Empiricus Research

Felipe Miranda: Lembra da história dos COEs?

20 fev 2019, 11:22 - atualizado em 20 fev 2019, 11:26

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Ainda tenho o hábito de ler jornal. Poderia ser bem pior, pense bem. Nunca andei de patinete nem uso happy socks. Ufa! Entre as minhas metas detox ainda não atingidas, está a de me afastar dos periódicos, muito mais geradores de ruídos do que de sinal.

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A caminhada até a reforma da Previdência será marcada por muito barulho. “Olha a chuva, já passou. Olha a cobra, é mentira.” Uma leitura das notícias do dia sem devido afastamento pode mais confundir do que esclarecer. Tapar os olhos para as manchetes pode ter o mesmo efeito prático ao de rasgar um mapa errado. É uma boa prescrição. Amarre-se ao mastro, coloque cera nos ouvidos e apegue-se ao estrutural. Ao final, vai dar certo. O amor sempre ganha.

Confesso, porém, ainda ler cinco jornais por dia. Sou um grande fracasso, reconheço. Estou sob a égide da bárbara “faça o que eu digo, não faça o que eu faço.” Peço desculpas por isso.

Soube pela Folha de S.Paulo que tivemos ontem uma Lua cheia de perigeu, momento em que o satélite faz sua máxima aproximação da Terra. Achei interessante.

De onde será que vem o interesse em chegar perto neste exato momento?

Estou certo de que deve haver algo especial, mas lamento pela Lua, que não sabe o perigo que está correndo. “Viver é muito perigoso”, já alertava mestre Riobaldo. Ou, na minha versão favorita: “Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus, mesmo, se vier, que venha armado”.

Há alguns dias, fiz aqui críticas contundentes à forma com que bancos e corretoras oferecem produtos a seus clientes. A ideia é que essas instituições financeiras estão sob claro conflito de interesses, pois recebem mais dinheiro quando vendem um determinado produto relativamente a outro.

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Ou seja, há um incentivo econômico para que sugestionem para o investidor justamente uma aplicação que rende maior taxa para a própria corretora ou para o próprio banco. O pior de tudo é que, em muitas situações, o investidor não sabe disso. As diferentes remunerações para o banco e para a corretora a partir deste ou daquele produto não são informadas ao investidor. Não há transparência para o cliente sobre o quanto ele paga – as taxas dos produtos financeiros, claro, são lucros para bancos e corretoras e reduções do resultado final das aplicações do investidor.

Note ainda que, com a Selic em 6,5 por cento, possivelmente sendo reduzida ainda mais no segundo semestre, caso a reforma da Previdência seja aprovada, qualquer 0,25 por cento a mais deixado de taxa no banco e na corretora já representa um ferimento importante ao rendimento líquido final do investidor.

Sendo um pouco mais específico, apontei o segmento de COEs como aquele em que tipicamente os investidores são mais lesados. A remuneração dos bancos e das corretoras nesse nicho tem sido simplesmente escorchante. E como as taxas cobradas pela estruturação e colocação dos COEs não é publicada para o investidor, ele acaba aceitando aquilo. Dizem por aí: o que os olhos não veem o coração não sente.

Quando coloquei aqui publicamente esse problema (ele é grave, porque não se trata de um pequeno sobrepreço), soube subsequentemente da irritação de uma turma por aí, em especial na trupe de uma corretora. Então, dado que posso ter sido injusto nas palavras ou ter cometido qualquer outro tipo de erro (eu cometo vários, todos os dias), propus um combinado simples: se as corretoras passassem a publicar todas as taxas envolvidas nos COEs, eu nunca mais tocaria no assunto. E se fosse o caso de as taxas serem ou tornarem-se baixas, escreveria aqui um pedido público de desculpas.

Alguma resposta?

Cri, cri, cri.

