Felipe Miranda: “Devo investir no fundo verde?”
A pergunta-título deste Day One tem chegado com certa frequência pra mim, virtual ou presencialmente. As razões são conhecidas. Depois de bastante tempo fechado para novas captações, o mitológico fundo Verde, de Luis Stuhlberger, volta a reabrir no varejo.
Se você procura uma resposta objetiva, eu a antecipo: sim, entendo que seja uma boa alternativa de investimento e que você deve aproveitá-la.
Luis Stuhlberger é indiscutivelmente um gênio, hall of fame global em gestão. Ponto final. Goza de sólido histórico de longo prazo e, talvez ainda mais importante, oferece uma consistência grande — mesmo em anos menos positivos, a julgar pelo histórico, é difícil perder muito dinheiro investindo no Verde.
Baixo downside, bom upside; risco controlado, perspectiva de retorno potencial atraente. Boa assimetria, como gostamos de perseguir aqui.
Embora seja ainda um fundo centrado na figura icônica de Stuhlberger, o que é cabido pelos méritos e pela competência individual, é também muito mais do que isso.
Conta com uma ampla e sólida equipe, muito competente e que trabalha junto há bastante tempo. Destaco o bom economista-chefe Daniel Leichsenring, o braço direito Luiz Parreiras, a equipe de mercados internacionais e o bom Luiz Godinho, head de relacionamento com investidores.
E para além das genialidades individuais e da robustez da equipe, dispõe de acesso aos melhores researches do mundo, aos empresários, aos conselhos de administração, aos executivos, ao newsflow de deals, etc., o que confere boa vantagem informacional, sempre um diferencial importante. Por fim, goza dos melhores processos internos e da melhor tecnologia. Tudo como deve ser. Redondo.
Portanto, recomendo, sim, o investimento no fundo Verde. Ele está aberto para captação na Vitreo, onde o capacity disponível deve se encerrar nos próximos dias. Fica a sugestão.
Este texto, porém, tem como objetivo ir além da questão estrita do investimento ou não no Verde. A newsletter se apoia neste caso particular para tentar provar noções gerais.
Divido em blocos:
1 — Medo de ficar de fora, efeito manada e princípio da escassez
O Verde é ótimo. Nenhuma dúvida a esse respeito. É “buy convicto” e, possivelmente, sempre será. Contudo, há outros fundos de investimento, inclusive brasileiros, também bastante bons, sobre os quais não se manifesta o mesmo interesse, o mesmo frenesi, a mesma admiração.
Cito como exemplos mais emblemáticos o JGP Strategy, da JGP, e o Raptor, da SPX — poderia apontar outros, mas fiquemos nesses.
Metaforicamente, se todos fossem listados em Bolsa, o valuation relativo dos dois últimos estaria muito mais atraente do que o do primeiro.
O adjetivo usado no começo para a referência ao Verde não foi uma coincidência aleatória. Há um mito em torno do Verde, que não é encontrado em outros fundos brasileiros, talvez igualmente bons, principalmente quando analisamos o período dos últimos dez anos.
Para que fique claro: o Verde merece tanta admiração? Sim, merece. Mas por que não há o mesmo encantamento por outros pares, ao menos bastante parecidos na combinação risco-retorno?
Vou lhes dar um exemplo material. O Verde está aberto na Vitreo desde a última quinta-feira (4). Em dois dias, captou mais de R$ 150 milhões. O JGP Strategy, que eu reputo tão bom quanto o Verde, está lá também. Capta cerca de R$ 300 mil por dia.
Evidentemente, o Verde estava fechado há tempos e, portanto, captura uma demanda represada de anos, justificando, claro, parte da diferença.
Mas faz sentido tamanha discrepância? Por que a atenção dispensada a outros fundos multimercados igualmente bons é tão menor? Por que ninguém fala do Jakurski com a mesma frequência e empolgação?
Tenho mais perguntas do que respostas — ainda bem. Só os ignorantes estão cheios de certezas. Eu continuo com dúvidas. Ofereço apenas potenciais explicações.
Entre outras coisas, me parece uma manifestação clara de vieses cognitivos e do quanto a retórica e as percepções imagéticas, narrativas e mitológicas muitas vezes importam mais do que a racionalidade estrita.
O frenesi recente em torno do Verde, principalmente quando ponderado pelo certo desprezo diante de outros bons fundos abertos, representa a união do “fear of missing out” (medo de ficar de fora), efeito manada e princípio da escassez. Todos querem participar daquilo, ainda que nem saibam direito as características do fundo. É a grande festa da cidade.
A um produto, e um fundo é um produto como outro qualquer, não basta ser bom. Embora o Verde seja espetacular, há outros também do mesmo nível, menos disputados. Pesa também a retórica, como Persio Arida e Deirdre McCloskey perceberam em seus artigos sobre o tema.
Não ganha a melhor teoria ou o melhor produto necessariamente. Nem tudo se dá por “superação positiva”. As regras de retórica, de eloquência, de convencimento também importam. Reputo o artigo do Persio batizado “A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica” como o mais bem escrito por um brasileiro entre todos que eu li na Academia.
Quanto mais nos blindarmos dos vieses cognitivos e mais focados estivermos na racionalidade estrita, mais perto estaremos de portfólios eficientes, aqueles com as melhores combinações possíveis de risco e retorno.
