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Felipe Miranda: Estas três vezes são diferentes

13 jun 2022, 14:29 - atualizado em 13 jun 2022, 15:11
A vida como ela é, não como ela deveria ser. Nelson Rodrigues entende mais do cotidiano do que os manuais de Economia Normativa

Seu amigo inteligentinho adora repetir clichês e frases feitas para soar intelectualmente superior. “Ah, então, você acha que desta vez é diferente?”

Essa é a provocação clássica. Quem a profere parece transbordar um conhecimento histórico de já ter reconhecido no passado padrão semelhante. Uma mistura de historiador com filósofo estóico, incólume diante de uma potencial novidade à sua frente.

É fato que, normalmente, as coisas não são mesmo diferentes. A macroeconomia ainda estará sujeita a ciclos. Expansões monetárias e fiscais importantes serão seguidas de inflação e aumento da dívida pública, que forçarão aperto monetário contundente, levando a uma possível recessão.

Os mercados são sempre ciclotímicos, alternando euforia e depressão. Os investidores comprarão sempre influenciados por performance recente, de tal modo que entrarão depois de uma alta, comprando caro, e sairão de cotas depreciadas, vendendo ativos baratos – uma subversão da lógica elementar das finanças, de comprar barato e vender caro. 

A vida como ela é, não como ela deveria ser. Nelson Rodrigues entende mais do cotidiano do que os manuais de Economia Normativa. 

Ocorre, porém, que, embora com menor frequência, muitas vezes as coisas são diferentes mesmo – e se você questiona o argumento, lembre-se que somos todos resultados de uma sucessão aleatória de mutações genéticas; ou seja, as coisas precisam ir mudando ao longo do tempo.

Já escrevi aqui mesmo o rebate àquela anedota do “as quatro palavras mais perigosas dos investimentos são ‘desta vez é diferente’”. Ele brinca assim: “as doze palavras mais perigosas do mundo dos investimentos são: ‘as quatro palavras mais perigosas…’”

Onde mora o perigo? Como as situações diferentes são, quase por construção, mais raras, elas passam a ser também mais difíceis de serem identificadas. As maiores tacadas de investimento não vêm da aplicação de uma fórmula, de uma planilha, de um exercício de maximização, de um método conhecido – se ele é conhecido, provavelmente já está no preço.

A grande vantagem do investidor, assim como em outros campos, está no conhecimento tácito, como muito bem nos ensinou Michael Polanyi.

Aquilo que não é formalizável e transmissível será o verdadeiro diferencial. É o conhecimento tácito que representa e manifesta a intuição, não como um elemento metafísico ou desprovido de fundamentação, mas como um treinamento e uma habilidade desenvolvidos a partir do reconhecimento de padrões. 

Ora, ora mas como reconhecer padrões em situações raras, como aquelas das grandes mudanças? É uma falha no sistema! Touché.

Então, diante da adversidade metodológica, só nos resta uma postura mais cautelosa, evitando qualquer risco de sobrevivência, reconhecendo a ignorância epistemológica e nossa incapacidade de estarmos no controle. 

Em termos práticos nos investimentos, adotar uma postura de maior humildade intelectual e objetiva. 

Estamos num momento delicado da economia global. Havemos de estar de guarda alta.

Existem, sim, ativos de altíssima qualidade em níveis atraentes no Brasil, como ações com fluxos de caixa muito alto e valuations muito atrativos, que merecem ser aproveitados, mas o momento requer, necessariamente, cuidado especial com o sizing (dimensionamento) de posições e dilatação do horizonte temporal, combinado a proteções importantes, como caixa, ouro e posições vendidas (shorts).

E também existem, claro, oportunidades espetaculares na renda fixa. A diligência e a disciplina, como sempre, serão recompensadas ao final, mas isso exige mais humildade e muito profissionalismo.

Encerro com três possibilidades de situações efetivamente diferentes para o momento:

Criptomoedas: “ah, essa é apenas a centésima vez que mataram o bitcoin; caiu, compra.” Talvez desta vez seja diferente simplesmente porque, de maneira objetiva, essa é, de fato, a primeira vez em que as criptomoedas passam por um ambiente de redução de liquidez, aumento de taxas de juro e de-rating (reavaliação para baixo) dos valuations.

A plataforma Celsius já apareceu boiando – seria razoável esperar outras baleias em condição semelhante; natural para tanta disrupção rápida que aconteceu num ambiente sem regulação e com valuations completamente alucinados. É a morte das criptos? Não acho.

O trend de longo prazo continua, mas o investidor deve saber das intempéries relevantes de curto prazo. O horizonte temporal precisa ser longo e a posição, necessariamente, pequena (ênfase no necessariamente).

— Digital: há sempre exageros. A pandemia levou todo mundo pro digital. Minha mãe não vai mais às feiras livres – e você não tem ideia do que isso representava pra ela! A questão é que tudo virou online, marketing digital, soluções em dois cliques.

E, então, perdemos a capacidade de sociabilização, a possibilidade de tomar uma boa taça de vinho olhando nos olhos de uma pessoa querida, o flerte (dos solteiros, fique claro) no escritório físico (com algumas exceções na Faria Lima), o abraço acolhedor de um amigo, a bronca calorosa (e construtiva) de um chefe, seguida de um aperto de mãos em que nada se fala, mas em que, tacitamente (de novo, a palavra nos persegue), os olhos se encontram fixamente numa transmissão espontânea de um voto de confiança e respeito recíproco.

A verdade é que isso tudo encheu o saco e agora ninguém quer o coach histriônico dos “cinco passos deste homem que chocou Itanhaém ao emagrecer 57 kg em duas semanas”, muito menos a venda de um terreninho no céu a partir do desafio da live das cinco da manhã. O tão odiado cafezinho com o gerente do banco agora é objeto de desejo. Os bancões ganham tempo contra as fintechs. E tempo é muito dinheiro, principalmente se o juro é 13,25% (ou mais).

— O ciclo da pessoa física: há algo diferente aqui também porque agora 4,5 milhões de pessoas passaram a conhecer a B3. Antes, elas não conheciam. Era uma abstração, uma hipótese idealizada de perfeição de investimentos sob contornos hollywoodianos.

Se eu falasse das qualidades do gênio Luis Stuhlberger ou da habilidade especial da Dynamo (o Stuhlberger continua e continuará genial; a Dynamo continua e continuará especial; nomes sobre os quais deveríamos nos ajoelhar e agradecer todos os dias), o investidor leigo os teria como imaculados, perfeitos ou super-heróis porque é da condição humana exagerar estereótipos.

Agora, como uma criança que encontra os pais transando no quarto, a idealização caiu. O jovem que queimou a mão no fogão por conta de sua irresponsabilidade e teimosia evitará repetir o procedimento.

Como pode ser o novo ciclo: com o investidor demorando um pouco mais a voltar para ativos de risco e vindo mais parcimoniosamente. A parte boa?

Será menos idealizado, mais vida real. E, como diria Woody Allen, a realidade pode ser ruim, mas ainda é o único lugar em que podemos comer um bom bife.

Menos espaço para frustrações e mais capacidade de sobrevivência a longo prazo, de uma forma mais construtiva e saudável. E, assim, quem sabe, o conhecimento tácito se aproxime da Economia Normativa.

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