Opinião

Felipe Miranda: É o que é

27 nov 2018, 15:42 - atualizado em 27 nov 2018, 15:42

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus

Antes de tratar do pretendido para hoje, me sinto no dever de respeitosamente comentar a coluna de Marcelo Barbosa, presidente da CVM, publicada hoje no jornal Valor Econômico. Vai ser coisa rápida.

Com seu costumeiro brilhantismo, Barbosa faz uma defesa da autorregulação no mercado de capitais, enfatizando nominalmente os trabalhos de Apimec e Ancord.

Como os três leitores desta newsletter talvez se lembrem, eu – aqui como uma metonímia da Empiricus – empenho uma luta contra a atuação da Apimec. O argumento é bastante simples: sendo uma entidade privada, sob o risco de infringir preceitos constitucionais, a Apimec não pode punir ou sancionar analistas de valores mobiliários. A atividade de poder de polícia precisa, necessariamente, ser exercida por um ente público. Em não sendo o caso, incorremos no claro risco de que instituições privadas atuem para atender a interesses privados.

Minha pontual crítica ao excelente texto de Barbosa incide sobre este parágrafo, cujos desdobramentos se espraiam para outros, evidentemente. O cerne, porém, está aqui:

“A segunda premissa é que regulador e entidades autorreguladoras compartilham um objetivo comum: o crescimento e a solidificação do mercado. (…) O autorregulador, por sua vez, é formado por agentes de mercado, e tem inegável interesse em sua higidez.”

Vejo ao menos dois problemas aqui. O primeiro é de que se toma o que deveria ser conclusão por premissa. Com o devido rigor científico, deveríamos submeter a ideia de que “agentes de mercado querem o crescimento e a solidificação do mercado” ao devido teste de hipótese. Há alguma validação empírica da assertiva? Qual seu rigor econométrico?

Em se tomando a ideia de que o autorregulador (entidade privada) atua em prol da higidez do mercado como premissa, a conclusão em favor do autorregulador já está dada. É uma clara tautologia. Um texto em defesa da autorregulação que toma como premissa que a autorregulação é boa.

A segunda questão é menos de ordem epistemológica e mais mundana. Abandonemos o rigor científico. Foquemos na intuição a partir de exemplos. Apelo a casos particulares apenas para provar o caso geral por indução. Não há qualquer perda de generalidade.

Suponha que houvesse uma entidade autorreguladora da indústria de transporte urbano. Como não havia ainda a existência do Uber, evidentemente, essa entidade seria dominada por representantes dos taxistas. Será mesmo que os líderes dessa associação de classe atuariam em prol do crescimento e da solidificação do mercado de aplicativos de transporte? Será mesmo que preocupar-se-iam com a higidez desse mercado?

Transpondo para o caso aqui em questão, uma associação cujos membros votantes se ligam a bancos e corretoras estaria interessada em desenvolver a pesquisa independente de investimentos? A resposta é autoevidente. A premissa em questão mata qualquer tipo de inovação, em qualquer mercado. A autorregulação, por construção, vai sempre atuar na defesa dos interesses já estabelecidos e não no real desenvolvimento do mercado e na disrupção.

Agora, vamos ao tema de hoje especificamente. Coisas acontecem na vida sem que a gente perceba. Somos levados pela maré das circunstâncias. Primo meu escreveu ontem: “Na quinta, a gente criticava junto o atual time do Coringão, e eu tentava te convencer a passar o Natal aqui com a gente. Na sexta, você estava falando com um Prêmio Nobel, é isso?”.

Respondi só que preferia conversar com ele a conversar com o Thaler. Nada contra o Thaler, claro. Mas, por trás do personagem fingindo-se de estoico, há um Felipe tímido e com muita dificuldade de falar com quem não conhece. Ele veste uma capa protetora, concentra-se e vai lá, como se, por alguns minutos, pudesse fugir de si mesmo. Poucos percebem. Coincidentemente, toca ao fundo “Round Here”: “Step out the front door like a ghost into the fog where no one notices the contrast of white on white”. A trilha sonora de Billions não é mesmo fantástica?

Antes era muito pior – com o tempo, acostumei um pouco. Nem me dou conta direito e sigo o protocolo como se não fosse eu mesmo. Nossa família é de classe média-média e ainda fica surpresa com essas coisas. Faz aquela coisa brega de comentar no Facebook e encaminhar no grupo de WhatsApp, do qual saí por simples vergonha. Eles me perguntaram o que foi mais legal da conversa e eu respondi assim: “Legal mesmo, pra mim, foi quando falamos da conversa dele com o Eugene Fama, sabe? O expoente da Economia Comportamental debatendo com o sujeito da Hipótese de Mercados Eficientes, discordando em várias coisas, mas, ao mesmo tempo, parecendo os dois certos. Ali estava meu verdadeiro interesse: epistemologia de finanças”.

