Opinião

Felipe Miranda: Eu, eu mesmo e Irene

14 nov 2018, 10:28 - atualizado em 14 nov 2018, 10:28

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

“Então, quando eu comecei na profissão, apesar de eu supostamente ter um físico de modelo, eu me sentia desconfortável. Não ajudava em nada na minha autoestima quando algumas pessoas do ramo vinham me dizer que meus olhos eram muito pequenos, e meu nariz e meus seios eram grandes demais. Aos 14 anos, nada era mais desconcertante do que um designer me dizendo que eu era linda, um fotógrafo ditando como deveria me portar, um editor comentando sobre meu corpo, meu peito, meus olhos ou meu nariz como se eu não estivesse na sala. Foi por isso que, começando lá pelos meus 18 anos, em um esforço de autoproteção para não me machucar ou me sentir transformada num objeto, criei um escudo em torno de mim. Meu lado estritamente pessoal era Gisele, enquanto a modelo Gisele era ‘ela’. Eu mesma a chamava de ‘ela’. ‘Ela’ era uma atriz, performática, um camaleão. (…) Permitir-me ser aberta e vulnerável – aqui não falo ‘dela’, mas de mim mesma, Gisele – era bem assustador.”

Bom, você já deve saber de quem é a autoria do parágrafo acima. Se até Gisele Bündchen tem (ou teve) problemas de autoestima por conta de sua imagem, o que resta a nós mortais?

Além da beleza do texto (e da Gisele), me sinto particularmente atraído pela capacidade de criação de personagens em torno de si mesma. Talvez seja por conta do meu momento de vida.

Hoje, há o Felipe Miranda analista/escritor, o executivo/CEO e o fundador/empreendedor. São três tarefas bastante distintas entre si, cada uma com um papel, uma missão e uma mensagem. O desafio de não confundir os chapéus e não vestir um em vez do outro é bastante grande. O Felipe Miranda que escreve estas linhas enfrenta um desafio literário todos os dias, que essencialmente requer criatividade, muita leitura e alguma capacidade de contar histórias. Fã de carteirinha de Forrest Gump, quando me perguntam hoje o que faço da vida, respondo, para encurtar a conversa, que sou um contador de histórias – e ponto final.

Evidentemente, o escritor é – e precisa ser – muito diferente do executivo que entra numa reunião de definição e apuração de metas, mais pragmática, puxada e até mesmo dura, principalmente em meio aos tradicionais atrasos e desculpas prontas desenhadas para os erros das mais variadas naturezas, nos mais variados projetos.

Ambos, claro, estão distantes da figura do empreendedor, cuja atividade exige, ao menos em alguma instância, uma visão de mundo particular, obstinação, fé (no sentido dado por Kierkegaard em seu “leap of faith”) e persistência, sob ameaça constante da disrupção (ou você a promove ou será atropelado por um disruptor, com o perdão do neologismo).

Além do trio acima, há apenas o Felipe Felipe, que pouquíssimos (mesmo!) conhecem – esse está a todo momento tentando lidar com seus graves defeitos, ainda buscando encontrar um jeito menos terrível de ser e estar no mundo; luto diariamente para que ao menos parte dos defeitos fique do lado de fora da porta do escritório. Se eles não podem sair de mim mesmo, que ao menos saiam do Pátio Malzoni.

As tentações para misturar cada um dos personagens – importante dizer que todos eles são, de uma forma ou de outra, absolutamente verdadeiros – são constantes. Enquanto nos esforçamos para manter cada um em sua caixinha, a realidade mostra uma influência recíproca, dialética e endógena entre essa turma.

Não deveria ser assim. E essa é uma preocupação muito grande. Com quem estou falando agora? Com ‘ela’ ou com a Gisele? Com o investidor, com o trader/especulador ou com a figura da pessoa física que mistura questões pessoais com seus investimentos?

Onde quero chegar?

Neste momento, os três leitores desta newsletter possivelmente estejam preocupados. Pode ser pela 13ª queda consecutiva do petróleo, ou por alguma frustração em torno da transição de governo. Não lhes tiro a razão. A realidade morde. Mas se é acometido por preocupação (uma emoção, evidentemente), o investidor fica fragilizado, aproximando-se do precipício.

Ao colocar-se em frente ao home broker, a ideia é que se crie um campo de força em torno de si, bloqueando suas preferências políticas (sua alegria ou tristeza com o resultado das eleições por viés ideológico pessoal não pode traduzir-se em otimismo ou pessimismo em seu portfólio de ativos), seus sentimentos pessoais mais íntimos (não é porque você está triste por conta da perda do amor da sua vida que vai se tornar pessimista com a Bolsa) e seus vieses cognitivos. Por isso, sempre sugiro que se formalize e estruture a natureza da decisão de compra e venda. Você está sentado na cadeira de piloto de avião e, antes de decolar, precisa cumprir um longo checklist. A vida financeira da sua família depende daquilo, não a coloque em risco.

Essa é a separação, e isso precisa ser um divórcio formal, da pessoa/pessoa perante a pessoa/investidor. De certo modo, essa é mais simples e fácil de ser absorvida – não que seja necessariamente fácil, apenas mais fácil.

