Felipe Miranda: Esclarecimento aos investidores conservadores
Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research
Está aquele clima ameno no Rio de Janeiro: 37 graus à sombra. No amontoado de gente na fila à espera do bondinho, a sensação térmica beira os 45. O pai, tão crítico da turistificação do mundo, está na cidade, entre outras coisas, para mostrar o Cristo e o Pão de Açúcar para o filho e o afilhado – um fiel escudeiro do outro e vice-versa. As crianças estão acima dos flaneurs.
De repente, percebe uma agitação um pouco diferente logo à sua frente. Sussurros ao pé do ouvido, seguidos de anuência com a cabeça. Mantém o pescoço imóvel, mas desloca os olhos sutilmente para capturar a cena enquanto finge discrição. O sotaque mole, doce e agradável típico de Minas Gerais atrai a audição instantaneamente. São dois casais apaixonados e aparentemente cunhados entre si conversando.
Apenas uma pequena parte do seu cérebro ainda se mantém entretida no jokenpô; ele insiste numa sequência perdedora de “pedra, pedra, pedra”, talvez sob uma influência por osmose e tácita da paisagem à sua frente. O filho está eufórico com seu “hat trick”, as três vitórias consecutivas pela escolha tríplice de “papel”.
A entropia da pequena discussão em mineirês aumenta. Desconfiado do que possa ser, ele joga de maneira definitiva sua orelha de leproso uma casa à frente, como se ela tivesse passe livre para furar a fila:
• “Cê num é aquele rapaiz do Iutubi? Do Doubilé Incómi?”
• “Oi, tudo bem? Acho que sou sim.”
• “Ah, que legal. A gente tava veno ocê antes di vir pra cá. Cê acha qui devo di assiná memo aquilo? A gente ficô interessado. Eu e meu cunhado, né, Cunhado?”
Cunhado, respondendo:
• “Ficô, sim. Tenho um pouco de dinheiro pá investi. O risco é alto?”
• “Olha, tem risco, sim. Mas tudo tem, né?”
Ela, voltando:
• “Ah, a gente é conservadô. Achu que então não é pra gente não.”
• “Entendi. Talvez você possa assinar e testar pra ver se gosta. Se não, você cancela. Eu não vou ganhar nada assim. Estou falando pra você ver se vale pra você.”
• “Ai, moço, cê mi disculpa, mas é que coisa arriscada não é pra gente, não.”
• “Claro, entendo. E respeito muito. Só talvez pudesse pensar naquela história do Muhammad Ali: aquele que não tem coragem de assumir riscos não alcançará nada na vida.”
• “Isso não é pra mim, não. Prazerrrr ti conhecê.”
• “Prazer, bom passeio.”
Dizem que o brasileiro é conservador. Isso do ponto de vista dos hábitos e dos costumes, que obviamente envolveriam a prática de investir. Esse seria um dos argumentos para a paixão pelos imóveis e o desgosto pelas ações.
Sei lá. O que se pretende conservar e preservar? Qual tradição deve ser a referência? Em outras palavras, queremos conservar a tradição de investir em imóveis e poupança? Ou o que queremos mesmo é preservar (ou aumentar) nosso patrimônio, nosso poder de consumo ou, até mesmo, nossos rendimentos tradicionais?
Precisamos separar o conservador do reacionário.
A ideia fundamental do conservador assenta-se sobre a perspectiva de que não podemos substituir instituições testadas pelo tempo sem garantias de que temos algo novo e melhor para colocar em seu lugar.
Já os reacionários negam qualquer evolução, qualquer atitude mais moderna e estão tipicamente associados a tentativas de recuperar o passado.
Recorro a Edmund Burke, por exemplo, considerado por muitos como fundador do conservadorismo moderno; era também um liberal, amigo próximo de Adam Smith, que o tinha como o maior aliado em suas ideias econômicas. Aliás, há uma conexão muito grande entre o liberalismo em sua concepção mais clássica (não americana) e o conservadorismo britânico. Burke foi um grande defensor de cercear poderes reais e de novos conceitos constitucionais, além de ter apoiado a revolução norte-americana.
