Felipe Miranda: Duas lições de trading e investimentos
Quando Jack Schwager se encaminhava para o final da entrevista com Gary Bielfeldt para o livro “Market Wizards”, ele foi subitamente interrompido. Bielfeldt pediu para Jack desligar o gravador. Ele gostaria de falar sobre a relevância e a aplicabilidade das estratégias do pôquer para o trading, mas não queria contribuir para a imagem dessa prática como alguma forma de aposta ou jogo. Schwager, no entanto, achou a analogia especialmente apropriada e conseguiu manter o diálogo “on the records”.
Ficou mais ou menos assim, na minha péssima tradução livre:
“Eu aprendi a jogar pôquer muito jovem. Meu pai me ensinou a jogar a partir das probabilidades de vitória, calculando as porcentagens. Você não participa de todas as rodadas e não joga até a última carta necessariamente, porque se você o fizer, você terá uma probabilidade muito maior de perder. Você deve jogar apenas as mãos boas, e desistir das mãos ruins, admitindo perder aquela aposta. Quando mais cartas estão na mesa e você tem uma mão muito forte — em outras palavras, quando nota que as probabilidades estão a seu favor — você aumenta a aposta e vai até o talo.
Se você aplica os mesmos princípios do pôquer para o trading, você aumenta significativamente suas chances de vitória. Eu sempre procurei me manter paciente esperando pelo trade certo, da mesma forma com que você espera por uma mão boa no pôquer. Se um trade não parece bom o suficiente, você sai fora e afere apenas uma pequena perda. Em contrapartida, quando as porcentagens estão bastante a seu favor, você deve ser agressivo e agir como se tivesse uma mão muito boa no pôquer.”
O ponto aqui, claro, não é a associação do trading ou do investimento com jogo ou aposta. Ao contrário até. Como explica Robert Rubin, o investimento, quando bem feito, na verdade tem uma conotação literalmente oposta àquela de uma ida ao cassino, porque as probabilidades ficam a seu favor, não a favor da banca.
Há duas lições fundamentais nessa analogia. A primeira é a necessidade de se aplicar um pensamento probabilístico ao investimento e ao trading. Não se trata de um ambiente de certezas e resultados futuros que possam ser antecipados concretamente. São situações probabilísticas e é assim que você deve encará-las. Ou seja, o risco, a probabilidade de não dar certo ou de algo não correr conforme o esperado, faz parte do processo — a ideia é ser agressivo quando o risco de perda é baixo e o potencial de ganho é grande, maximizando suas chances de sucesso.
Decorre daí a segunda lição: erros e perdas fazem parte do jogo. Você não vai ganhar todas. Precisa se acostumar com isso. O segredo está em saber reconhecer quando se deve sair ou não participar, perdendo pouco, e ser agressivo quando as chances estão muito a seu favor. Lembrando George Soros, precisamos respeitar o mercado e admitirmos que ele está certo na maior parte do tempo; nas raras vezes, porém, em que estivermos diante de um diferencial, havemos de ir na jugular.
Quando você abandona a obsessão pelas certezas e admite estar vivendo num universo de probabilidades, está diante de um novo paradigma, de mentalidade e de resultados práticos. Essa, para mim, é a principal mensagem do livro “Market Wizards” — se eu posso tirar uma coisa boa desta Covid é o quanto estou podendo ler. Neste caso, reler, mas cada leitura, para mim, é como se fosse a primeira.
Eu tinha me esquecido, por exemplo, do quanto simpatizo com as ideias do Paul Tudor Jones. A certa altura, ele enfatiza algo muito simples, mas por vezes destruidor ao investidor, que se apega excessivamente aos seus preços de entrada num determinado ativo.
“Nunca procure fazer preço médio. Diminua seu volume de trading se você está numa sequência perdedora; aumente se você está indo bem. Nunca trade em situações em que você não tem controle. Por exemplo, não assuma riscos significativos às vésperas da divulgação de relatórios importantes, porque isso é aposta, não é trading.
Se você tem uma posição perdedora que está lhe causando desconforto, a solução é muito simples: saia fora, porque você sempre pode voltar se quiser. Não há nada melhor do que um recomeço renovado.
Não fique preocupado com o nível em que você entrou naquela posição. A única questão relevante é se você está otimista ou pessimista com a posição daquele dia para frente. Sempre pense em seu preço de entrada como sendo o preço do fechamento da véspera. Traders novatos sempre me perguntam ‘você está comprado ou vendido?’. Se eu estou comprado ou vendido, não deveria fazer diferença sobre a opinião dele sobre o mercado. Na sequência, eles questionam, assumindo que eu esteja comprado ‘desde qual preço você está comprado?’. Quem se importa desde qual preço estou comprado? O relevante é que estou comprado agora, achando que vai subir a partir do atual preço. O preço de entrada não tem importância sobre meu otimismo ou pessimismo a partir de agora, ou sobre o balanço de risco e retorno naquele momento.
(…)
Não seja um herói. Não tenha um ego. Sempre questione a si mesmo e sua habilidade. Nunca sinta que você é muito bom. No segundo em que você achar isso, você vai estar morto.”
Paul Tudor Jones, um dos maiores traders de todos os tempos, nunca se achou muito bom. Os day traders da quarentena estão convencidos de que são ótimos. Acho que podemos parar por aqui.
P.S.: Gostaria de convidá-lo para ouvir nosso podcast Empiricus Puro Malte. É um projeto super novo e já está entre os podcasts de negócios mais ouvidos do Brasil. Neste episódio, contamos um pouco dos bastidores da Empiricus, passando pelo nosso marketing, falamos de arrogância no mercado financeiro e falamos sobre investimentos, claro. Se puder ouvir e nos mandar feedbacks em puromalte@empiricus.com.br, ficaríamos muito felizes.