Empiricus Research

Felipe Miranda: Desta vez é diferente

10 jan 2019, 11:01 - atualizado em 10 jan 2019, 11:01

Por Felipe Miranda, CEO da Empiricus Research

Bill Gates: “Também me lembro de Warren me mostrando sua agenda… foi tão curioso… eu tinha todos os meus minutos consumidos e devidamente programados ali. Eu pensava que essa era a única maneira de conseguir fazer todas as minhas coisas. Bem, o fato de que ele é tão cuidadoso com seu tempo… há dias em que simplesmente não há nada registrado em sua agenda, está completamente vazio…”

Mediador: “Deixe-me ver a agenda dele. Estou vendo aqui uma semana do mês de abril. Há apenas três compromissos marcados para toda uma semana.”

Warren Buffett, rindo: “Haverá um total de quatro compromissos para o mês inteiro de abril, não se preocupe.”

Risos gerais.

Mediador: “Não se encher de compromissos… ter tempo para ler e pensar… é disso que estamos falando?”

Bill Gates: “Exato. Ter a noção de que você controla seu tempo. Sentar-se quieto e reservar tempo para pensar talvez deva ser uma prioridade muito maior do que a normalmente atribuída por um CEO tradicional que, você sabe, está sempre demandado, tem mil reuniões e precisa encontrar todas aquelas pessoas. Essa agenda completamente lotada e sem espaço para respirar não é uma proxy de sua seriedade, falsamente ligada a uma sequência de compromissos demarcados.”

Mediador: “As pessoas vão demandar o seu tempo…”

Warren Buffett: “Bem, essa é a única coisa que você não pode comprar. Deixe-me ser sincero… eu posso comprar basicamente tudo que eu quiser, mas eu não posso comprar tempo.”

Mediador: “Logo, a coisa mais importante pra você é justamente ter tempo.”

Warren Buffett: “Eu preciso me dedicar a isso. Não há nenhuma maneira possível para que eu possa comprar mais tempo.”

Faço aniversário hoje. Não acho que isso seja importante para você, claro. Não é nem mesmo para mim. Não sou afeito a essas coisas normalmente. Nunca comemoro e costumo desligar o celular neste dia, para evitar ligações protocolares. As pessoas realmente importantes você acaba encontrando naturalmente, podendo com elas compartilhar momentos de felicidade de forma espontânea.

Desta vez, porém, é diferente. Sopro velas para apagar um ciclo pessoal, digerindo o gosto doce da possibilidade de despertar para coisas estruturalmente novas. Sob duras penas, estou tentando mudar algo dentro de mim. A disciplina, uma série de mecanismos culpógenos, uma constante cobrança interna, um peso excessivo aos erros e uma ânsia por fazer, trabalhar e realizar abrem ao menos um pouco de espaço para a possibilidade de permitir-se um pouco. Uma dose de vida e juventude, mesmo que ainda pequena, introjetada nas veias. Um pouco de diversão e arte, de permitir-se curtir aquele pouco que se construiu até aqui – nada de bens materiais ou coisas parecidas; apenas uma relação interna consigo mesmo.

De presente, quero apenas estar mais perto daqueles que amo – os poucos e bons. São as boas relações (e não o dinheiro!) que trazem felicidade – sim, há estudos reais na área levando a essa conclusão.

Quero planejar menos, viver mais, com espontaneidade e vivência de situações não planejadas, cujos momentos sequer podemos conceber a priori. Exposição a circunstâncias em que as possibilidades são multivariadas, não mapeáveis e podem nos surpreender para além da capacidade de imaginação.

Para isso, é preciso tempo livre, para viver mais como um flaneur – não na conotação negativa de “vagabundo” ou “preguiçoso”, mas daquele que tem tempo de passear por aí, mesmo que essa viagem seja com o quadril colocado sobre a mesma cadeira, apenas com a cabeça dando a volta ao mundo e além.

Os livros de gestão e os perfis de LinkedIn dos CEOs da moda vão sugerir que você planeje todo o seu dia, marque um compromisso na sequência do outro para que possa “maximizar sua produtividade”. Por favor, não faça isso consigo mesmo. A vida não é uma função derivável. Ela não pode ser otimizada como um exercício de maximização de primeira ordem. Não cabemos numa função matemática e os melhores momentos vêm justamente da exposição a retornos – financeiros ou não – infinitos. Fora do cálculo diferencial e da assíntota, não pode haver um ponto máximo se o payoff é infinito.

Luto contra a turistificação da vida e do mundo em geral. Nassim Taleb introduziu o termo em 3 de novembro de 2011 definindo-o como: “(…) a sistemática remoção da incerteza e da aleatoriedade das coisas, tentando torná-las mais previsíveis em seus menores detalhes, com um preciso itinerário a ser seguido e um visível, conhecido e certeiro destino final. É como colocar as pessoas numa prisão. No que seria um turista comparativamente a um aventureiro, um flaneur, a turistificação consiste em transformar qualquer coisa, não somente a viagem, num ator seguindo um roteiro pré-concebido. Nós veremos como sistemas e organismos que gostam de incerteza são castrados quando retiramos a aleatoriedade do próximo, por meio do processo de turistificação”.

Eu gostaria de convidá-lo para minha festa de aniversário, para que você também pudesse, num esforço compartilhado, evitar a turistificação da sua própria vida. E aqui falo da sua vida financeira, claro.