Não sei se deu para entender. Tento explicar melhor. Como resumiu Thaler, “eu e Gene concordamos com os fatos, mas discordamos das interpretações”.

Há dois grandes pilares envolvendo a hipótese de mercados eficientes. O primeiro deles é que “o preço dos ativos está sempre certo”. Ou seja, se uma ação está na tela hoje a 10 reais é porque, considerados os fundamentos daquela companhia e todo seu entorno, o valor justo daquilo é mesmo 10 reais.

Para Thaler, há várias evidências de que o preço pode se descolar dos fundamentos – as várias bolhas especulativas seriam o exemplo mais emblemático disso e ações reagindo a notícias que, efetivamente, não se conectam com a realidade objetiva daquela companhia.

Para Fama, essas distorções entre preço e valor são meras anedotas, exceções que, no fundo, acabam por comprovar a regra de que o mercado é eficiente.

Mas sabe qual é o ponto mais interessante disso? É que, em termos práticos, não muda nada quem está certo. Isso porque ambos concordam sobre a segunda perna da hipótese de eficiência: você não consegue bater o mercado. É curioso como mesmo Thaler defende isso, concordam com a proposição original de Eugene. Ou seja, mesmo se você assumir que o preço pode estar errado, isso não significa que consiga extrair retornos extraordinários a partir daí.

Como exemplo, Thaler citou o caso do bitcoin. Para ele, isso era uma bolha desde os mil dólares. E ele mantém essa posição. Então, hipoteticamente, sugeriu: “Imagina se eu tivesse vendido a descoberto bitcoin nesse preço? Ainda que eu estivesse certo do ponto de vista dos fundamentos, eu estaria quebrado do ponto de vista pessoal”.

Os preços podem ficar muito mais irracionais do que se imagina, e por mais tempo que você possa tolerar. Aliás, é a segunda tautologia de hoje. Se um preço fica um pouco irracional, ele também pode ficar muito irracional, não é mesmo? Ou agora estabelecemos limites para a irracionalidade? E quem marca esse limite?

Claro que, detentores do excesso de confiança e do narcisismo de pequenas diferenças, sempre achamos que nós, munidos de grandes superpoderes, podemos ser sempre melhores do que a média e bater o mercado. A fraqueza e o problema estão sempre no outro, em mim mesmo, não! Na Faria Lima, tenho somente Álvaro de Campos como meu companheiro em linha reta: eu que tenho sido ridículo, absurdo, grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, que tenho sofrido enxovalhos calado e que, quando não tenho me calado, tenho sido mais ridículo ainda, verifico que não tenho par nisso tudo neste mundo. Como eu mesmo brinquei com Thaler, 95 por cento das pessoas se acham acima da média, o que, obviamente, é uma impossibilidade lógica.

Quanto mais eu estudo, mais converso com gente inteligente, mais me dedico ao conhecimento em suas mais variadas formas (e essa é uma das coisas que mais gosto de fazer), mais me convenço: a gente não sabe nada.

Se você não pode superar um inimigo, junte-se a ele. Na impossibilidade de bater o mercado de forma sistemática, monte uma carteira diversificada e balanceada. Os benefícios da gestão passiva são bastante menosprezados por toda indústria financeira, sempre interessada em vender algum produto mais caro sob a desculpa de que “há uma grande inteligência por trás geradora de alfa, que precisa ser recompensada”.

É triste, mas é o que é. “Daddy, you’re a fool to cry, you’re a fool to cry”, diria João Pedro – ou seria o Mick Jagger? A realidade morde. Sigamos. Amor fati, diria Nietzsche.

Se o ponto de hoje ainda não ficou claro, deixo a pergunta: se falássemos há três meses que teríamos eleito um governo liberal, com essa equipe de ministros e secretários que vem sendo anunciada, você acreditaria que o dólar hoje estaria em 3,91 reais? Os maiores “especialistas” em câmbio no Brasil, gente que historicamente ganhou muito dinheiro com esse negócio, vinham pregando que o dólar, sem risco eleitoral, deveria ficar ali em 3,60/3,70. A realidade insiste em nos desafiar.

A queda das commodities preocupa, com minério de ferro caindo 8,4 por cento só ontem (já são 15 por cento no mês). As repatriações típicas de final de ano criam fluxo negativo claro. Todos se preocupam com a guerra comercial entre EUA e China depois de Donald Trump voltar ao Twitter. E sabe lá Deus até quando sobe o juro nos EUA.

Se eu concordo que o dólar está acima de seu equilíbrio de longo prazo contra o real? É claro que sim. Então, é pra apostar contra e vender dólar? É claro que não. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, por mais incrível que possa parecer. E se isso não ficou claro, é sinal de que eu mais uma vez fracassei no texto de hoje.

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