Nosso tempo acabou. Dado o silêncio ensurdecedor, sem nenhuma disposição do lado de lá a abrir as taxas, volto ao assunto. Se ninguém quer contar, eu mesmo conto.

Narro hoje um caso particular, suficiente para provar o ponto geral. Ao final, aparecem claras as razões para não terem topado o desafio de publicar as taxas embutidas sub-repticiamente nos COEs. É você, investidor, quem está sendo lesado. O sol é o melhor detergente.

Deixe-me jogar luz sobre um COE vendido pela XP que prometia pagar Pimco Income alavancado em três a cinco vezes.

Vamos do começo.

O Pimco Income é um fundo que a Pimco também vende no Brasil, via um feeder que acessa o produto lá de fora. Gestão ativa em renda fixa, com abordagem global. Era do lendário Bill Gross no passado. O fundo está distribuído na plataforma da própria XP e tem a indicação de investimento da Luciana Seabra na série Os Melhores Fundos de Investimento.

Bom, o que foi feito aqui? Sem nenhum combinado ou mesmo pergunta para a Pimco, montaram o COE que prometia alavancagem de três a cinco vezes sobre o fundo e começaram a distribuir para o varejo. A estrutura é assim: 50 por cento eles investem para garantir a devolução do principal (sem inflação nem nada) e 50 por cento alavancam em euro (porque a taxa é zero) no Pimco Income.

Vamos aqui relevar qualquer potencial área cinza da ética, em que se distribui um produto usando o nome e a marca de uma gestora admirada sem nem avisar. Até aí, meu amigo, la nave va. Se a situação estivesse circunscrita ao ambiente XP/Pimco, sem qualquer problema para o investidor final, tudo bem.

Mas, claro, não para por aí.

Lá fora, o fundo da Pimco tem duas classes, uma que cobra 1,45 por cento, para institucionais, e outra que cobra 0,55 por cento, para o varejo. O COE dá o retorno do de 1,45 por cento alavancado, mas, na verdade, investe no de 0,55 por cento.

Aí já começa a ficar feio. E piora.

Por conta da alavancagem e da duration (prazo médio) do COE, de até cinco anos, a remuneração pela venda desse negócio é muito alta, de absurdos 8 por cento na cabeça. Se o cara capta 100 milhões de reais para o COE, leva para casa, no mesmo dia, 8 milhões de reais – sim, num mundo de CDI a 6,5 por cento ao ano.

Isso colocou toda a maquininha de vendas, obviamente conflitada, para trabalhar. A dinâmica pode inclusive ter atrapalhado o próprio fundo de captar – o Pimco Income já teve 9 bilhões de reais sob gestão, hoje tem 2,5 bilhões.

Vários de nossos assinantes foram abordados com essa oferta, alguns deles inclusive chegaram a ser convencidos e aplicaram no tal COE, pagando 8 por cento na cabeça! E tendo o dinheiro preso por três a cinco anos. Tem liquidez no meio do caminho? Tem, claro, desde que você tope deixar míseros 10 por cento do principal para trás.

Resumindo um pouco a história, nas minhas contas, o cara ganha 22 por cento no COE alavancado cinco vezes, paga 8 por cento e fica com 14 por cento – tendo de se expor a um eventual pênalti de 10 por cento se quiser sair no meio do caminho ou tendo seu dinheiro travado por três a cinco anos.

Já encerrei um Day One com a frase clássica da abertura de Pulp Fiction: “Todo mundo calmo; isto é um assalto”. O grito de Honey Bunny (Amanda Plummer) talvez ainda pudesse ecoar. Ou quem sabe Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) seja mais apropriado: “Se as minhas respostas assustam você, então deixe de fazer perguntas assustadoras”.

E para jogar luz sobre a eventualidade de lobos estarem vestidos com pele de cordeiro, ninguém melhor do que o próprio The Wolf: “Só porque você é um personagem não significa que você tem caráter”. O lobo pode estar atrás da porta.

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