BusinessTimes

Felipe Miranda: dez surpresas para 2020

14 jan 2020, 10:28 - atualizado em 14 jan 2020, 10:28
Felipe Miranda
“Se acertarmos cinco ou seis dessas ‘surpresas’, dado que a elas se atribui uma probabilidade baixa, podemos sair em vantagem relativa notável frente ao consenso”, afirmou o executivo

Calma.

Este não é mais um daqueles textos cujo título remete a “os dez cisnes negros esperados para o ano”. Afinal, se fossem esperados, não seriam cisnes negros, cuja definição aponta para eventos imprevisíveis — os “unknown unknowns” de Donald Rumsfeld, coisas que sequer sabemos que não sabemos, vão além de nossa capacidade de mapeamento. Se aquilo lhe passou pela cabeça ex-ante, já deixou de ser um black swan.

No máximo, temos aqui cisnes cinzas, acontecimentos de alto impacto e considerados de baixa probabilidade, mas passíveis de antecipação.

A definição de surpresa aqui empregada remete à mesma adotada por Byron Wien, da Blackstone, que, desde 1986, publica em janeiro suas “Surprises for the year”. Para nossos fins, surpresa é um evento para o qual o consenso de mercado atribui uma probabilidade igual ou inferior a 33%, enquanto, na nossa opinião, goza de uma chance superior a 50% de ocorrência.

Obviamente, a ideia não é acertar as dez surpresas — quem me dera… O real objetivo do procedimento é exercitar o raciocínio (o meu e o seu) sobre eventos de alto impacto, além do óbvio, capazes de direcionar os mercados ao longo dos próximos 12 meses.

Se acertarmos cinco ou seis desses eventos, dado que a eles se atribui uma probabilidade baixa, podemos sair em vantagem relativa notável frente ao consenso. Se metade das corridas de cavalos fosse vencida pelo azarão, seus apostadores estariam verdadeiramente ricos. Como sugere Ray Dalio, pense em suas decisões sempre em termos de valor presente líquido.

Gosto de Byron Wien desde o livro “Soros on Soros: Staying Ahead of the Curve” e, estimulado por seu alto nível de acerto em suas apostas projetadas para 2019, acabei copiando aqui sua prática típica de janeiro — a imitação é um de meus vários péssimos hábitos; felizmente, eu a assumo, tratando-a, com efeito, como um gesto de admiração e, até mesmo, bajulação daqueles cuja capacidade vai muito além da minha própria.

Então, vamos lá:

i. O Ibovespa fechará o ano acima de 150 mil pontos. Minha expectativa é de que seja puxado pelas empresas da “nova economia”, pelos cíclicos domésticos ligados a consumo, real estate e infraestrutura e, ainda mais surpreendente, por algumas empresas de commodities.

ii. O Ibovespa passará por ao menos duas correções superiores a 10%. Esteja preparado, financeira e psicologicamente para esses dias. Potenciais catalisadores desses ajustes pontuais seriam a volatilidade decorrente de preocupações com a economia norte-americana, dificuldades pronunciadas de se avançar para um acordo “fase 2” entre EUA e China que envolva propriedade intelectual, patentes, tratado sobre tecnologia (notadamente 5G), e dúvidas sobre a capacidade de se avançar com a plataforma de reformas no Brasil conforme se aproximem as eleições municipais — haverá ao menos uma capa da Folha cravando, em definitivo, a morte das reformas no Brasil, com ameaças (muito provavelmente infundadas, ainda bem!) de demissão do ministro Paulo Guedes.

Os grandes bancos serão os grandes perdedores do ano, disse o CIO da Empiricus (Imagem: REUTERS/Rodrigo Garrido)

iii. Os grandes bancos serão os grandes perdedores do ano, no momento em que se perceber que seu lucro não vai crescer em 2020. Não à toa, o Itaú vai divulgar guidance também para 2021, quando tentará mostrar que o crescimento volta — difícil vai ser o mercado pagar isso de forma antecipada. Fintechs, empresas de consumo e até mesmo (quem sabe?) o Facebook serão a grande ameaça ao crédito dos bancos grandes. Dado o enorme peso do setor no índice, os fundos de ações, no geral, terão mais um ano de superação destacada sobre o benchmark. Banco do Brasil será a exceção e ainda conseguirá alta importante no ano, puxado por medidas robustas em prol de maior eficiência operacional e privatização de braços de negócios fora do core.

iv. Cielo terá seu capital fechado por um valor inferior aos preços de tela.

v. XP terminará o ano com valor de mercado superior a R$ 100 bilhões.

vi. Eletrobras será privatizada e suas ações dobrarão de preço.

vii. O S&P 500 superará a marca de 3.500 pontos, influenciado, principalmente, pela “nova política monetária”, em que há maior coordenação entre os bancos centrais e a política fiscal. Trump apela para uma espécie de “whatever it takes” de modo a evitar uma recessão nos EUA. O novo pacote fiscal, associado à redução da Fed Funds Rate, segue empurrando os ativos de risco.

viii. A eleição americana, apesar de trazer muita volatilidade a Wall Street, com várias correções superiores a 5% ao longo do ano, acaba sendo um driver positivo aos mercados. Risco e oportunidade são faces da mesma moeda. Warren e Sanders parecem extremistas demais para serem alçados à Casa Branca, enquanto Biden e Bloomberg não seriam ameaças reais a Wall Street. No final do dia também, a economia, em especial o mercado de trabalho, vai bem, com desemprego nas mínimas históricas, e isso pesa.

O ouro alcançará a marca de US$ 1.800 por onça diante de nova flexibilização monetária e lançamentos de pacotes fiscais adicionais, estimou Felipe Miranda (Imagem: Pixabay)

ix. O ouro alcançará a marca de US$ 1.800 por onça diante de nova flexibilização monetária e lançamentos de pacotes fiscais adicionais, além de ganhar apelo num mundo onde taxas de juro negativas continuam a viver aqui e ali.

x. Por mais de uma vez no ano, o dólar subirá além da marca de R$ 4,30, sob redução estrutural do diferencial de juros entre Brasil e exterior e diante dos aumentos súbitos do grau de aversão ao risco. No final, porém, serão saltos momentâneos e a moeda vai se acomodar em níveis ligeiramente superiores aos atuais.

Por que não há nenhuma surpresa projetada em relação ao governo Bolsonaro? Ora, porque as coisas devem seguir caminhando da mesma forma de 2019. O presidente continuará falando as besteiras de sempre, mas, felizmente, fazendo a coisa certa na economia. E isso é o que nos interessa.

Aos três leitores que notarão minha ausência nos próximos dias, adianto que estou indo conhecer o Mickey, mas volto logo. O redator sai do Brasil, mas o Brasil não sai do redator. Entre uma montanha-russa e outra, continuo conectado. Investidor não tira férias e a caixa de Pandora contém todos os males do mundo. Surpresa mesmo seria se não houvesse surpresa alguma em duas semanas.