Felipe Miranda: Dez surpresas para 2021
Este é meu primeiro Day One de 2021. Entrar em férias é bom. Só é pior do que trabalhar. Saio do escritório, mas os mercados não saem completamente de mim. “Animal of the markets…”
Minha estreia neste calendário dá continuidade à já clássica tradição lançada há 12 meses: as dez surpresas projetadas para o ano.
Num típico Golpe de Estado, penso que “meu caso de amor virou um caso sério, cobrindo minha vida de mistério” — roqueiros entenderão. Depois do ocorrido nas “Dez surpresas para 2020”, a brincadeira virou coisa séria, embora ainda seja tratada aqui com leveza e apenas um farol para nos iluminar sobre alguns temas importantes.
Mesmo diante da extraordinariedade de 2020, sete de dez surpresas mencionadas acabaram se materializando. É uma bela taxa de acerto. Pela essência e natureza das “surpresas”, se cinco delas se concretizassem, já implicaria sucesso. Isso se deve à própria definição do termo.
Por “surpresa”, entendemos aqui um evento para o qual o consenso de mercado atribui uma probabilidade igual ou inferior a 33%, enquanto, na nossa opinião, ele goza de uma chance superior a 50% de ocorrência.
Ou seja, é um evento sobre o qual o mercado atribui baixa probabilidade, de modo que sua potencial materialização implica um bom payoff, mais ganho potencial do que perda potencial. Se você acerta cinco e erra cinco, mas cada acerto paga mais do que cada erro lhe gera prejuízo, então você acaba saindo com lucro consolidado.
É a exata mesma definição de Byron Wien, da Blackstone, que desde 1986 publica em janeiro suas “Surprises for the year” — sim, você está certo: estou copiando a ideia desde o ano passado. Tenho esse péssimo hábito. Verdade inconveniente: se você se acha original, você apenas não leu o suficiente.
O objetivo, obviamente, não é acertar as dez surpresas para o ano. Apenas apontamos nossa divergência em relação ao consenso em determinados tópicos, em que estamos mais confiantes em sua respectiva materialização do que a média dos demais participantes do mercado.
Trata-se de um exercício de pensamento probabilístico, não de um esforço de futurologia.
Começo pelo balanço de 2020. Erramos que o Ibovespa fecharia o ano acima de 150 mil.
Talvez rolasse não fosse a pandemia, mas pouco importa. Acertamos que o índice passaria por pelo menos duas correções superiores a 10% (essa foi folgada).
Também dissemos que os bancos seriam os grandes perdedores do ano. Placar: 2×1 pra “nóis” até agora.
Projetamos o fechamento de capital da Cielo (CIEL3) por um preço inferior às cotações de tela naquele momento.
Até arrisco dizer que poderia reivindicar um meio certo nesta questão, dado que as ações da Cielo sofreram grandes perdas no ano, de modo que quem apostou nesse item acabou ganhando bastante dinheiro — os papéis fecharam, de fato, bem abaixo do preço de tela do início de janeiro. Mas sejamos rigorosos. Gol (GOLL4) dos caras. Agora: 2×2.
Afirmamos que XP terminaria o ano com valor de mercado superior a R$ 100 bilhões. Bingo!
Contra-ataque: apostamos na privatização da Eletrobras (ELET3) e em impacto positivo importante sobre suas ações. Como sabemos, não rolou.
Daí em diante, foi cada enxadada, uma minhoca.
“O S&P superará a marca de 3.500 pontos”;
“A eleição americana, apesar de trazer muita volatilidade a Wall Street, com várias correções superiores a 5% ao longo do ano, acaba sendo driver positivo aos mercados. Warren e Sanders parecem extremistas demais para serem alçados à Casa Branca, enquanto Biden e Bloomberg não seriam ameaças reais a Wall Street”;
“O ouro alcançará a marca de US$ 1.800 por onça diante de nova flexibilização monetária e lançamentos de pacotes fiscais adicionais, além de ganhar apelo num mundo onde taxas de juro negativas continuam a viver aqui e ali”;
“Por mais de uma vez no ano, o dólar subirá além da marca de R$ 4,30, sob redução estrutural do diferencial de juros entre Brasil e exterior e diante dos aumentos súbitos do grau de aversão ao risco”.