Essa distinção entre o conservador e o reacionário precisa chegar ao campo dos investimentos. O panorama dos mercados hoje já é outro, e não adianta tentarmos, na marra, resgatar um passado que, para o caso brasileiro, foi muito pior, de várias crises inflacionárias e juros escorchantes.
Não há risco maior hoje do que deixar o dinheiro aplicado na poupança (como é o caso ainda da maior parte das famílias brasileiras), para ser em boa parte corroído pela inflação – se o sujeito quer mesmo preservar/conservar seu poder de compra, ele precisa se mexer. Note que os títulos indexados à inflação (NTN-B, atual Tesouro IPCA+), os fundos imobiliários e as ações oferecem justamente esse componente ligado à conservação real do patrimônio. Por definição, as NTN-Bs pagam uma taxa de juro acima da inflação; os fundos imobiliários carregam imóveis em seu portfólio e, portanto, são uma típica proteção contra aumentos dos níveis gerais de preço (aluguéis são reajustados pelo IGP-M); e as ações são ativos reais. A tal carteira do Double Income é pensada exatamente para os conservadores, para preservar capital e gerar renda ao longo do tempo.
Outro ponto importante a se colocar aqui é a imperiosa necessidade de se encarar uma nova realidade objetiva. Os rendimentos antes apurados em suas carteiras não podem mais ser computados sem assunção de risco adicional. Antes, tínhamos uma jabuticaba capaz de reunir liquidez diária, baixo risco e alto retorno. O bom produto histórico no Brasil sempre foi o CDI. Só que o país (e o mundo) mudou (mudaram). Para conservar a instituição dos mesmos rendimentos, o investidor precisará mudar. Esse é um aparente paradoxo, mas se trata de uma questão concreta: se a situação já mudou, você precisará mudar junto com ela pra continuar igual. Caso contrário, estará absolutamente inadequado e à margem das oportunidades.
Uma terceira situação quase anedótica dos ditos investidores conservadores é o que chamo de duplo beta, em que o sujeito não percebe o nível de risco a que está submetido ao não considerar seus ativos reais ou sua carreira profissional ao fazer aplicações estritamente financeiras.
O cidadão é funcionário público (como estereótipo, alguém mais propenso à segurança e à estabilidade do que à assunção de riscos e à inovação) e monta sua carteira com 100 por cento de títulos públicos – afinal, não quer abandonar a confiança da renda fixa e correr os riscos da volátil Bolsa. Bom, então o emprego dele e todas suas economias estão expostos aos mesmos fatores de risco. Se der uma zebra com os pagamentos do governo, ele ficará desempregado e sem reservas financeiras.
Vale o mesmo raciocínio para o investidor de imóveis que entra na Bolsa comprando fundos imobiliários e ações de incorporadora. Ou mesmo para o gestor dono de asset que coloca quase todo seu patrimônio no próprio fundo – assim, ele eticamente se diz alinhado ao cotista; ok, mas isso o expõe duplamente ao ciclo de mercado (no fundo e no próprio negócio, que é sensível às condições sistêmicas) e acaba sendo deletério porque o submete a um estresse pessoal gigantesco em bear markets (mercados em baixa).
Comprar ou não um ativo financeiro precisa levar em conta seus ativos reais e sua atividade profissional. Também precisa considerar o quanto você já tem daquilo na sua carteira. Na literatura, o portfólio de mínimo risco (supostamente o objeto de desejo dos chamados investidores conservadores) seria aquele que faz o hedge perfeito de seu padrão de consumo. Ou seja, se você tem 10 por cento dos gastos em dólar, terá de ter 10 por cento das aplicações em dólar, fazendo um cruzamento perfeito entre ativo e passivo.
Há uma implicação relevante do argumento. Decidir ter ou não Bolsa depende mais de sua exposição àquilo do que propriamente da perspectiva individual para aquele ativo ou classe. O benefício marginal de ter mais renda variável para quem já tem muitas ações é menor do que a vantagem marginal de comprar mais Bolsa por aqueles que têm pouco.
Ao olhar para o portfólio típico do investidor brasileiro e considerando a ideia clássica da carteira de mínimo risco, a prescrição resumida mais conservadora possível é: compre ações. Você precisa mudar para continuar o mesmo. É o único jeito de mirar os tradicionais retornos anuais de dois dígitos. Não há outro.