Colunistas

Felipe Miranda: E se, de repente…

24 maio 2021, 14:05 - atualizado em 24 maio 2021, 14:05
“Quando você começa a se preocupar mais com sua reputação do que com fazer o certo, entramos no princípio do fim” diz o colunista.

“Se és capaz de manter tua calma, quando,

todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.

De crer em ti quando estão todos duvidando,

e para esses no entanto achar uma desculpa.

 

Se és capaz de esperar sem te desesperares,

ou, enganado, não mentir ao mentiroso,

Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,

e não parecer bom demais, nem pretensioso.

 

Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,

de sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.

Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,

tratar da mesma forma a esses dois impostores.

 

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,

em armadilhas as verdades que disseste

E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,

e refazê-las com o bem pouco que te reste.

 

Se és capaz de arriscar numa única parada,

tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.

E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,

resignado, tornar ao ponto de partida.

 

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,

a dar seja o que for que neles ainda existe.

E a persistir assim quando, exausto, contudo,

resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

 

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,

e, entre Reis, não perder a naturalidade.

E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,

se a todos podes ser de alguma utilidade.

 

Se és capaz de dar, segundo por segundo,

ao minuto fatal todo valor e brilho.

Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,

e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu filho!”

Se — Rudyard Kipling

 

Nas conversas de corredor ou nas reflexões consigo mesmo, rola sempre aquela ideia: melhor errar com todo mundo do que acertar sozinho. Protege reputações, evita a exposição das costas (para usar uma palavra mais elegante) na janela.

Mas quem é o seu senhor? Somos escravos da própria reputação? Ou prestamos conta apenas para nossos bolsos? Qual deve ser o objetivo do investidor: ficar bem na foto e com o próprio ego, ou ganhar dinheiro? 

Quando você começa a se preocupar mais com sua reputação do que com fazer o certo, entramos no princípio do fim.

A ancoragem é um problema já bastante documentado na literatura. Convergimos para uma referência qualquer, concentrando-nos num número ou numa perspectiva de qualidade para evitar uma grande distorção. No nosso contexto, especificamente, se o analista está otimista com uma ação, modela um fluxo de caixa descontado com a famosa conta de chegada, levando aos 30% de potencial de valorização. A famosa transcrição quantitativa da subjetividade. 

Se o consenso tem um preço-alvo de 140 mil pontos para o Ibovespa e eu estou um pouco mais otimista, solto 145 mil. Se estiver mais preocupado, vamos de 135 mil.

Há o viés do pesquisador, inclinando-se ao consenso. É quase inevitável. Raras são as pessoas que conseguem pensar com a própria cabeça. Prefere-se a grama pisada do conforto da manada ao risco do capim verde mais afastado.

A coisa piora um pouco quando sua ideia alheia ao consenso flerta com prognósticos mais favoráveis. Na melhor das hipóteses, o observador permite assumir-se como cautelosamente otimista. Os discursos muito positivos são tipicamente associados à falta de profundidade, a algum tipo de despreparo ou falta de experiência. 

O arrojo costuma cobrar caro. Se você entra numa suposta oportunidade e ela não se confirma, você perde muito dinheiro. Isso é muito pior do que apenas perder uma oportunidade. Nada vai mudar muito neste caso.

Mas, então, é isso mesmo? Devemos nos furtar a opiniões e atitudes contrárias ao consenso quando estivermos diante de uma grande oportunidade? 

Desculpe, eu não topo. Tenho a sensação de que estou sempre “On the road”: “ (…) eu penso em Dean Moriarty, penso até no Velho Dean Moriarty o pai que jamais encontramos, e penso em Dean Moriarty, eu penso em Dean Moriarty”. Eu penso em George Soros e Stanley Druckenmiller. Eu penso nas palavras do próprio Druck: 

“George Soros tem uma filosofia que eu também adotei para mim. A maneira para construir retornos consistentes de longo prazo é por meio da preservação de capital e de alguns home runs. Você pode ser muito mais agressivo quando está tendo bons lucros. Muitos gestores, quando sobem 30% ou 40%, encerram seu ano ali — isto é, passam a agir muito cautelosamente no resto do exercício, como forma de preservar o bom retorno acumulado até ali. A forma, porém, de apurar retornos verdadeiramente superiores no longo prazo é produzir retornos de 30% ou 40% e, então, se você ainda tiver convicções, perseguir 100% no ano! Se você puder reunir uns poucos anos de retornos próximos a 100% e evitar períodos de retornos muito negativos, então assim atingirá retornos espetaculares no longo prazo.”

E se, de repente, as coisas estiverem um pouco melhores do que conseguiríamos conceber a partir de uma visão de consenso?

Os economistas têm revisado para cima suas projeções para o PIB brasileiro em 2021. Era algo perto de 3%, virou 3,5% e, a partir do recente IBC-Br, as estimativas convergem para algo em torno de 4,5%.

Relatório do Bradesco na semana passada notou algo interessante: se nós assumíssemos a divulgação do último IBC-Br como uma projeção para o PIB do primeiro trimestre, então o crescimento de 2021 seria estelar. Falaríamos de um crescimento para o ano calendário de 6,2%.

Claro que é só um indicador, existem inúmeras incertezas, pode haver uma terceira onda. Não há crianças na sala. Sabemos de tudo isso. Como sei que você também sabe. Mas o ponto é que há espaço real e concreto para surpresas bastante positivas e uma assimetria grande na mesa.

A base de comparação é bastante fraca e a recuperação cíclica, assim como tem acontecido lá fora, encontra chances materiais de ser mais intensa do que se supõe, por simples reversão à média — depois de cair 4,5%, se você subir 4,5% ainda não volta para o mesmo lugar. Mais dois anos de perda importante de PIB per capita. 

Some a isso uma melhora dramática dos termos de troca, com as nossas principais commodities em patamares elevados e uma taxa de câmbio muito atraente ao exportador. Por piores que sejamos, vai entrar muito dólar via canal de comércio. A velha e não tão boa vocação agrícola e extrativista brasileira. Ao pó retornaremos.

E se você olhar para as alocações das famílias super-ricas, todo mundo já se preparou para a volatilidade das eleições de 2022 e para a perda de importância relativa do Brasil, com alocações ultrapassando até 90% no exterior. Vá na Pragma, na BW e pergunte como está a exposição dessa turma.

Sobre o processo eleitoral em si, na falta de um candidato de centro, podemos acabar com três. Bolsonaro e Lula devem acabar se encontrando em lugares parecidos sob a ótica macro, convergindo para discursos mais moderados — será a eleição de quem atrai o cidadão de centro, não dos extremos, que já tem seu lugar definido. E teremos o candidato de centro propriamente dito — ou vários deles fragmentados.

A gente se preparou tanto para o risco da eleição que talvez não haja mais grande risco. Repare no fluxo gringo e você vai ver que o estrangeiro já tem comprado bastante Bolsa brasileira.

Woody Allen nos lembra que a realidade é dura, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife. O Brasil está cheio de problemas, mas ainda é o único lugar onde se pode encontrar o menor custo de produção do minério de ferro de alto teor de concentração, alta produtividade da soja e uma Bolsa bastante descontada.