Placar final: 7×3.
Obviamente, algumas dessas coisas, talvez todas, parecem óbvias agora, sob o viés da retrospectiva. Mas há de se lembrar o momento de sua escrita, quando tais afirmações ainda eram vistas como improváveis.
O texto original para 2020 pode ser encontrado neste link.
Agora vamos para 2021.
- O Ibovespa fechará o ano acima de 150 mil pontos. Começo rigorosamente da mesma forma, para ver se mantém a sorte. Brincadeira, claro. A verdade é que os nomes de commodities do índice, em especial Petro e Vale, continuam bastante baratos, sobretudo nesse preço das matérias-primas. Utilities também estão muito atraentes. Os nomes ligados à reabertura da economia podem, no geral, ir bem com a vacina, como educacionais (exceto Cogna, de que eu não gosto), shoppings, aéreas (prefiro Azul). Na parte de consumo, tenho especial apreço por aqueles que entenderam o real valor do omnichannel — Magazine continua indo bem, Lame pode ser porrada (mais sobre isso à frente).
- O S&P 500 vai superar a marca dos 4.000 pontos. A verdade é que a Bolsa americana é a grande ganhadora de longo prazo (junto com os REITs). Historicamente (não é uma opinião, é uma observação estatística), isso costuma andar bem após períodos de recessão econômica. Os juros devem continuar muito baixos, ainda que as taxas de mercado possam subir um pouco. O prêmio de risco da Bolsa sobre a renda fixa continua em patamares razoáveis e existe uma quantidade brutal de dinheiro na economia. Os lucros crescem bem, até pela base de comparação fraca. Segue a migração para as ações em âmbito global — até porque não tem muita coisa para se fazer com o dinheiro.
- Juro real longo no Brasil virá abaixo de 3%, com recuo do dólar (aqui e lá fora) e alguns avanços fiscais. Parte do ajuste fiscal será feito pela recuperação do PIB, outra parte pela inflação e uma terceira por reformas aprovadas aos trancos e barrancos, sem ingenuidade, mas pragmáticas. Se “o Brasil está quebrado e eu não consigo fazer nada”, só há um caminho: tirar o país da bancarrota. Não é por convicção ou conversão liberal. É pelo medo do precipício, por perceber o risco de se perder uma eleição caso sejamos jogados numa recessão brutal às vésperas do pleito presidencial. Sem reforma, o dólar sobe forte, os juros precisam subir, aborta-se a recuperação cíclica. Com inflação (dado o repasse cambial) e o desemprego explodindo (dada a subida de juro), Bolsonaro perderia a eleição. Nada como o medo da derrota nas urnas para forçar um batismo na religião liberal.
- Bancos tradicionais voltarão a ter uma performance relativa ruim, porque é um trend de longo prazo. Já não estão mais tão baratos. Não se beneficiam tão diretamente dos maiores gastos fiscais de Biden como as commodities. E vão ter seu “profit pool” cada vez mais atacado. Regulação, fintech, maquininhas, plataformas de investimentos, pressão por menores tarifas e taxas de administração de seus fundos, bancos digitais se multiplicando como Gremlins na água…
- A performance dos mercados emergentes vai ser, na média, o dobro daquela do S&P, com liderança do “Emerging Asia”, dado rápido crescimento e polo de tecnologia, com situação fiscal mais controlada.
