Empiricus Research

Felipe Miranda: E se tudo que tivermos de fazer for esperar?

04 jun 2019, 11:20 - atualizado em 04 jun 2019, 11:20

As coisas são tão “daqui-pra-lá”, sabe?

Você pensa no que pode fazer e no impacto potencial de suas ações sobre o mundo, sobre os outros ou até sobre si mesmo. Pensamentos e atitudes individuais ganhando formato e se manifestando sobre a realidade. A proatividade, sempre tão valorizada, como se pudéssemos a cada dia interferir no mundo para torná-lo algo melhor — ou, ao menos, tomar alguma providência sobre nosso próprio destino.

“Fiz isso pelo seu bem.” Olha, não é por nada, mas agradeço. Para o meu bem, prefiro eu mesmo escolher. Quando for pelo meu mal, daí passo a bola pra você.

Será que não poderíamos inverter um pouco o sentido dessa seta? Por que não pensar que a realidade pode se manifestar sobre nós? Que nossa capacidade contemplativa e consciente é que dá significado às coisas, como se fôssemos uma espécie de luminosidade capaz de dar substância ao que seria inanimado e sem sentido?

Seriam fenômenos acontecendo a partir de nós, dando a eles a conotação ativa da sentença. A vastidão do mundo atropelando-nos como uma onda avassaladora, contra a qual não poderíamos lutar, restando apenas a contemplação e a observação.

Como Carl Sagan abriu a série de TV “Cosmos” em 1980: “Os seres humanos, embora feitos da mesma matéria das estrelas, são conscientes e, assim, uma maneira para o cosmo conhecer a si mesmo”. Ocorre um certo milagre em que as coisas externas se desocultam a partir de nós.

Heidegger oferece um diálogo poderoso, entre duas pessoas, uma mais jovem e outra mais velha — ambas parecem ser versões do próprio filósofo. Elas estão calmamente observando uma floresta e a mais velha identifica algo inesgotável vindo daquela vastidão.

Ao que a mais jovem responde:

“Provavelmente, você quer dizer que o amplo, que predomina na vastidão, leva-nos a algo libertador.”

Mais velha: “Não me refiro apenas à amplidão na vastidão; quero dizer também que essa vastidão nos conduz adiante e além”.

Mais jovem: “A amplidão das florestas ondula até uma distância oculta a nossos olhos, mas, ao mesmo tempo, ondula se retraindo e voltando a nós, sem nos liquidar”.

No fim da conversa, o mais jovem conclui que, em vez de tentar inutilmente superar a devastação universal (uma metáfora contra o comunismo da União Soviética de um lado e o capitalismo tecnológico dos EUA de outro), a única coisa a fazer é esperar.

A ideia remete à noção de certo relaxamento, ao “deixar-se” ou mesmo à serenidade, do original alemão “Gelassenheit”. Precisamos permitir que as coisas sigam seu curso sem interferência. Ao mesmo tempo, devemos nos virar para as coisas, sem lhes desafiar ou lhes fazer exigências. As coisas precisam ser e também precisam sair e se mostrar, sendo nosso papel recebê-las e desencobri-las.

Este é um texto em defesa da inação. Quero hoje argumentar que as condições estão postas e cabe a você apenas recebê-las, deixando que elas mesmas se manifestem, em vez de você, como investidor, manifestar sobre elas sua ansiedade e sua afobação, como se a B3 pudesse servi-lo como terapia ocupacional — não, ela não pode.

Se você ficar em frente ao computador, ávido pela dica esperta do dia, pela necessidade de tomar uma atitude a cada 24 horas, você vai fazer besteira. Tudo que você precisa fazer agora — caso ainda não tenha feito — é se posicionar uma única vez apegado a questões estruturais e aguardar. Nada além disso. Você não vai ficar “tradando”, porque, ao fazê-lo, você transforma a Bolsa num cassino — o comportamento das séries financeiras no curto prazo é altamente randômico. E, claro, num cassino as probabilidades estão a favor da banca. Não tente nadar contra a corrente.

Para flutuações diárias, somos absolutamente cegos. Mas como diria o poeta Ozzy Osbourne: “My eyes are blind, but I can see”.

Há três coisas estruturais relevantes no momento, a saber:

1 — As últimas semanas emitiram sinais contundentes de que a articulação política melhorou e caminhamos a passos largos na direção das reformas. Isso pode ser percebido com o tal pacto dos três Poderes, com o discurso muito mais amigável de Jair Bolsonaro em relação ao Congresso e até mesmo à imprensa (ou com a menor frequência no Twitter; às vezes, a ausência das redes sociais é uma presença marcante) ou com a aprovação da MP 871, do combate a fraudes no INSS (há gente séria e boa falando que a economia anual com a medida pode chegar a 40 bilhões de reais, muito acima dos 10 bilhões ventilados), aos 45 minutos do segundo tempo no Senado, antes de caducar. Há capacidade de articulação; o resto é ruído.

2 — A inflação e as expectativas de inflação desabaram em suas últimas medições. Hoje mesmo, o IPC-Fipe apontou deflação inesperada com surpresa positiva no preço dos alimentos. IPCA deve confirmar comportamento benigno nesta semana e já há quem fale em deflação oficial em junho.

Em relação às expectativas, as últimas atualizações já colocam uma projeção inferior a 4 por cento para a variação do IPCA em 12 meses. Somem-se a isso a apreciação do real contra o dólar nos últimos pregões, a queda do preço das commodities (e o petróleo segue ladeira abaixo) e a bandeira verde para tarifas de energia.

Com inflação sob controle e reforma da Previdência aprovada, Copom vê o caminho livre para cortar Selic no segundo semestre, possivelmente em 1 ponto percentual. Para reforçar o quadro, produção industrial de abril acaba de decepcionar fortemente — subiu 0,3 por cento, contra 0,7 por cento esperado.

Economia está no chão e só restam estímulos monetários, dado que uma política fiscal expansionista está fora de cogitação — enquanto ajuste fiscal estrutural precisa ser o foco, também não podemos esquecer da gestão de curto prazo da economia. Tente contemplar o que podem ser os preços dos ativos brasileiros com reforma da Previdência aprovada e Selic a 5,5 por cento ao ano.

3 — Com a desaceleração da economia mundial, mais especificamente dos países desenvolvidos, volta o papo de queda de juro nos EUA. Europa deve manter política expansionista por mais tempo. E, ao menos por ora, a percepção é de desaquecimento, não de recessão pronunciada. Ou seja, com juros menores no centro, volta a fluir capital para a periferia.

Mercados emergentes guardam correlação positiva com liquidez mundial. Vale também dizer que há fatores estruturais empurrando também o juro longo para baixo, como a demografia, o excesso de concentração de capital (fundos de pensão e mesmo grandes hedge funds, diante da gigantesca liquidez global, dispõem de quantias astronômicas de capital e assim se veem quase obrigados a comprar títulos de longo prazo, empurrando as taxas para baixo; falta ativo de pouco risco para comprar) e a tecnologia, que por excelência é deflacionária.

Apenas permita que essas coisas se manifestem sobre o seu bolso. Muita Bolsa (com estatais e small caps) e juro longo (sei que é um call contra tudo e contra todos, que Deus e o mundo estão na B24, mas eu gosto mesmo é da 2055) — tudo claro, com diversificação e as devidas proteções. “Safe sex or no sex at all.” Afinal, até que as coisas se desocultem sobre nós, precisamos estar vivos.

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