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Felipe Miranda: E se a Selic fosse agora a 5,5%? Por que não, Neto?

17 jul 2019, 11:05 - atualizado em 17 jul 2019, 11:08
Colunista avalia cenário hipotético de Selic a 5,5% na próxima reunião

Neto era meu maior ídolo na infância. Acho que foi responsável por uma de minhas maiores explosões de felicidade, naquele 30 de setembro de 1992. Sim, nosso camisa 10 estava meio apagado no jogo, admito. Parte importante da torcida vaiava o craque do time. Nós — eu e meus primos — nos acotovelávamos entre os ditos fiéis em defesa do nosso eterno Xodó. Gratidão era valor ensinado e absorvido lá em casa, à base de conversa ou chinelada. Sei é que é algo raro hoje em dia. Mas esquecer não podíamos daquele título de 1990, em que Neto ganhou sozinho pra gente contra o esquadrão tricolor. A ingratidão é pior do que o equívoco, pois a primeira é um ato contínuo e de caráter; enquanto o segundo é apenas um desvio momentâneo.

Voltando àquele jogo no Pacaembu contra o Guarani, a placa de substituição já estava levantada. Viola se preparava para entrar, ainda aquecendo-se à beira do gramado. Eis que a bola veio levantada da direita e Neto a atacou com uma bicicleta cinematográfica, direto para as redes do Bugre. Foi apoteótico. Depois, ele acabou se excedendo na comemoração. Tirou a camisa e saiu batendo no peito sob gritos de “eu sou foda”. Acabou expulso, claro. Mas, àquela altura, quem se importava? Neto era excessivamente humano. E talvez por isso fosse tão apaixonante.

Por conta do maior meia-esquerda que vi jogar no Corinthians (embora minha careca possa indicar o contrário, não peguei o Reizinho do Parque), desenvolvi certa empatia espontânea a todos os “Netos”. É possivelmente por isso que, mesmo antes de ele começar no cargo, já nutrisse simpatia pelo nosso atual presidente do Banco Central.

Sendo esse então neto de outro ídolo, o admirável e liberal Roberto Campos, minha espécie de “halo effect” se multiplica de imediato. Passo a gostar do sujeito como um todo só pelo título. Neste caso, a adoração tem nome e sobrenome.

Ah, claro, as ótimas referências colhidas com conhecidos que trabalharam com ele no Santander também estimulam meu preconceito positivo (existe isso?).

O problema com as figuras públicas, em especial com aquelas pelas quais se nutre simpatia sem muito motivo aparente, é que, sem querer, você se percebe se achando próximo do sujeito. O sujeito não faz a menor ideia da sua existência, mas você tem certeza de que é o melhor amigo do cara. É com essa falsa, ridícula e platônica sensação de proximidade, típica dos admiradores distantes e desconhecidos, que escrevo as linhas a seguir.

Embora sejam escritas em linguagem direta, não há aqui qualquer pretensão de que nossa máxima autoridade monetária esteja entre os três leitores disto aqui. Sei bem meu lugar no mundo. Talvez o tom possa ser tomado como algum desrespeito ao rito e à liturgia com que normalmente se fala com figuras assim tão proeminentes. Se assim parecer, peço desculpas. É apenas um recurso de linguagem, para tentar aproximar o leitor.

Então, lá vai…

Sabe, Beto, andei pensando. Agora, estão todos esperando um corte da Selic de 50 pontos-base na próxima reunião do Copom. Você deve ter lido a carta da SPX, né? Está lá escrito: “É quase certo que já na próxima reunião do Copom o Banco Central reduza os juros em meio ponto percentual e que faça isso mais duas vezes à frente, levando a taxa básica de juros para 5 por cento ao ano”.

Leu, não leu? Eu sabia. Parece que o Rogério foi aí conversar, né? Ele disse isso na Expert, não é segredo. Admiro ele também. Se fosse para chutar, diria que vocês se deram bem. O espírito dos traders excepcionais se conecta facilmente — as almas têm seus próprios ancestrais.

Eu também sei da dificuldade que é sentar nessa cadeira aí. Bom, ao menos eu imagino saber. Desculpe se soou arrogante. Talvez seja ainda mais difícil do que sou capaz de contemplar. Tenho cá meus limites intelectuais. Ainda assim, posso me lembrar daquele artigo do Alan Binder: “Central Bank Credibility: Why Do We Care? How Do We Build It?”. É importante a construção de credibilidade ao banqueiro central. E ela se constrói fazendo aquilo que fora sinalizado previamente nas comunicações, sobretudo as oficiais. É um paper clássico, nenhuma novidade, tá bom. Jamais imaginei trazer-lhe alguma coisa nova, em especial nesse tema.

Falando em coisa nova, essa história de credibilidade para quem está chegando deve ser ainda mais complicado, né? Aquela “síndrome do banqueiro central novo”. O cara precisa mostrar que é sério. Nas palavras que vocês mesmos gostam aí, ele há de ser “cauteloso, sereno e perseverante”. Olha, se eu apresentasse esses adjetivos para a professora do João Pedro, dando a ele os créditos por essas palavras tão carinhosas, suspeito que receberia em troca sete estrelinhas no caderno, uma para cada ano da idade dele.