A solução pragmática para isso, que contempla as excepcionais qualidades do Verde, mas também incorpora o mérito de outros belos gestores, é a diversificação entre vários bons fundos de investimento. Da mesma forma que você não compra uma única ação, também não deveria estar exposto a uma única cabeça de gestor, por mais brilhante que ele seja.
Houve um evento recente em que os próprios gestores do Verde apresentaram uma solução otimizada para os portfólios dos clientes, que sugeria a combinação do Verde com a SPX.
Essa é a mensagem. Compre o Verde, mas considere também outros gestores competentes. Serão úteis para diversificar sua carteira, reduzir seu nível de risco e preservar retorno potencial.
2 — Quanto ter de fundos multimercados na carteira?
Se você visitar ou receber a visita de um bom private banker ou de um grande alocador de fortunas, ele provavelmente vai sugerir uma posição em multimercados entre 30% e 40% da sua carteira. Alguns vão além. Chegam a 50%, até 60%.
Eu acho muito. Prefiro algo como 15% a 30%. Embora, como já falado e explicado aqui, eu goste, sim, da classe e a recomende para composição de portfólio, acho excessiva uma concentração muito grande na categoria.
O primeiro ponto é que, normalmente, se atribui um heroísmo excessivo a essa turma. Todos eles (e todos nós também, fique claro) ainda são seres humanos. Os alocadores e também investidores individuais magnificam os heróis e os vilões do momento, pesando a mão neste ou naquele acertador da hora.
Os modismos passam, porque não há heróis aqui. Todos são gênios. Isso é um verdadeiro campeonato de Fórmula 1. A competição é brutal.
E um pequeno erro, que sempre vai acontecer em ambientes de incerteza e aleatoriedade, pode custar bons pontos percentuais de retorno, ferindo track records de alguns anos. O mercado é mais difícil do que parece. Os gênios também erram.
A segunda questão se refere a tamanho. Noutro dia, estava ouvindo outro gestor brilhante no podcast Stock Pickers. Guilherme Aché, da Squadra, disse algo mais ou menos assim: “Há um ‘sweet spot’ para a escolha de fundos. Pegue uma equipe vencedora que está montando uma asset, está muito motivada e ainda não é muito grande”. Tamanho importa. E pode dificultar bem as coisas.
Se alguém identificar uma grande oportunidade em small cap para um fundo gigante, possivelmente ele não vai nem conseguir estudar, porque não cabe dentro do fundo. A mera montagem de posição, para um sizing minimamente razoável, esgotaria o upside da respectiva ação.
Muitos desses fundos enormes tiveram que ir lá pra fora, porque não “cabiam” mais no mercado brasileiro. E lá fora é outro jogo. Ser adaptado aqui não significa necessariamente voar no exterior.
Como terceiro elemento, há a questão da perda de visibilidade da sua carteira. Quando você investe num fundo multimercado, você assina um cheque em branco para o gestor. Não sabe onde ele vai alocar seu dinheiro. Pode ser muita Bolsa, muita renda fixa, muito dólar — só ele sabe.
Agora, imagine que ele decida concentrar em ações. E você também já está muito investido em ações. Aquilo pode resultar numa sobrealocação em renda variável, arriscada demais. Só um exemplo. Pode servir para qualquer classe de ativos. O multimercado é apenas um veículo, não é o investimento final.
Por isso, sempre recomendo também que os FIAs (os fundos de ações) sejam realmente fundos de ações, e não brinquem de ser hedge funds, comprando dólar e NTN-B — quem decide a alocação tem que ser o investidor.
O último ponto é que projeto duas grandes classes muito vencedoras nos próximos anos: equities e alternativos/ilíquidos. Não sei — e este é um “não sei” verdadeiro — se os grandes fundos multimercados têm foco, equipe e estrutura para rivalizar “pau a pau” com os grandes fundos de ações em equities.
Claro que podem se atualizar, se reinventar, contratar equipes. Contudo, a origem de boa parte desse pessoal é de juro e câmbio, onde o jogo já não é mais o mesmo. Agora, é sobre a Bolsa. E é duro ensinar truques novos a cães velhos. Alternativos, por sua vez, é um outro bicho.
3 — Uma lição pedagógica e de humildade, na prática
Há uma coisa muito boa da abertura do Verde para o varejo: ela será pedagógica, uma aula de educação financeira, na prática e do único jeito possível.
O Verde, como qualquer outro multimercado de excelência, se for muito bem nos próximos anos, dado o cenário de juros negativos e de Selic ainda abaixo de 5% ao ano, vai dar, sei lá, 10-15% ao ano.
Então, o nosso melhor fundo, o mitológico Verde, vai ensinar às pessoas o quanto é difícil ganhar dinheiro no mercado. Talvez hoje muitos investidores, órfãos do CDI, sedentos por retornos e “ensinados” pelos seus youtubers favoritos, pensem que 10% ao ano é algo desprezível, não mexe o ponteiro. Mas a verdade é que dar 10% ao ano hoje é uma vitória. Ela vai ser mostrada a partir do nosso grande ídolo.
Acima de tudo, será uma lição de humildade, para todos nós. E isso é ótimo.