Você não quer ex-ante que seus retornos caminhem para um ponto pré-planejado. Ou, ao menos, não deveria querer. Estamos num ambiente de incerteza e aleatoriedade, de tal sorte que não podemos cravar bons rendimentos a priori. Sempre seremos surpreendidos por alguma coisa, e é melhor que sejamos surpreendidos favoravelmente, com a aleatoriedade nos empurrando para a frente, não para trás.

Então, que você se exponha como um flaneur a possibilidades de lucros surpreendentes. Viver de forma mais leve, colocando dinheiro naquilo que pode pagar-lhe muito se as coisas derem certo, bem mais do que você imagina hoje, e prejudicá-lo pouco no caso de insucesso. Exposição a retornos surpreendentes, sabe?

Ao mesmo tempo, não ponha um real em coisas que, se tudo der certo, vão lhe pagar pequenas migalhas a mais e roubarão quase todo seu principal se der errado.

Deixe-me dar um exemplo. Faça você mesmo a conta: compare quantos reais você vai ganhar a mais se comprar um CDB de um banco qualquer frente a seus rendimentos no fundo DI do BTG Digital (o melhor que tem hoje por aí). Se você comprar o CDB, provavelmente vai ganhar um pouco a mais. Só que esse pouco a mais não compensa o risco de crédito que você assumiu. Aliás, crédito no Brasil costuma ser uma bela porcaria. Não vale a pena normalmente. Muito risco para pouco retorno adicional.

Rápida digressão: há supostos entendedores de finanças por aí tentando convencer seus clientes de que “as contas da Empiricus sobre a inferioridade dos CDBs e do crédito em geral estão erradas, pois eles rendem mais que o fundo do BTG”; essas pessoas não entenderam (nem vão entender) absolutamente nada – o argumento não é esse; o ponto é que não se está sendo recompensado pelo risco marginal assumido.

Volto ao ponto central.

Nada contra correr risco, claro. Aliás, ao contrário. Contanto que ele esteja devidamente dimensionado na sua carteira, contendo apenas o tanto que você topa perder, e enseje grande retorno potencial como contrapartida, perfeito. Vá para o risco! Com efeito, o momento é bastante propício para ir para ativos de risco no Brasil (mais sobre isso daqui a pouco).

Outro exemplo da derrota da turistificação, aqui mais focada no metodológico. Muitas ações são recomendadas sob a argumentação de que a cotação atual é A e seu preço-alvo é B, sendo B muito superior a A. Isso é pasteurizar/turistificar a análise, colocando um roteiro programado para sua atuação em Bolsa. Um flaneur diria algo mais na linha: as ações parecem razoavelmente baratas, são de uma empresa boa e há uma série de opcionalidades não contempladas no preço atual que podem levar as cotações para um valor muito superior ao atual caso venham a se materializar no tempo, ou seja, tem muita coisa boa que pode acontecer e levar a empresa a um novo patamar; e se não acontecer, não deve cair muito.

A turistificação da análise, ao tentar demarcar o caminho e a trajetória durante a viagem da ação no home broker, parece científica, porque transmite a falsa sensação de precisão e saber. É apenas cientificista, o que é bem diferente, e charlatã, porque estamos necessariamente num ambiente de incerteza e aleatoriedade, que jamais desaparecerão do processo. A abordagem do analista flaneur, aparentemente muito menos rigorosa, é, na verdade, muito mais honesta e precisa, porque contempla várias possibilidades, inclusive aquela de acontecer algo não mapeado por ele.

No momento em que a Bolsa brasileira alcança nova máxima histórica, acho que se coloca, de fato, uma possibilidade totalmente inédita para a pessoa física brasileira. Para que ela ganhe dinheiro com ações em montante e velocidade superiores àquelas que ela mesma pode contemplar a priori.

Há dois grandes catalisadores macro acontecendo neste exato momento. Talvez não se tenha dado ainda a devida importância, mas os dois elementos que travaram um rali pós-eleitoral ainda mais contundente dos ativos brasileiros podem ter seus nós desatados justamente agora.

A reforma da Previdência, por mais difícil que seja, está na cara do gol e pode ser mais dura do que as pessoas estão imaginando, endereçando a questão mais relevante de nossa trajetória fiscal. Se o Brasil der um plano crível para a convergência da relação dívida/PIB, encaixaremos a última peça do quebra-cabeças do equilíbrio macro. E aí a coisa voa.

Em paralelo, emerge uma possibilidade de um “sweet spot” para mercados emergentes no curto prazo. Boa parte do ano passado foi ocupada por preocupação com uma subida de juro muito contundente nos EUA. Depois, veio o temor com uma recessão. Bom, agora vem uma série de discursos mais brandos do banco central dos EUA, sinalizando que talvez os juros não subam tanto por lá. Ao mesmo tempo, o Relatório de Emprego recém-divulgado mostrou uma economia ainda forte. Ou seja, por mais que haja uma desaceleração da economia americana, ela ainda cresce a um ritmo razoável, enquanto o juro não deve subir tanto assim. Se for mesmo o caso, a janela para fluxo gringo aos emergentes pode estar caprichosamente se abrindo.

Do ponto de vista doméstico, temos uma economia preparadinha para uma boa recuperação cíclica e com as taxas de juro em mínimas históricas, o que favorece muito a boa. E, pela primeira, vez há algo muito especial para as pessoas físicas: acesso fácil à multiplicidade de oportunidades de investimento. Aqui precisamos pontuar a contribuição indelével da XP a partir do conceito de shopping financeiro. Apenas parabéns! O investidor de varejo no Brasil hoje pode facilmente acessar o que ele quiser por aqui. Basta apertar o botão. Sobre o resto, não sei, mas a respeito dessa questão em particular posso afirmar: desta vez é diferente.

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