Há um outro nível, um degrau acima em termos de complexidade: a necessária clivagem entre o investidor e o trader/especulador. Qual dos chapéus você está vestindo?

Sinceramente, não me importo sobre sua decisão. Só acho importante que se tenha a perfeita ciência do personagem interpretado naquela respectiva situação.

Na definição clássica de Aswath Damodaran, o investidor é aquele sujeito que compra algo por menos do que vale. É só isso. Ele não se preocupa com fluxos de curto prazo, com flutuações momentâneas de mercado. Apenas acredita que há uma assimetria de informação e que o consenso não está dando àquele ativo o preço que ele realmente merece. Assim, ele compra, esperando uma convergência no tempo do preço para o valor intrínseco.

Isso é bem diferente de trading ou de análise gráfica, por exemplo. Na bíblia da Análise Técnica  (“Technical analysis of the financial markets”, de John J. Murphy), está lá, gravado como um mandamento na sagrada escritura: podemos recorrer somente aos gráficos porque pressupõe-se que eles incorporam toda a informação disponível. Saímos do mundo da informação assimétrica. Essa coisa não conversa com a anterior. Estamos em um mundo diferente. Não há como interpretar os dois personagens ao mesmo tempo. A não ser, claro, que você seja um super-herói – e essa não tem sido uma boa semana para os super-heróis; com a morte de Stan Lee, todos eles estão um tanto tristes e desmotivados.

É escandaloso ver corretoras trocando integralmente carteiras fundamentalistas de ações recomendadas em bases semanais. Tudo, é claro, sob assessoria de graça! Abrimos mão da consultora, giramos a carteira toda e, bingo!, dá-lhe corretagem para bater a carteira do investidor – sim, a ambiguidade na expressão “bater a carteira” é proposital.

Sob a ótica do investidor (não do trader), ações são empresas e, por mais incrível que pareça, empresas obedecem a ciclos empresariais – infelizmente, esses ainda não podem caber num horizonte temporal de uma semana; por mais que estejamos na era da exponencialidade e da singularidade, as coisas não acontecem tão rápido assim. Breve parêntese: Warren Buffett não é tão rico apenas porque ele é genial, mas também porque é velho e está compondo aquele retorno a juros compostos desde o período Paleozoico. O diabo é velho, não se esqueça.

Entender o real significado da palavra investidor é fundamental neste momento em que somos confrontados com uma série de notícias ruins para mercados emergentes. O petróleo volta a cair nesta quarta-feira, com extensão das preocupações sobre excesso de oferta – Rússia bateu recorde de produção, abrandou-se o temor com as sanções impostas ao Irã, a Agência Internacional de Energia estima impacto continuado da revolução do xisto nos EUA.

Em paralelo, a China acaba de soltar dados mistos, com bons níveis para produção industrial, mas fraqueza para vendas ao varejo. E a Itália volta a assustar com disparada do yield de seus títulos soberanos.

Tudo isso impacta o cenário de curto prazo e desafia os traders na ponta compradora.

Mercados emergentes sofrem num quadro assim e o Brasil, claro, não é exceção – real foi bem castigado ontem, caindo quase 2 por cento. Não vai haver diferenciação neste momento. Gringo passou muito tempo completamente desinteressado em Brasil e, com perdas superiores a 40 por cento na Ásia, dificilmente vai vir imediatamente. Eles têm lá seus próprios problemas e devem se mover na margem, conforme cheguem notícias ou mesmo sinalizações mais concretas. Todos estão subalocados em Brasil e, caso comecemos a entregar reformas e crescimento econômico (sim, eu acredito!), esse dinheiro vai vir.

Claro que isso depende de uma melhora do ambiente externo. Mas tão logo passe o soluço lá fora e termine a desalavancagem e o ajuste de posições, a grana pode começar a voltar para a periferia e o Brasil seria “o cavalo” para surfar essa melhora, com boa situação de balanço de pagamentos, uma das maiores acelerações de crescimento do mundo, baixa inflação e agenda reformista/liberal.

Se eu falo com os personagens investidores, os motivos de preocupação e desconforto em novembro deveriam ser menores. Isso, no entanto, passa longe de ser uma recomendação de posicionamentos “all in” ou coisas parecidas. Em termos práticos, o comportamento recente volta a mostrar necessidade de diversificação e de se carregar moeda forte e proteção na carteira. Essa é uma bandeira estrutural da Empiricus – ela está aqui para todos os interessados em uma SuperRentabilidade.

Para o próximo ciclo, eu teria muita Bolsa (necessariamente com alguma posição em tecnologia), juro longo e um pouco de dólar e ouro. Na véspera do feriadão, não custa lembrar: “Safe sex or no sex at all”.

Entre todos os personagens que você pode assumir para suas finanças, jamais deixe de ser você mesmo. É sua melhor versão. Vamos encerrar com Metallica hoje, porque nothing else matters:

“Never cared for what they say
Never cared for games they play
Never cared for what they do
Never cared for what they know
And I know”

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