Opinião

Felipe Miranda: Dólar, bolsa e juros, em busca de assimetrias

19 jun 2019, 10:54 - atualizado em 19 jun 2019, 10:54

“Que cê acha dos fundos quantitativos?”
“Ah, eu, Felipe, não gosto.”
“Então, não devo ter dinheiro aplicado neles, certo?”
“Puts, desculpa. Errado. Acho que você deve ter dinheiro aplicado neles.”
“Mas você não disse que não gostava?”
“Sim, eu disse.”

Pode parecer estranho, mas é isso mesmo. Primeiro explico por que não gosto. Depois digo por que defendo uma pequena alocação na classe, mesmo desgostando dela.

Para quem não está familiarizado com a coisa, fundo quantitativo é uma abordagem matemática que, a partir de algoritmos, sistematiza uma série de dados de mercado para tomar decisões de investimento. Pegam um monte de fundamentos econômicos para embasar suas estratégias, codificam isso numa regra de atuação matemática e, então, deixam os algoritmos agirem no mercado sem interferência humana. É uma explicação meio tosca, mas é por aí.

Eles são um sucesso lá fora, respondendo por cerca de 30 por cento da indústria nos EUA. Aqui estamos perto de 1 por cento, com poucos representantes com algum relevo. Penso aqui em Kadima, Murano, Pandhora, Visia Zarathustra — se esqueci alguém, peço desculpa, não fiz por mal.

Minha resistência inicial a esse negócio se refere a uma questão um pouco mais ligada à metodologia, talvez até de filosofia da ciência. Papo rápido sobre isso: tentando se afastar da História e das Ciências Sociais, que dentro da academia são percebidas como menos glamourosas do que a chamado “hard science”, a Economia adotou para si a hipótese de ergodicidade. O palavrão quer dizer que os economistas, para poder matematizar suas questões e dizerem-se cientistas sofisticados não enviesados pelas próprias convicções narrativas, poderiam considerar que as propriedades estatísticas de séries econômicas e financeiras eram preservadas ao longo do tempo. Ou seja, de forma bem grosseira, haveria um certo padrão de comportamento capaz de ser modelado, sem grandes quebras estruturais.

Seria uma maravilha, claro. O problema é que a realidade é não ergódica. Você acha que conseguiria modelar seu padrão de comportamento num Excel (ok, o Excel é chucro demais; em qualquer outro software do tipo Matematica, EViews, MatLab)? Nas finanças e na economia, estamos no Quarto Quadrante de Nassim Taleb e, portanto, a econometria e a estatística têm pouco a nos oferecer. É um terreno dos cisnes negros, aqueles eventos raros, de alto impacto e imprevisíveis que mudam simplesmente tudo — por definição, são imprevisíveis e, portanto, não são passíveis de modelagem matemática. Nem adianta tentar. Existe uma questão tautológica aqui: qualquer abordagem econométrica exige uma amostra minimamente grande; oras, como obter uma amostra grande de eventos raros se eles são raros?

Os economistas são os invejosos da Física e valorizam excessivamente o poder de modelos matemáticos. Essa é a minha opinião.

Mas agora deixa eu te dizer uma coisa, que começa a nos conduzir para a segunda parte do nosso problema, ou seja, para o fato de que, a despeito de meu ceticismo com os fundos quant isoladamente, entendo que eles deveriam compor sua carteira: a verdade é que minha opinião vale zero.

Para começar, eu me sinto um completo idiota. Não é sempre, só quando eu respiro. Então, jogue fora minhas opiniões.

Além disso, o brilhante histórico de abordagens quant de casas como AQR (230 bilhões de dólares sob gestão), Bridgewater (125 bilhões) e Renaissance (84 bilhões) — só para ficar nos casos mais óbvios — já poderia derrubar meu argumento.

Ou não. Aqui está um ponto que normalmente escapa às pessoas quando se debate gestão ativa e passiva. O fato de haver fundos com desempenho acima da média do mercado não atesta a superioridade da gestão ativa. Pode ser (e aqui nem quero afirmar nada; estou apenas no campo das possibilidades) apenas que estejamos diante de uma distribuição normal de retornos em torno da média. Em meio a milhares de fundos, uns vão, natural e aleatoriamente, estar acima da média; outros vão estar abaixo. A probabilidade de uma pessoa particular — seu cunhado, por exemplo — ter um retorno excepcional é baixíssima; mas a chance de haver uma pessoa com um retorno excepcional no planeta Terra é grande. Para tornar mais tangível o argumento, pense que a chance de você ganhar na Mega-Sena é baixa. Mas a chance de uma pessoa qualquer ganhar é alta. A gente só observa os vencedores, que podem ser apenas escolhidos e iludidos pelo acaso, a posteriori. Warren Buffett pode ser simplesmente a exceção estatística dentro de uma distribuição aleatória de cauda longa, por que não?

Isso foi só um desvio — mas que considero importante. Volto.

O motivo central da defesa de fundos quant em sua carteira, independentemente de opiniões particulares sobre as qualidades individuais da classe, é de que eles cabem bem no seu portfólio. Esse é o ponto central da coisa. Por serem bastante descorrelacionados com o restante do mercado, sua introdução num portfólio diversificado permite enorme diminuição de risco com preservação de retorno potencial da carteira. Manifestação clássica dos chamados “ganhos de diversificação” de Harry Markowitz.