Mas, Beto, uma coisa tem me preocupado. Uma coisa é a construção da credibilidade. Eu já entendi que isso é importante. Porém, eu fico com um pouco de medo de que isso deturpe um tanto as coisas. Às vezes, as pessoas passam a se preocupar demais com sua reputação e isso pode ser trágico. Eu não sei o quanto você esteve em contato com a literatura sobre gestão empresarial ou mesmo gestão de carreiras. Cara, quando o sujeito começa a se preocupar demais com sua reputação, em vez de se preocupar apenas em fazer o certo, aquilo é o princípio do fim. A reputação é para os escravos, resumiu Taleb — já leu Taleb também, né? Ah, se não leu, precisa ler, desculpa. O caminho correto passa por encontrar a si mesmo, a sua verdade, e não a visão que os outros vão ter de você.

A provocação que eu queria expor — veja se não faz sentido — é a seguinte…

Considerando que…

A inflação está sistematicamente abaixo da meta — com o câmbio caindo agora, pode vir mais surpresa, hein?

A expectativa de inflação está amassada, sem qualquer prognóstico de desancoragem.

Existe uma capacidade ociosa brutal na economia brasileira, tanto no mercado de trabalho quanto no parque fabril.

O mundo é deflacionário, sobretudo por conta da tecnologia e da demografia.

Os principais bancos centrais globais já sinalizaram afrouxamento da política monetária e alguns emergentes caminham na mesma direção.

Os juros reais de curto prazo no mundo minimamente civilizado é zero ou negativo.

E, principalmente, você encontrou o que queria para poder cortar o juro. Ou seja, se estávamos dependentes da sinalização da convergência da dívida pública para afrouxar o torniquete monetário, agora a coisa mudou. A reforma da Previdência será confirmada na Câmara e depois vai para o Senado com o jogo já ganho; as fraudes no INSS devem economizar mais uns 200 bilhões de reais em dez anos; teremos um amplo programa de concessões e privatizações gerando uma boa grana para os cofres públicos.

Vendo tudo isso, Beto, por que você não dá logo um “choque de juros” e corta a Selic em 1 ponto percentual na reunião do dia 31? Você acha mesmo que a inflação dispararia? Ou que a expectativa de inflação seria desancorada? Baseado em quê? Não tem nenhum, nenhum e nenhum sinal material disso no horizonte. Será que causaríamos um superaquecimento da economia brasileira, que vem sistematicamente decepcionando, semana após semana, em termos de ritmo de crescimento? Desculpe, mas não faz sentido.

Ó, a carta da Verde você também deve ter lido, né? Eu gosto quando o Stuhlberger (ou a equipe dele, sei lá — uso o nome como uma metonímia da gestora, o que, convenhamos, é um elogio) está mais disposto e resolve escrever mais; os documentos antigos eram um deleite lembra? E aquela época em que ele publicava os “performance attribution”, quando ainda era empolgado com equities (Belgo, Sadia, Dasa… era cada coisa legal). Desviei, desculpa.

Está lá escrito na carta: “Os anos de 2018 e 2019 não têm em comum apenas o crescimento baixo, mas também a frustração de expectativas de resultados mais robustos. Entre dezembro de 2017 e maio de 2018, a mediana da pesquisa Focus para o PIB de 2018 era de 2,6 por cento. Com a greve dos caminhoneiros como estopim, a projeção caiu para 1,5 por cento já em junho do ano passado”.

E mais: “Após cair quase 8 por cento entre 2015 e 2016, o PIB cresceu a ritmo médio de 1,4 por cento ao ano, ou apenas 0,5 por cento quando considerados apenas os últimos quatro trimestres. A permanência desse cenário inviabiliza qualquer trajetória sustentável da dívida pública, mesmo com o endereçamento do problema previdenciário”.

Vamos ligar os pontos. Se você está preocupado com o problema fiscal (foi você mesmo que disse em comunicações anteriores, nem vem!) e precisamos da volta do crescimento para endereçar o problema fiscal, você há de estar preocupado com o crescimento!

Então, pensa, em termos de política macroeconômica, só podemos brincar com os instrumentos fiscais e monetários para estimular o crescimento — dado que o câmbio é flutuante e, portanto, exógeno. Por razões óbvias, o fiscal é contracionista (precisamos fazer o ajuste). Então, só nos sobra um choque monetário. A boa forma de fazer isso é por meio de uma surpresa, cortando a Selic não apenas em 50 pontos-base, mas indo além, trazendo à mesa algo que ainda não foi contemplado pelas expectativas. As coisas andam na margem, com informações novas.

E fique claro: uma ousadia responsável, daquelas que separam os homens dos verdadeiros sábios. Sábios são diferentes dos heróis, que querem matar todo mundo, enfrentam um exército sozinho e muitas vezes morrem no final. Há totais condições para isso. Seria um golaço seu, daqueles de bicicleta, para honrar seu sobrenome.

Mas, Beto, eu confesso: não me dou a expectativas ingênuas. Eu sei que você não vai fazer isso. Não tem problema. Eu vou continuar te admirando. Ao final, porém, lá na frente, a maré das circunstâncias vai fazer a gente discutir a possibilidade de levar a Selic a 4,75 por cento. Vai ser uma revolução para os investimentos em Bolsa e para os prefixados, não vai?