- BTG Pactual (BPAC11) vai valer mais do que XP. Pode até ter um múltiplo menor, porque a parte mais tradicional do banco cresce menos e consome muito capital, mas terá um market cap maior. Pela simples razão de que assim deve ser. BTG Digital pega tração e inicia-se um processo vigoroso de cross sell e upsell no varejo a partir dele e do Banco Pan (BPAN4). O mercado começa a fazer conta e considerar um “spin-off” da operação lá na frente, com listagem em Bolsa, mas preservação do controle. O banco segue dividindo com Itaú BBA processos de IPOs, follow-ons, privatizações, emissão de dívida. A XP, por sua vez, começa a sofrer pressão de margem, tendo primeiras dificuldades em sair de um ambiente de monopólio em termos práticos para outro de real concorrência. Modelo de agente autônomo começa a ser questionado de maneira mais veemente, pelo mercado e pelos clientes, por conta do conflito e também porque implica mais custos à operação (a plataforma tem que dividir o bolo com o AAI e, portanto, vai ter menos margem ou vai cobrar mais caro do cliente; fica difícil concorrer com plataformas 100% digitais, que pagam cashback, não têm conflito e podem oferecer produtos mais baratos e alinhados com o cliente). Além disso, começa sua penetração em nicho de mercado de maior consumo de capital e taxas menores de crescimento, o que vai implicar de-rating (múltiplos menores).
- A prata vai subir mais de 25% no ano. Primeiramente pela continuidade da impressão cavalar de dinheiro, que deprime o valor da moeda fiduciária e valoriza ativos físicos. E depois por conta de seu uso industrial, num ambiente em que ainda predominam grandes dificuldades de produção e logística nas cadeias de suprimentos.
- A Direcional Engenharia (DIRR3) será a grande surpresa de dividendos em 2021. Na minha conta, a companhia vai fazer R$ 210 milhões de lucro neste ano (e algo absurdo entre R$ 320 milhões e R$ 350 milhões em 2022). Somando recompra e dividendos, a remuneração ao acionista vai passar de 10%, para uma companhia que é P/E 5x lá na frente. Pode dobrar, pagando 10% de yield.
- Vamos acabar com essa história de LAME4, LAME3, BTOW3… Com o desenvolvimento do e-commerce e do omnichannel, com uma possibilidade quase única de transitar entre os mundos físicos, digital, de crédito e, se quiser, até de investimentos (tem cultura, cliente e disponibilidade de capital para isso), não faz muito sentido manter todas essas coisas listadas em separado. No contexto atual, não me surpreenderia se o controlador estivesse incomodado e resolvesse implementar uma reestruturação societária que implicasse listagem num único veículo, migração para o Novo Mercado e simplificação da estrutura. O resultado seria melhora da governança, mais liquidez, ganho de participação nos índices e, claro, boa valorização em Bolsa.
- O bitcoin vai subir mais 50% neste ano, mesmo depois da explosão em 2020. Não há aumento de oferta, por definição. Demanda vem aumentando, seja por uso como meio de troca (ainda que fora do mainstream mais clássico), seja por objetivo especulativo. Segue o tema “cash is trash”, o famoso “bear market do dinheiro”, valorizando tudo que é alternativa. Vai ficando mais institucionalizado e vira uma espécie de bola de neve, numa profecia autorrealizável.
E para imitar de vez Byron Wien, deixo uma última de sobra.
Não acho que tenha errado sobre a privatização da Eletrobras — apenas fui um homem à frente do meu tempo (esclarecimento: isso é uma piada.). Acredito que sai em 2021, depois de muito choro e ranger de dentes, de termos convicção de que não sairia.
As ações sobem bastante como consequência, mas Coelce (COCE5) sobe ainda mais, porque abre-se caminho para fechamento de capital pela Enel, um desejo antigo que só não se materializou ainda pelas dificuldades impostas pela acionista estatal. Seria a surpresa em cima da surpresa.
O gol de bicicleta. Assim poderíamos encerrar. Termina no auge antes de fazer bobagem.