Deixo claro: esse não é um papo sobre a indústria quant, embora pareça. Não quero aqui dar opiniões sobre fundos. Respeito a tudo e a todos. Uso o caso apenas como um exemplo, um caso particular para provar o ponto geral. Minha questão é com a alocação e com a necessidade de se olhar o portfólio como um todo, e não a perspectiva individual de um ativo ou classe. Talvez seja pretensioso, mas eu gostaria muito de passar essa mudança de mindset.

Às vezes, você não gosta de um ativo ou de uma ação, mas ela precisa estar ali cumprindo uma função relevante no seu portfólio. As pessoas andam muito fechadas para a diversidade, sabe? “Qual é Seu Guarda, que papo careta?” “Dona das divinas tetas, quero teu leite todo em minha alma, nada de leite mau para os caretas.” Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada.

Sua opinião (ou a minha) sobre determinado ativo importa muito menos do que se imagina. Você pode ser um gênio ou um idiota como eu. Esquece esse lance de “qual o ativo certo para comprar agora? Qual a ação para hoje?” Ou como era no centro no final dos anos 70, em que se tinha um mercado informal bem peculiar, chamado de “mercado dos 100%”, em que operadores de Bolsa apostavam qual ação dobraria naquela semana. Sim, é real, fato histórico mesmo.

Em vez de pensar no ativo certo, você precisa pensar na diversificação certa. Esse é o Santo Graal de Ray Dalio. O último almoço grátis do Nobel Markowitz. É isso que você tem que buscar todo dia.

E qual é a diversificação certa para hoje?

Eu iria com o combo Bolsa, juro longo e dólar. Note que, individualmente, acho que o real tende a se fortalecer contra a moeda norte-americana. Mas, entre as três classes (ações, renda fixa e câmbio), o dólar me parece aquele com a assimetria menos convidativa.

De forma muito, muito rápida e resumida:

A Bolsa me parece bem barata, à espera de um re-rating pós-Previdência. Gringo vai começar a vir com queda de juro lá fora e necessidade de voltar a ganhar exposição a emergente. Ele está bem subalocado em Brasil e vai olhar de novo isso após anos em que estivemos alijados da visão gringa. Institucional local, embora tenha comprado recentemente, ainda está pequeno — os grandes têm no máximo 15 por cento disso, sendo que já tiveram 30; enquanto fundo de pensão, com sua costumeira velocidade, começa a se mexer agora. Teremos re-rating primeiro, igual na Índia; e lucros corporativos andando com mais força depois com volta do crescimento.

Juro longo é proxy da Previdência e percepção de risco institucional. Além disso, alta liquidez global derruba yields no mundo todo. Pegar 4 por cento de juro real num país razoavelmente equilibrado (pós-Previdência) é uma exceção nos tempos de hoje. Eu só volto a conversar sobre isso quando B50 bater 3,5 por cento. Aí eu penso em socar todas também. Se VIX você compra a 10 e vende a 20, B50 você vende a 3,5 e compra a 7. O Brasil está condenado ao cercadinho da mediocridade emedebista.

E o dólar? Se fosse pra chutar, eu acho que o dólar é pra baixo. Mas ele serve como bela proteção e hedge para nossas posições em Bolsa e em juro longo. Por quê? Apesar de todos modelos econômicos stricto sensu apontarem para um real mais apreciado, temos o problema do carry. Ou seja, o diferencial de juros entre Brasil e o resto do mundo não é mais o que foi no passado. Ele está mais apertado agora. Para reforçar o ponto, ele pode diminuir ainda mais e esta quarta-feira me parece indicar algo nesse sentido.

Pra mim, Copom vai pavimentar a via com certa nitidez sobre cortes da Selic no segundo semestre. Juro básico no final do ano deve encostar nos 5 por cento na minha opinião. Acredito que ele deva mexer no balanço de riscos, apontando uma assimetria agora, com mais riscos de a inflação ficar abaixo da meta do colegiado — e, sabe como é, nós adoramos uma assimetria de retornos.

Enquanto isso, mercado talvez tenha cobrado excessivamente do Fed e não me surpreenderia alguma frustração com comentários de hoje da reunião do BC dos EUA — consenso já aponta dois cortes de juro neste ano por lá e não sei se as incertezas no horizonte permitem um compromisso tão grande pela autoridade monetária. Se confirmado, isso poderia gerar alguma recuperação momentânea do dólar.

Diante dos ganhos importantes das últimas semanas, vale um pouco de prudência. Na Carteira Empiricus , por exemplo, acabamos de fazer um pequeno ajuste de posições, justamente para tirar um pouco o pé do acelerador, gerar uma liquidez, observar o cenário e embolsar uma parte dos lucros recentes — a Carteira é minha maior recomendação para quem quer um portfólio diversificado, balanceado e com excelente combinação risco-retorno. Nada muito abrupto, apenas uma movimentação na margem, uma pequena reforma. Para um conservador, não cabem revoluções.