoxo, vivemos sobre o mais profundo escapismo, fugindo da ideia mais elementar e irrefutável da vida, que é a morte.

Como resume Eduardo Giannetti, “a lembrança da morte — não como conceito intelectual, mas como um sentimento agudo de nossa inexorável extinção pessoal — não é uma experiência aprazível para quem se apega e dá valor à vida entre os vivos”. Ele mesmo completa: “A consciência antecipada da finitude e a convivência com a morte dos que nos são queridos sempre trouxeram sofrimento e ansiedade ao ser humano. O que distingue a nossa época, entretanto, é a quase metódica e sistemática recusa em encarar e atribuir a devida atenção a essa realidade e lidar com suas implicações. (…) O fato espantoso é que, apesar de toda a pretensa valorização da razão fria e de uma postura de completa objetividade diante das coisas, o ideal moderno é viver sob o mais metódico e fantasioso escapismo. É viver como se a morte não nos dissesse respeito”.

Por que ignoramos coisas importantes? Talvez, neste caso, “A Coisa” mais importante?

Relatório desta semana do Bank of America Merrill Lynch trouxe análise bastante interessante. Até o momento de sua publicação, 37% das empresas do índice S&P 500 haviam divulgado seus resultados trimestrais.

No geral, os números seguiram surpreendendo positivamente, com uma superação das estimativas de consenso para os lucros da ordem de 18%, sob a liderança do setor financeiro. Até aqui, 69% das companhias bateram as estimativas para receita e lucro líquido, representando a maior proporção de surpresas positivas desde o terceiro trimestre de 2011. Olhando somente para o lucro líquido, a superação das projeções monta a 80%; para a receita líquida, o percentual é de 81%.

O curioso dessa história é que esse desempenho não tem se refletido no comportamento das ações. Numa dinâmica bastante contraintuitiva, as superações das estimativas de consenso não têm sido acompanhadas por reações positivas das respectivas ações, enquanto os desapontamentos frente ao projetado também não têm sido rebatidos com penalização aos papéis. 

Até o momento da confecção do relatório, as companhias cujos resultados superaram as expectativas de consenso para receita e lucro líquido viram suas ações apresentarem uma performance, na média, inferior ao S&P 500 em 5 pontos-base no pregão subsequente à divulgação dos números (é a pior reação da história, segundo o banco). Enquanto isso, aqueles que frustraram as projeções encontraram uma reação favorável em termos relativos, superando o S&P em 60 pontos-base (a maior diferença da história).

Esse tipo de dinâmica também começa a chamar a atenção no Brasil. O pregão de ontem foi emblemático. Por semanas, convivemos com relatórios e notícias de que o Santander (SANB11) soltaria um bom resultado trimestral, acima das expectativas prévias. Com efeito, o banco publicou um belo resultado, além das estimativas de consenso. Curiosamente, a reação de suas ações foi bastante negativa. Todo o setor bancário foi arrastado pelo vermelho.

Claro que depois vieram as explicações — todas elas muito bem construídas a posteriori, num exemplo de livro-texto para a falácia da narrativa, para dar orgulho em Nassim Taleb. Apontaram preocupação com futuras elevações de provisão, com o comportamento da inadimplência e com a margem financeira. A velha tendência em procurar por causas a efeitos meramente aleatórios ou para uma dinâmica técnica do mercado.

O resultado da WEG superou qualquer projeção, mas não foi o bastante para animar as ações (Imagem: LinkedIn/Weg)

Há dias, algo semelhante ocorrera com WEG (WEGE3), cujo resultado arrombou qualquer projeção, mas foi insuficiente para animar as ações, que abriram o pregão seguinte em forte alta e terminaram em desvalorização significativa. Poderíamos também argumentar com o exemplo de Hypera (HYPE3), cujos papéis mereciam reação mais favorável ao balanço trimestral frente ao observado na prática.

Por que as ações decidiram ignorar aquilo que, em essência, lhes é o mais importante, ou seja, os resultados corporativos e os lucros das empresas?

Difícil encontrar as razões, mas, de acordo com a Merrill Lynch, esse é um mau sinal. Esse tipo de reação a resultados só foi encontrado durante a bolha de tecnologia em 2000, a única temporada de balanços, segundo o banco, com reflexos contraintuitivos sobre as ações. Na sequência daquele comportamento, os mercados enfrentaram um período bastante ruim.

Estaríamos, portanto, diante de uma bifurcação importante: i) levamos com efetiva preocupação os paralelos com a bolha de tecnologia, ou ii) levamos com efetiva preocupação a segunda onda de Covid-19 na Europa e nos EUA, cujo corolário seria a necessidade de nos posicionar no combo “stay at home”, representado classicamente pelas grandes ações de tecnologia?

A resposta não é trivial. Contudo, os paralelos com a bolha pontocom não me parecem tão pertinentes no momento. Agora, há reais vantagens competitivas, uma trajetória secular de crescimento, barreiras à entrada claras e valuations que, claro, não são propriamente barganhas (nem poderiam ser, dados a qualidade das companhias, o volume de liquidez no mundo e juros zerados), mas também não são proibitivos (com algumas exceções que comprovam a regra; Tesla é tipicamente apontada entre elas). 

No final do dia, os resultados corporativos são como a morte. Você pode até ignorá-los, mas eles vão continuar lá como um fato inexorável da vida. Cedo ou tarde, temos nosso encontro marcado. Cedendo à tentação keynesiana, no longo prazo todos estaremos mortos, e teremos de encontrar os lucros corporativos. Se um negócio vai bem, as ações acabam seguindo.

E para encerrar de vez o texto mais paradoxal e contraintuitivo do ano, qual o país que não tem assistido a uma escalada importante dos casos de Covid (ao menos até agora) e mostra relativo controle da pandemia? Seria muito esperar por uma boa performance relativa dos ativos brasileiros?